Preparo-me para mais um intenso dia de trabalho, com ajuda de Ana minha fiel escudeira
-José já foi olhar o gado novo que chegou?_pergunto enquanto ela me ajuda a calçar as botas — Sim, saiu cedinho o sinhô sabe como ele é com as tarefas né?_ela se levanta indo até a penteadeira pegar o meu chapéu — Você sabe que não precisa fazer essas coisas por mim não é?_digo olhado para ela — Eu gosto de te ajudar, o sinhô pra mim, é um filho que nunca tive_ela coloca o chapéu em minha cabeça — Tambem te considero como uma mãe, Você José e o João são o mais próximos que eu tenho de uma família,sempre fizeram muito por mim e eu sou muito grato por tudo_pego sua mão lhe dando um beijo — Há patrão, nois somo muito grato ao sinhô por tudo o que fez por nois, quando chegamo aqui tudo isso era um monte de terra sem valor,nois não tinha pra quem trabalhar não tinha o que comer,e quando o sinhô chegou comprando essas terra tudo mudou_seus olhos brilham ao olhar a paisagem de minha janela — Eu era um garoto cheio de sonhos com gana nos olhos e uma vontade de lutar, e hoje sou apenas a sombra daquele garoto _falo triste — Não diga isso, o sinhô nunca se deixou abater pelo que aconteceu, muito pelo contrário seguiu me dando um orgulho danado_ela acaricia meu rosto com carinho — Obrigado Ana, devo tudo isso a vocês, poderia chamar o João por favor?quero começar logo essa entrevista já não aguento mais ficar sem um veterinário_depois que fui obrigado a demitir o último por maus tratos com meus animais, ficou difícil confiar em outra pessoa A manhã é longa já que apareceram muitos candidatos, com o valor que ofereço e o pequeno chalé que ficará como moradia do novo veterinário não seria diferente a grande procura -Não gostou de nenhum?_João pergunta quando o último candidato se retira — Para ser sincero não, os currículos são impecáveis, mas falta algo neles, eles agem de uma maneira mecânica não senti paixão pela profissão em nenhum deles,você deve amar cada animal antes de cogitar a ideia de trabalhar com eles_fecho a pasta e pegando uma xícara de café — Por que você ainda é peão?quero dizer você agora é um fazendeiro rico bem sucedido que pode ter vários veterinários, por que continuar tendo apenas um? Você fica lá nos estábulos cuidando dos animais fazendo uma coisa que não precisa e que também não pode _ele olha para mim — Eu nasci um peão e morrerei sendo um, isso não irá mudar nunca_bebo meu café — Precisa ir até à cidade?gostaria de ver a Maria_ele fala animado — João e Maria mais clichê que isso impossível_o provoco — Você sempre fazendo piadas com isso, afinal vamos ou não?_João é uma das poucas pessoas com total liberdade comigo, é praticamente um irmão — Sim, prepare o carro por favor_saio com ele me acompanhando A viagem é longa e cansativa, moro a duas horas da cidade, não me imagino morando em um lugar tão barulhento e poluído -Vou buscar os sacos de ração e o senhor não saia daí_joão brinca saindo do carro — Muito engraçado, essa nunca perde a graça_reviro os olhos Aproveito para ver as minhas mensagens já que só uso essa porcaria quando venho até a cidade, eu sou um homem a moda antiga possuo apenas o telefone fixo da casa, nada de celulares ou internet pelo menos não para mim, eu coloquei wi fi para os funcionários, mas na casa grande não possuo, já que eu sou o único morador não vejo necessidade -Dando uma olhada no I*******m?_João volta comendo algo — Eu nem sei o que é isso, estou olhando as mensagens dos bancos, continuam me oferecendo empréstimos e cartões de crédito_bloqueio a tela jogando o aparelho em qualquer lugar — Cara você é um homem de quarenta anos que vive na idade da pedra, onde já se viu não ter um cartão de crédito?_ele liga o carro — Não tenho por que não acho necessário, gosto de pagar as coisas com dinheiro, se preciso de dinheiro basta eu ir ao banco e fazer uma retirada_dou de ombros — Você deveria ao menos ter redes sociais,olha para você um homem bonito e rico, as mulheres se jogam aos seus pés_ele olha para mim — Essas coisas não são para mim você sabe bem disso_olho pela janela — Qual o seu segredo?porque as mulheres ficam loucas por você?como você faz?_ele faz um gesto com a mão insinuando o ato sexual — Eu já te falei um milhão de vezes que não terei essa conversa com você_rio de sua insistência — Deveria se casar de novo, aquilo foi a muito tempo_ele toca em minha ferida — Você sabe que não estou procurando ninguém, agora vamos passar no paiol quero ir embora_corto o assunto, pois ele sabe que é algo que não gosto de falar Entramos no paiol para comprar grãos e pagar algumas encomendas que eu fiz -Bom dia Augusto,pensei que não o veria esse mês_Samanta a vendedora fala com o seu sorriso simpático de sempre — Tive alguns problemas na fazenda não consegue vir antes_pego a carteira tirando a quantia do mês — Amanhã teremos a festa do café com leite, você deveria vir, quero dizer vocês dois_ela tenta se corrigir ficando envergonhada — Há não, festas não são para mim, o João com toda certeza virá, mas eu prefiro o silêncio da minha casa_lhe entrego o dinheiro e fico esperando minha nota fiscal — Senhor Augusto que bons ventos o trazem, como tem passado?_o dono do paiol pergunta animado como sempre — Muito bem pela graça de Deus, e você divino como tem passado?muitas vendas por aqui? — Não posso reclamar as vendas tem sido ótimas, senhor Augusto se me permite o atrevimento posso te fazer uma pergunta antes que o senhor vá embora?_ele sai de trás do balcão e fica em minha frente — Pode perguntar_sinto um pequeno desconforto, mas não deixo que João perceba — Eu soube que o senhor estava procurando um veterinário, já conseguiu? É que a minha sobrinha chegou na cidade ontem, e ela acabou de se formar seria uma ótima oportunidade para ela Penso em dizer a ele que não estou procurando alguém que acabou de se formar, e muito menos uma mulher para trabalhar comigo, mas soaria machista da minha parte -Ainda não encontrei continuo procurando, se o senhor quiser posso fazer uma entrevista com ela — Há isso seria ótimo, Samanta vá lá dentro e chame a Elisa por favor é rapidinho_ele faz um sinal para que eu espere — Ela não está aqui, saiu já faz um tempo, mas não disse para onde ia_Samanta fala o pegando de surpresa João olha para mim, percebendo que não estou bem -Senhor divino diga para a sua sobrinha ir até à fazenda, já está ficando tarde e o patrão não gosta de andar a noite por essas estradas_joão diz já saindo do local -Sim, eu entendo me perdoem por ficar segurando vocês aqui, pedirei que ela vá até lá amanhã mesmo,muito obrigado senhor Augusto tenho certeza que vai gostar da minha sobrinha, ela é uma moça muito dedicada e responsável Concordo saindo de lá antes que ele invente algo mais para me prender ali -Esta se sentindo bem?posso deixar de passar na Maria_ele liga o carro — Estou é apenas o cansaço da semana, um bom banho com uma boa noite de sono irá ajudar, pode passar na Maria eu te espero, vocês só se veem no fim de semana não será eu que irei estragar o fim de semana de vocês — Viu como a Samanta te olha?parece que vai te devorar_ele ri se aproximando da casa da namorada — Foi apenas uma noite e nada mais que isso,eu deixei claro que não me envolvo com ninguém — Mas deveria tentar_ele para o carro — Se continuar com esse assunto não deixo você ir até à casa da Maria — Isso não, não está mais aqui quem falou, eu vou lá rapidinho, ela vai conosco para a fazenda visitar os pais_ele sai animado do carro Apenas concordo com a cabeça louco para ir embora, a dor está ficando cada vez mais insuportável. O caminho é torturante, Maria não para de falar um minuto me deixando irritado Sou o tipo de homem que preza por meu silêncio e tranquilidade, e as mulheres tendem a ser muito falantes, como nós por aqui dizemos faladeiras Chegamos na fazenda já avistando Ana a nossa espera -Meu Deus! ocês demoraram demais, precisa dos seus remédios, patrão?_ela pergunta já indo buscar um copo d'água Ana me conhece como ninguém, ela sabe quando estou com dor e sempre que demoro em algum lugar já fica a minha espera -Precisa de mais alguma coisa?_joão me entrega as chaves do carro — Não, pode ir aproveite a noite_me despeso dos dois me sentando em meu sofá — Pegue, quer alguma mais alguma coisa?_ela me entrega os comprimidos — Não,pode ir para casa só quero ficar sozinho_jogo todos na boca — Ate amanhã então, se precisar já sabe é só chamar que volto correndo_ela sorri Ligo o som deixando uma música calma invadir o ambiente e me jogo no sofá, deixando que mais uma vez as lembranças me façam companhia por noite adentro O cantar do galo é meu despertador diário, me dou conta de que mais uma vez dormi no sofá Espreguiço-me tentando relaxar meu corpo, subo para o quarto indo até o banheiro para encher a banheira, um banho de imersão em água fria me fará um homem novo Livro-me das roupas e deixo meu corpo escorregar pela banheira fria, fico admirando a vista privilegiada que possuo, a uma parede de vidro que vai do teto ao chão me dando uma visão total do que acontece lá fora Batidas na porta me fazem perceber que passei tempo demais na água -Eu já estou indo Ana_falo alto para que ela ousa — A sobrinha do divino está lá embaixo esperando o sinhô, e ela parece bem nervosa com a demora já chegou faz um tempão — Ana me faça um favor, peça para ela subir até o meu quarto irei conversar com ela aqui mesmo _saio da banheira pegando minha toalha — Aqui no quarto?_abro a porta encontrando sua expressão confusa -Sim, aqui no quarto, você irá ficar aqui para que ela não se sinta desconfortável e também serei breve já que não pretendo contrata-la_pego uma roupa qualquer e começo a me vestir — Há mais pra que falar com a moça então?ela parece tão esperançosa — Faça o que pedi por favor _olho para ela que logo entende que não quero dar explicações Coloco o meu chapéu e me encaminho até a porta, e antes de abri-la consigo ouvir sua voz -Me fez ficar esperando esse tempo todo para nem ao menos descer para falar comigo, por acaso ele não possui pernas?_ela diz nervosa — Possuo sim, mas como pode ver elas não são muito úteis_aponto para a minha cadeira de rodas sentindo o sangue ferver em minhas veiasSe eu pudesse descrever o meu sentimento em uma palavra seria vergonha, meu pai sempre dizia que um dia eu teria grandes problemas por falar demaisE aqui estou eu, sem saber onde enfiar a minha cara de tanta vergonha,porque minha prima que foi tão detalhista em descrever ele para mim não me disse que ela era paralítico?— Eu sinto muito, não quis ser desrespeitosa com o senhor, é que eu não imaginava _me complico com as palavras e começo a sentir meu rosto quente pela vergonha e nervosismo— Bom eu não tenho muito tempo, então sente-se enquanto analiso seu currículo _ele passa por mim, empurrando sua cadeira e indo até à porta para abri-la, não parece ter ficado incomodado com o que falei— Fique calma vai dar tudo certo, o patrão é um bom homem bom tenho certeza que não se importou com o que aconteceu _a simpática senhora que me recebeu tenta me tranquilizar enquanto me acompanha até a portaSento-me de frente para uma grande mesa de madeira enquanto ouço a porta bater atrás de mim
Mulherzinha faladeira essa Eliza, mas confesso que ela despertou um lado meu que a muito eu não viaO de ser desafiado, se ela acha que será fácil ter a vaga está muito engana,irei transformar sua vida em um verdadeiro inferno,e se no final de tudo ela ainda estiver disposta a trabalhar lhe darei a vaga-No que está pensando?te conhecendo bem como conheço essa moça não terá boa vida por aqui_João começa a espalhar a palha pelo curral- Não estou pensando em nada, a faladeira queria uma oportunidade e eu dei, basta agora mostra ser capaz_guio minha cadeira para fora do curral- E eu tenho certeza que será bem difícil para ela provar isso, ou talvez suas intenções sejam outras, sejamos sinceros a mulher é um espetáculo, Maria que não nos ouça, mas a danada é muito bonita _ele ri- Não tenho intenção alguma com ela, ela não faz o meu tipo_paro quando vejo ela se aproximandoOlho em meu relógio e constato que ela não se atrasou nem um minuto, chegou na hora combinada-Fico feliz em saber
Nunca imaginei que já no meu primeiro dia trabalharia como uma condenadaO peão Inácio não me deu tempo nem para respirar, e sei bem que noventa por cento das coisas que fiz não eram minha funçãoMas se aquele arrogante pensa que vou desistir ele está muito enganado, se existe algo que não conheço nessa vida é me dar por vencidaChego no chalé com meus pés latejando e implorando para serem libertados, tiro minha bota e faço uma massagem generosa naqueles que me carregaram por todo o diaTiro minha roupa ficando apenas de lingerie e vou até à geladeira procurar algo para comer, ainda não me acostumei com toda a fartura que á nesse chalé, é tanta comida e bebida que daria para uma família de no mínimo quatro pessoas viverem por mais de um anoCozinho alguns legumes com carne e faço uma massa que ficará divina acompanhada de uma garrafa de vinho, e preciso colocar o orgulho de parte em relação à qualidade do que aquele ogro compra para os empregadosInácio me confessou que Montenegro é q
Sinto meu corpo ficar cada vez mais gelado, e só então me dou conta de que ainda estou no banheiroGuio minha cadeira para o quarto e vou até meu armário pegar algo para vestir, as palavras daquela faladeira ainda estão presentes em minha mente, e o fato dela talvez está certa é algo que me deixa loucoAdmito que as vezes não sou uma pessoa fácil de lhe dar, mas também não sou o monstro que ela pintou, ou sou?faz tanto tempo que deixei de me socializar com as pessoas que já não sei mais em que nível de mau humor estouFecho meus olhos e a imagem dela parada me olhando me deixa possesso, minha privacidade é algo que não aceito ser violadaOdeio ver nas pessoas o olhar que vi nela, olhar de pena de confusão como se quisessem me perguntar o que aconteceu comigoOlho para as cicatrizes em meu corpo,e as lembranças são muito mais dolorosas do que o modo como elas foram feitas,não há mais como ser a mesma pessoa de antes depois de tantos danosPor mais que eu tente viver nada me trará de vo
Esse homem só pode ter algum problema na cabeça isso sim, penso enquanto me dirijo para o escritório-Ei Inácio, será que eu fui contratada?por isso o patrão me mandou para cá?_uma esperança se acende em mim— Não, o patrão só não quer que os peão novo fique de zói no cê _ele abre a porta do escritórioOlho em volta e o lugar está até bem arrumado, não a muito o que se fazer-Eu não entendo, como assim de zói em mim?_faço aspas com as mãos ao enfatizar a palavra zói— Aqueles peão chegaram um pouco antes do cê, foram mandados por um amigo do patrão então ainda não sabemos se podemos confiar neles, é uma moça bonita todo cuidado é pouco _ele acena puxando a aba de seu chapéu e me deixado sozinhaVou levar o que ele disse como um conselho e ficar bem longe dos peões, eu preciso desse emprego e não quero arrumar mais problemas para mimEu estava decidida a ir embora, mas meia hora conversando com Jaque e ela me fez mudar de ideia, ela me fez ver que orgulho não enche barriga e nem paga a
Vez ou outra algum de seus cachos fazem cócegas em meu rostoSeu cheiro é incrível uma mistura de baunilha e morangos, estou acostumado com mulheres de perfumes caros e famosos, nunca imaginei que um creme de cabelo poderia ter um cheiro tão bom-Qual creme de cabelo você usa?_pergunto tentando prestar atenção por onde passamos— Há é uma mistura de dois cremes_ela os uni em um coque deixando-os longe de meu rosto— O cheiro é bom, muito bom_olho em seus olhos negros como a noite— Estão todos olhando para mim_ela olha em volta e depois abaixa a cabeça— Não, eles estão olhando para mim, não é todo dia que eles veem o patrão carregando alguém _olho para eles que logo param de me olhar e voltam a seu serviçoParo em frente a porta do chalé e espero que ela abra a porta, ela fica em pé com certa dificuldade, mas consegue abrir a porta-Obrigada por me ajudar, eu não conseguiria chegar aqui sozinha _um sorriso tímido brota em seus lábiosAs lembranças dela invadem a minha mente, ela sorr
Após dois dias pulando para todos os lados parecendo o saci, eu finalmente estou conseguindo andar, mesmo que ainda com certa dificuldade eu estou andandoNesses dois dias Montenegro simplesmente sumiu, ele não apareceu no escritório e não o vi na fazenda, algo está acontecendo, mas Ana não quer me contar, e também por não, ser algo que diz respeito a mim eu decido focar no trabalhoUm dos bezerros que nasceu na fazenda acabou perdendo a mãe durante o parto, senti o pesar de ver um animal morrer em minhas mãos, fiquei muito abalada, mas sei que faz parte da vida e irei vivenciar outros episódios como esse, e agora estou dedicando um pouco do meu tempo ao pobre filhotinho que está sozinho, ele logo terá que ir para o outro curral ficar com os outros filhotes-Ocê não pode ficar o tempo todo com ele, ele precisa se acostumar a ficar sozinho _José fala ao me ver fazendo carinho no animal— Eu sei, mas ele é tão frágil tem apenas um dia de vida e já vai ter que encarar tudo sozinho_passo
O que está acontecendo comigo?eu digo a mim mesmo que irei me manter longe delaMas é como se eu fosse o ferro e ela o ímã, quando dou por mim já estou perto dela, e com ela eu esqueço de todo o passado e volto a ser o Augusto de antes.Hoje eu não me tranco no quarto como faço diariamente, descido descer e jantar na mesa com Ana como eu fazia antigamente, ela nunca aceitou se sentar a mesa, mas sempre me fez companhia-Espero que você ainda não tenha guardado o meu jantar_guio minha cadeira até a mesa-À meu São Judas Tadeu, tô nem acreditando no que tô vendo, a comida tá quentinha no fogão, quer que eu traga ou faça o seu patro?_ela está feliz e faz questão de mostrar o quanto a agradou me ver ali— Quero que traga a comida e se sente comigo para comer _sorrio para ela— Pois hoje eu vou aceitar, eu tô tão feliz de vê ocê aqui que até vou me sentar com cê_ela corre até o fogão de lenha colocando a comida na louçaEm poucos minutos a mesa já está posta, ela não para de sorrir nem por