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Capítulo 4 - Quase um Michelangelo

João pegou o telefone discou o número do Andreas. Que atende depois de alguns toques.

- Finalmente atendeu.

- Eu estava trabalhando, lembra como é?

- Engraçado você, eu estou morrendo de tédio por aqui.

- Ué, e como vão às coisas com a vizinha?

- Não vão! Já fazem três dias que ela voltou pra casa e só vi ela uma vez. Não sei o que essa mulher tanto faz dentro de casa. Não consigo nem uma brecha para me aproximar.

- Já tentou bater na porta?

- Pra dizer o que? Também não posso soar muito forçado. Ela vai pedir uma medida protetiva desse jeito. Pior que nem grama as casas tem, sei lá eu pensei que eu podia cortar a minha e me oferecer para cortar a dela.

Andrea soltou uma gargalhada no outro lado da linha.

- Por acaso você sabe cortar grama João Vicente?

- Não! Mas meu amigo, hoje em dia não existe nada que você não aprenda no youtube.

- Eu ainda acho que seria muito trabalho.

- De qualquer forma, não faz diferença, não tem grama nenhuma pra cortar.

- Então porque você não sai, dá uma volta pra espairecer?

- É que eu tô evitando sair com esse carro, pressinto que ele vai me deixar na mão.

- João deixa de ser paranóico, ele foi todo revisado. Tá tudo ok com o carro.

- Mesmo assim, um carro de quase vinte anos, não vou dar sorte ao azar e usar sem necessidade.

Andreas suspirou, sem muita paciência para as suas neuroses. João olhou pela janela.

- Espera, parece que ela está saindo, vai levar o lixo pra fora. Finalmente, achei que ela estava fazendo uma montanha com ele dentro de casa. Eu vou lá, a gente se fala depois. - E desligou.

Saiu quase correndo pela porta para alcançá-la.

- Oi, tudo bem Céu?

Ela pareceu meio surpresa com o seu surgimento repentino.

- Tudo bem.

- E então, esta se recuperando bem? Não está precisando de ajuda para nada? Como você não saiu muito, achei que pudesse ter se sentindo mal, mas eu não tinha o seu número pra ligar ou mandar mensagem.

 Opa. Talvez tivesse exagerado um pouco, mas agora já foi. Ela pareceu pensar sobre o que ele estava falando. E então deu um leve sorriso.

- Esta tudo bem Joe, eu tava só assistindo TV. Sabe, maratonando algumas coisas. Eu não tinha muito tempo pra isso.

- Joe?- João ficou sem entender. - Ela riu.

- JOE, da série YOU. - Falou como se fosse óbvia a analogia que ela fez dele com um perseguidor de carteirinha.

- Não sei, nunca assisti essa.

- Nossa, em que mundo você vive?

- Não assisto muita coisa, mas tô querendo mudar isso, de repente você tem algumas coisas pra me indicar.

- Sim, tenho sim, pra todos os gostos.

Ele olhou o que ela carregava e resolveu prolongar o papo.

    - Está fazendo faxina?

- Não, só me livrando de algumas coisas. Eu resolvi pintar a casa, e fazer umas mudanças, daí tô colocando fora o que não vou querer guardar.

- Legal, e você mesma vai fazer tudo?

- Sim. A loja vai me entregar às tintas no início da tarde. E já vou começar.

Essa definitivamente era uma oportunidade, pensou ele.

- Então, eu estou de bobeira, posso te ajudar.

- Que isso, não precisa!

- Não eu faço questão. E vou ficar até ofendido se você me negar essa oportunidade de um bom trabalho braçal, eu fico só na frente do computador. Preciso de alguma ação. - Tentou parecer convincente.

Ele a colocou em uma posição que ficava realmente muito chato negar a ajuda. E ela só pode assentir.

- Tudo bem então. Eu te chamo quando o material chegar.

- Faz assim, ele aproveitou a oportunidade e entregou o celular. Salva seu número, que eu te passo o meu, daí você me manda mensagem quando for começar.

Ela teve que rir daquilo também. Era só chamar no muro dos fundos. Parecia realmente que ele tava tentando conseguir o número.

Ela pegou o celular da mão dele e digitou.

- Me chama pra eu salvar o seu. Vou te nomear como Joe mesmo. – e sorriu novamente.

Ele fingiu seriedade.

- Sabia que não tem graça e é muito chato quando a gente não entende a referência?

- Ué da um G****e. Respondeu ela e entrou na casa novamente.

João entrou em seguida. Ela havia dito início da tarde, eram dez horas da manhã. Isso dava um total de umas três horas para descobrir como que se pintava uma parede. Bendito youtube. Mas antes ia botar no G****e pra ver quem era esse tal de Joe. Quando fez a pesquisa soube na hora, que a sutileza talvez não estivesse sendo seu forte.

O caminhão de entrega chegou logo após a uma e trinta. Em seguida João recebeu a mensagem que estava esperando e se dirigiu a casa ao lado. Bateu na porta, que foi aberta em seguida.

- Oi.

- Você é rápido heim. Ela o olhou por um momento e perguntou. - Mas você vai pintar com essa roupa?

Ele olhou para si mesmo.

- Sim. Por quê? Tem algum problema com ela?

- Mas ela vai estragar toda!

O que João não podia dizer, era que mesmo essas roupas sendo novas, ainda eram bem mais simples que as que ele realmente usava.

- Não se preocupe com isso. Como eu fico mais em casa. Minhas roupas não gastam muito.

- E sério que você não tem uma roupa de mendigo?

Ele pareceu confuso.

- Como assim? Não entendi.

- De mendigo, aquelas que usa para ficar em casa ou pra dormir, geralmente rasgada ou manchada.

- Não, quando eu vou dormir, eu não costumo usar nada.

Ela não estava esperando aquela resposta. E só foi capaz de encarar ele com uma expressão incrédula. Ele entendeu o recado e perguntou.

- Foi informação demais não é?

- Sim. Com certeza. Vamos começar então, de uma vez.

Com o passar das horas, ficava claro que ele não fazia idéia do que estava fazendo. Mas mesmo assim, conseguiram pintar toda a sala e o quarto.

- Você tem certeza que já fez isso antes?

- Se eu disser que não, vou perder muito pontos?

- Não, em uma tabela justa o seu esforço seria o motivo de ganhar pontos e não perder.

- Tudo bem. Está obvio que eu nunca nem cheguei perto de tinta e pincel.

- Eu imaginei - Falou ela sorrindo. - Mas para mim com pouca experiência e você sem nenhuma, até que não estamos indo mal.

- Eu concordo.

Logo terminaram a cozinha também e Céu se deu por satisfeita.

- Esta bem, a parte da pintura acabou.

- E agora, o que tem pra fazer?

- Hoje nada. Já são sete horas. Eu estou com muita fome e cansada.

Ele aproveitou a deixa.

- Eu também. E o que podíamos pedir pra comer?

Ela entendeu o recado, mas fingiu normalidade.

- Não sei. Estou com vontade de comer comida mesmo. Tem um bar aqui perto que serve almoço e janta. Podíamos pedir para entregar o PF deles.

Tudo bem havia chegado o momento. Todo esse tempo tinha conseguido pedir ifood de seus restaurantes favoritos. Mas esse era o dia, em que teria que encarar o famigerado PF de bairro. Determinado ele só assentiu, e aceitou seu destino.

- Então eu vou pedir e tomar um banho.

- Ta eu vou fazer a mesma coisa. Na minha casa é claro. E já volto.

Os dois ficaram prontos quase ao mesmo tempo, e a comida não demorou. Para surpresa de João, a comida era boa. Simples mas bem preparada. Quando terminou ele perguntou.

- E aquelas dicas de filmes e séries que você ia me dar?

- Ah é. Quer que eu te mande uma lista no Zap?

- Eu agradeceria se fizesse isso.

- Inclusive hoje eu vou iniciar uma que está todo mundo comentando, de suspense.

- Gosta desse gênero?

- Gosto. Eu não fico muito confortável vendo sozinha às vezes. Tem umas que são cabeludas. Mas a tentação sempre vence.

- Então. Se você não começou essa ainda, podíamos começar a ver juntos. É que eu ainda não assinei nenhuma plataforma. Ele se justificou.

Céu pensou na realidade dos fatos. Chamar um estranho para sua casa, para inclusive maratonar uma série até sabe se lá que horas, isso definitivamente não era adequado, nem muito seguro. Porém toda a situação era atípica. E ela não havia escapado da morte em um acidente grave, para em seguida ser morta por um assassino bonitão. O destino não podia ser tão traiçoeiro. É definitivamente devia encarar como uma possibilidade de conhecer alguém. Um amigo seria bom no momento, era muito cansativo ficar sozinha. E o seu novo amigo apesar de ser meio Joe, era uma figura.

- Ta bem vamos lá. Eu vou fazer pipoca e vamos começar. Só não vai ficar com medo de ir embora pra casa depois. E riu em direção a cozinha.

Nossa, ele não teve nem chance de ter medo, após uns dois ou três sustos, ele dormiu espremido no braço do sofá. Devia estar cansado mesmo. Ela terminou o episódio e resolveu ir dormir também. Tentou acordar ele sem sucesso, então tentou acomodar como pode as pernas dele, para a posição não ficar tão desconfortável. E o cobriu, ele ia se arrepender muito no outro dia, com a dor no corpo que ia ter.

No dia seguinte, ela acordou primeiro,  passou café e foi acordá-lo. Chegou perto e chamou o seu nome.

- João.

Ele se sentou de pronto. Meio assustado.

- Oi. Acordei. Nossa, que sofá horrível.

- Então porque não foi dormir na sua cama?

- Eu tava tão cansado que não conseguia nem levantar.

- Eu fiz café.

- Bom! Mas sério. Por acaso não está nesses seus planos de reforma um sofá novo? Por que esse não tem condições. Sei lá. Um que eu possa dormir caso o episódio seja assustador demais para os meus nervos.

Ela teve que rir alto da ousadia dele.

- Apesar de você ser muito folgado, eu realmente tava pensando em um novo. E uma tv maior também.

- Isso. Muito bom. É um começo.

Ela o fulminou com o olhar. Ele repetiu;

- Um começo muito bom. Vamos depois do café olhar.

Ela o encarou outra vez. Ele deu de ombros.

- O que foi? Se eu vou utilizar frequentemente, eu preciso dar minha opinião não? - Falou como se fosse óbvio.

- Utilizar frequentemente? Mas é muito folgado. Só não esquece que o sofá é meu, a tv é minha. E nem pensa em se adonar do controle remoto.

    - Esta bem, eu juro que vou tentar me controlar.

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