Retornaram no meio da tarde, completamente exaustos das compras. Céu achou um lindo sofá retrátil e reclinável dos sonhos de qualquer um. Era de três lugares, mas cabia tranquilamente umas cinco pessoas sentadas próximas. Sorte que como a casa era antiga, a sua sala era bem ampla. João fez questão de sentar e até mesmo deitar em todos os modelos que viram, inclusive tecendo comentários sobre os dois terem que ficar confortáveis, para longos períodos nele. Céu não sabia mais como esconder o constrangimento, não havia como saber se todos os vendedores também estavam achando os comentários dele sugestivos, dando a entender intensos momentos românticos, ou era só culpa na sua consciência mesmo, por estar talvez, pensando mais que o desejável no assunto. Não era uma pessoa fria, mas sempre se considerou muito prática. Sexo era para ser bom, mas nem sempre era. Como não conseguia se aproximar emocionalmente das pessoas, nunca sentiu grandes atrações, a não ser pelos homens dos livros que lia, e esses eram muitos, de todas as etnias e origens variadas.
Uma vez, quando tinha dezesseis anos, resolveu tentar com um menino que era o mais próximo que tinha de amigo, lá no abrigo. Apesar de serem extremamente vigiados, quando se passa muito tempo em um lugar você descobre formas de burlar o sistema. Não sabia se por serem amigos, ou pela falta de experiência do menino também, mas a realidade é que foi extremamente decepcionante. Sentiu muita dor e desconforto, e absolutamente nenhum prazer. A sorte é que pelo menos foi rápido. Depois disso, resolveu deixar para lá, melhor ficar só na imaginação mesmo, os CEO de grandes empresas, chefes da máfia, ou vampiros extremamente gostosos nunca a decepcionavam.
Seria até insensato dizer que João não era atrativo, muito pelo contrário, ele era o tipo de qualquer uma. Moreno, alto, um físico bem trabalhado, mas sem ser muito exagerado, compatível com o peso e altura. Olhos castanhos e pequenos, parecia que estava sempre fazendo aquela carinho de cachorro pidão. Às vezes um pouco de barba e às vezes não, parecia bastante indeciso sobre o visual. Em fim, o homem hétero padrão, o que tava super ok mas, o problema é que ela não se via muito nessa situação, tendo qualquer coisa com ele, ou com qualquer outro. Sempre achou que se conhecesse alguém que os gostos batessem, seria alguém um pouco mais alternativo, ele parecia até perfeito demais. E além de tudo, ficar fantasiando com alguém tão próximo podia ser perigoso, era frustração na certa. Então, seria muito bom se seus pensamentos fossem em outra direção, na oposta de ficar imaginando o que poderia acontecer entre os dois naquele sofá novo.
Compraram também uma TV novinha de cinquenta polegadas, que Céu achou um grande exagero, mas pelo João teria sido ainda maior. Ele também a convenceu de comprar uma mesa nova, com pelo menos quatro cadeiras que combinassem, ela não tinha percebido que ele havia reparado em como suas coisas eram. Deu o braço a torcer porque encontrou um modelo lindo, arredondada meio retrô, com quatro cadeiras estofadas. Sua cozinha era pequena, então a sala e a sala de jantar eram juntas no mesmo cômodo, dispostas uma ao lado da outra. Aproveitou e levou um painel para colocar a TV e um aparador para compor o ambiente com a mesa e as cadeiras. Disseram que a entrega seria no dia seguinte, mas João conversou por um momento com o vendedor enquanto ela estava distraída olhando outros itens, e milagrosamente ele deu a notícia que tudo poderia ser entregue naquele mesmo dia.
Os dois se dirigiram de volta para casa, a fim de esperar as compras. Quando o caminhão chegou, foi relativamente bem rápido para descarregar tudo, e as sete da noite já estava tudo organizado. A casa estava linda, com a pintura e os móveis novos. O sofá bege era um sonho de conforto e João já estava bem acomodado nele.
- E então? Vamos assistir ao próximo capítulo da série de suspense? – Ele perguntou.
- Sem chance, eu estou totalmente exausta. Isso não foi uma tarde de compras, foi uma verdadeira maratona.
- Eu sei, eu estou um pouco cansado também, mas olha só esse sofá novinho – disse ele alisando o lugar ao seu lado. – Você vai realmente desperdiçar a chance de usufruir dele, na melhor companhia possível, assistindo uma ótima serie e comendo algo delicioso que você vai pedir em agradecimento por toda a ajuda que eu te dei hoje?
- Nossa, é realmente muito tentador o seu convite! Sentar no MEU sofá, comer algo que EU vou ter que pagar, assistindo algo na MINHA televisão. – Ela falou entre sarcástica e divertida. – Mas eu inacreditavelmente vou ter que recusar esse convite, estou só por um banho e a minha cama.
- Bem – Disse ele com uma expressão de pesar – Esse convite eu vou ter que recusar, até mesmo porque eu sei que no seu quarto não tem televisão, e eu não consigo imaginar qual seria o outro motivo obscuro que faria você me convidar para deitar na sua cama.
Céu arregalou os olhos de surpresa com a brincadeirinha que ele fez.
- Eu não acredito no que insinuou. Você sabe muito bem, que eu não quis dizer isso, eu não vou nem perder meu sagrado tempo de descanso com você. Anda, vai e me deixa descansar! – Ela disse, tentando segurar um sorriso insistente no canto da boca.
Ele se levantou a contragosto e foi lentamente em direção a porta, fazendo questão de deixar claro que realmente não queria ir.
- Tudo bem. Mas amanha a gente continua da onde parou ok?
Céu levou um tempo até entender a que ele estava se referindo, se ao episódio da série, ou as insinuações sobre os dois na cama dela. Achou melhor não esclarecer a duvida, para não dar mais palco para as gracinhas dele.
- Eu vou pensar. – respondeu. – Se você conseguir ficar até amanha a noite sem me fazer passar raiva, eu te mando um zap te convidando para minha humilde residência.
Ele a encarou com os olhos semicerrados, surpreso com o gracejo, e sorriu.
- Eu vou aguardar então o seu convite formal. Poderia colocar também a sugestão de traje para o evento? Eu detestaria me apresentar de forma inadequada.
- Bem, contanto que não se apresente da forma que costuma ir dormir, qualquer coisa serve.
Ela falou em um impulso, para em seguida se arrepender e colocar a mão na boca em um gesto de horror. Ele não conteve o riso, começou a rir alto e teve dificuldade para se controlar. Apesar do furo que deixou, ela não conseguiu afastar o pensamento de que era uma risada muito bonita.
- Definitivamente tem alguma conexão direta entre o que você pensa e o que fala. Eu nunca conheci uma pessoa tão sem filtro. – Ele começou a se dirigir a sua casa, ainda achando muita graça.
Chegou em casa cansado, comeu qualquer coisa, tomou um banho e foi se deitar também. Que dia mais peculiar fora aquele. Deitado com a cabeça no travesseiro, não podia evitar pensar em como sua vida falsa era diferente da sua verdadeira. Até pouco tempo atrás jamais imaginaria comer prato feito, ou dirigir um carro de vinte anos. Mas passar um dia inteiro percorrendo lojas, com uma mulher que achava três mil reais uma absurdo a se pagar em um sofá era com certeza inacreditável. Esse definitivamente não era ele, o João de verdade não iria nem querer saber o valor, na verdade mandaria apenas alguém competente escolher o que houvesse de melhor, sem se preocupar com o preço. Andreas iria rir muito dele quando soubesse.
Maria do Céu também era diferente de qualquer mulher que ele já tivesse tido contato, ela atribuía valor para coisas que não era comuns no mundo dele. Não fazia doações generosas para obras de caridade, nem poderia, mas fazia questão de embrulhar o que não fora comido no lanche para dar a algum morador de rua. Comprava balas, doces e até água dos meninos que vendiam nos sinais. Fazia questão de não trocar de calçada se fosse passar por algum sem teto deitado no chão. Quando ele a questionou sobre isso ela apenas respondera.
- Trocar de calçada é o primeiro passo para fingir que o problema não existe. Ele esta ali, ele é uma pessoa e ele existe. Quando trocamos de calçada estamos ajudando a lhe atribuir o status de coisa. Ao invés de atravessar a rua, entrega um pão ou uma água, aproveite para mostrar que você se importa. Eu gosto de pensar que esses pequenos gestos ajudam a diminuir a distância entre as pessoas.
Ela era definitivamente uma mulher gigante, pensou ele, fazia o que podia por ela mesma e pelos outros, sempre cuidou de si e tentava ao máximo ajudar qualquer um que estivesse precisando.
O engraçado é que ele só levou dois dias para perceber tudo isso e começar a lhe dedicar um grande respeito e admiração. Era muito bom se sentir assim a respeito de alguém, ter o que admirar. Dava um pouco de vontade que as pessoas o vissem assim também. É bem feio olhar ao redor e ver um monte de pessoas vazias, mais feio ainda é olhar para dentro e se ver assim. Realmente isso era algo a se pensar, olhar além da redoma e tentar fazer do mundo um lugar mais justo, com mais pessoas como a Céu! Foi um bom pensamento antes de pegar no sono, por causa dele e talvez de outras coisas mais, sonhou com ela a noite inteira.
João acordou com o barulho de notificações de mensagens no celular. Foi conferir e eram de Andreas. Ele o chamava para encontrá-lo às dez horas em uma cafeteria de luxo que os dois costumavam frequentar desde a faculdade. Haveria uma reunião importante com um cliente em potencial de uma grande conta e os detalhes precisavam ser acertados. A mensagem terminava com um: "Deixa de mania e usa o carro, vai acontecer mais cedo ou mais tarde."João tomou um banho, colocou uma roupa e se dirigiu ao café. Deu uma olhada para casa ao lado e constatou estar toda fechada, ela ainda deveria estar dormindo. Era perturbador pensar em como os seus pensamentos iam cada vez mais naquela direção, em como ela estava, o que estaria fazendo. Depois do acidente, ela passou a fazer uma parte sólida de seus pensamentos, mas desde que a conheceu melhor, eles estavam ficando cada vez mais intensos. Refletiu sobre isso por todo o caminho até a cafeteria, e ao chegar lá, Andreas já estava esperando por ele.-- Ve
João bateu à porta e Céu não demorou a abri-la.- Entre. — Disse ela- e foi correndo na direção da cozinha. Ele a seguiu com o embrulho que ela nem havia notado e o vinho na mão.- Desculpe, fiquei com medo que a carne virasse carvão.Nossa, pelo visto as chances deles terem que pedir comida eram grandes.Ele caminhou em direção a ela e entregou o vinho.- Olha, eu trouxe um vinho, eu não sei se você bebe, a gente não chegou a falar sobre isso. Bem, pensando agora, eu também não sei se você pode beber, se ainda está tomando algum remédio. Talvez tenha sido uma ideia ruim.- Relaxa, ta tudo bem. Eu terminei o tratamento no hospital mesmo. E, eu bebo, sim, socialmente, mas com bastante frequência.Ele achou graça no comentário e sorriu. Ela olhou para o embrulho que ele ainda carregava.- Ah, e eu estava andando pelo centro, vi isso e achei a sua cara. É um presente pela repaginação da casa.- Hum, muito obrigada. – Ela abriu o embrulho, e arregalou os olhos ao ver o quadro.- Meu Deus!
Sem entender exatamente como uma simples conversa havia se tornado uma discussão. Céu foi apagar as luzes e escovar os dentes para se deitar. Já em sua cama, seguia confusa sobre o que acontecera. Não tinha a intenção de chegar tão longe. Talvez realmente o tenha ofendido falando sobre o seu gosto para mulheres. Tinha que ser justa, não o conhecia bem, não sabia nada sobre esse aspecto de sua vida. Havia feito um julgamento apenas baseada no que via. Ele era um homem muito atraente, interessante e charmoso, por isso julgou que ele fosse superficial. Uma atitude bem preconceituosa de sua parte.A verdade é que ele nunca deu motivos para que ela o julgasse assim, muito pelo contrário, só tinha coisas boas a dizer de sua pessoa, não media esforços para ajudá-la. Talvez ela o tenha atacado por estar insegura, com alguma crise de autoestima. Quando ele sugeriu que ela era uma mulher como outra qualquer, ficou na defensiva para deixar claro que ela não ousaria se colocar como uma opção, poi
Seguiram em direção ao interior, rumo ao destino do passeio.-- Porque você não bota uma música, é um longo caminho até lá. - Céu pediu.Ele ligou o rádio e começou a tocar uma música no estilo eletrônico que estava bem na moda no momento. Quando escutaram as três próximas e eram do mesmo estilo, ela não aguentou e comentou.-- Na sua playlist só tem esse tipo de música?-- Acho que sim, por que você não gosta?-- Na verdade, eu detesto.-- Nossa, achei que você fosse uma pessoa muito eclética em relação a tudo.-- Quase tudo. Desde que eu me lembro eu odeio música eletrônica. Na minha cabeça não faz sentido nenhum. Não consigo me sentir tocada por toda essa mistura de ritmos e batidas.-- Eu nunca pensei muito sobre isso. Só gosto do ritmo. E é o que geralmente toca nos lugares que eu vou.-- E que lugares são esses?- Ele havia falado demais.-- Vários. - Respondeu simplesmente, parecendo não querer dar segmento ao assunto.-- Mas apesar de algumas preferências, para livros e filmes
João Vicente procurava sentir a água fria passar pelo seu corpo e pensar em algo que não tivesse nada a ver com ela, com o fato dela ser maravilhosa e o detalhe que os dois estavam totalmente sozinhos. Pensou na empresa, em todos os seus problemas, no pai, na mulher do pai e pronto, foi o suficiente para o carinha lá de baixo se acalmar. Ele conseguiu finalmente sair de onde estava e ir nadar com ela. Aquilo não podia estar acontecendo, todo sentido daquele plano idiota era ajudar ela, e não levá-la para cama. Uma mulher sozinha, fragilizada e sem memória. Que tipo de cretino ele seria se tentasse tirar vantagem disso? Isso era abominável até para o seu antigo eu, que não ligava muito para as outras pessoas. Percebeu que daquele momento em diante, ia ser difícil se controlar perto dela. Alguma coisa havia terminado de despertar, não conseguiria apagar da mente aquele corpo e a mulher extremamente interessante que ela era.Nadaram por um bom tempo, até que decidiram sair para comer alg
Quando Maria do Céu acordou,não sabia absolutamente por onde começar, porém, tinha certeza de que deveria começar por ponto e como já quase nove horas, era melhor ir se mexer. Achou melhor começar do início, e bolar um cronograma do que fazer. Como era a primeira vez ou se metia em uma situação como essa, pesquisou no Google o termo "amigos", na tentativa de se beneficiar no conceito. Achou quase uma dúzia de sites e anúncios, títulos de filmes, séries e um grande número de livros. Uma definição e sexo que inclui todos, uma relação que incluía amizade, nada mais. Exatamente como ela imaginava.O que procura, na internet, ela já sabia de cor, justamente pelos muitos filmes e que conhece sobre o tema que estuda a situação da escola ela já a partir de a partir de a partir de uma situação. Pelo
Quando Céu saiu do banho, já eram sete horas, olhou o celular e tinha uma mensagem do João Vicente.- Eu ainda não acredito que estou escrevendo isso, mas vou ter que furar com você hoje. - Aquilo foi como um balde de água fria em todas as expectativas dela. Sentiu um misto de decepção, raiva e impotência. Conseguiu responder apenas um..– Ok. Fica para a próxima.
Eram nove horas da manhã quando João chegou em sua casa, conseguiu descer do carro e entrar em casa sem ser visto pela vizinha. Não precisava de ajuda para se locomover, apenas tinha que tomar cuidado para não colocar força na perna machucada. A dor estava controlada pelos remédios, sentia desconforto apenas se fizesse movimentos muito bruscos. Esperou Andreas tomar uma distância segura de sua casa e enviou uma mensagem para Céu, avisando que já estava em casa. Ela visualizou apenas uma hora mais tarde quando acordou, e respondeu que ia em seguida para ajudá-lo. Ele olhou ao redor, conferindo se havia algo no lugar que pudesse denunciá-lo de alguma forma. Ela nunca havia entrado ali, tinha ido apenas até a porta da frente. Tudo parecia perfeitamente bem, para a casa