Sinto meu corpo ficar cada vez mais gelado, e só então me dou conta de que ainda estou no banheiro
Guio minha cadeira para o quarto e vou até meu armário pegar algo para vestir, as palavras daquela faladeira ainda estão presentes em minha mente, e o fato dela talvez está certa é algo que me deixa louco Admito que as vezes não sou uma pessoa fácil de lhe dar, mas também não sou o monstro que ela pintou, ou sou?faz tanto tempo que deixei de me socializar com as pessoas que já não sei mais em que nível de mau humor estou Fecho meus olhos e a imagem dela parada me olhando me deixa possesso, minha privacidade é algo que não aceito ser violada Odeio ver nas pessoas o olhar que vi nela, olhar de pena de confusão como se quisessem me perguntar o que aconteceu comigo Olho para as cicatrizes em meu corpo,e as lembranças são muito mais dolorosas do que o modo como elas foram feitas,não há mais como ser a mesma pessoa de antes depois de tantos danos Por mais que eu tente viver nada me trará de volta o ano que perdi naquela cama de hospital Desvio meus pensamentos para algo que no momento requer mais importância de minha parte, se aquela faladeira levar a sério o que eu disse ela deve estar arrumando suas coisas nesse momento E sabendo o que devo fazer me dirijo até o chalé, as luzes estão acessas e uma música alta toca preenchendo a noite silenciosa Bato algumas vezes na porta, mas não sou ouvido devido ao barulho Verifico que a porta está aberta então a empurro O lugar está diferente, tem algumas cortinas e um tapete, e até algumas flores, estava acostumado com o ambiente totalmente masculino, mas até que não ficou ruim como está agora e tento certeza que tem dedo da Ana em tudo por aqui Ela parece está no banheiro já que escuto barulhos vindo de lá,a música que antes era barulhenta e alta da lugar a um blues suave e calmo Sou surpreendido quando ela começa a cantar e sua voz é muito linda, sou um apreciador do blues e do jazz e há muito tempo não ouvia uma voz tão bonita quanto a dela Ela sai do banheiro tão entretida cantando que não me vê ali -Até que você canta bem_digo lhe dando um grande susto Ela grita levando a mão ao peito, seus olhos estão assustado -Puta que pariu que susto, o que está fazendo aqui?_ela tenta se cobrir mais com a toalha — Esse chalé também é meu, e agora estamos quites já que você também entrou na minha casa sem avisar_tento não olhar para o seu corpo Suas curvas são generosas, pernas bem desenhadas com um belo quadril só sendo cego para não ver o quanto essa faladeira é bela Isso não é certo, não deveria estar aqui_ela pega um roupão o vestindo rapidamente — Você acabou de me ver nu então não me venha dizer o que é certo ou errado, já estou indo embora,esteja pronta amanhã às seis em ponto, quero que você receba o novo gado, da última vez vieram muitos bezerros com carrapatos_abro a porta — Mas o senhor me mandou embora e é o que vou fazer, eu fiz errado em entrar sem ser convidada, mas o senhor também não fez o certo me tratando daquela maneira_ela cruza os braços — Se está esperando um pedido de desculpa ouque eu implore para ficar está perdendo seu tempo, apesar de tudo você está se saindo bem, mas não serei eu que irei impedi-la de ir embora_saio deixando a parada na porta Eu queria dizer muitas coisas para ela, mas não consigo e talvez seja melhor assim Volto para a fazenda e subo direto para o quarto, me sinto cansado e com sono preciso ligar para o meu médico e conversar sobre esse cansaço excessivo que ando sentindo E como imaginava acordei tarde já que Ana não estava aqui para me chamar, ela tem sido o meu despertador nos últimos dias Visto uma roupa qualquer e desço para procurar os meus remédios, sei que estou ficando viciado em analgésicos, mas no momento não me imagino sem eles, estou passando por um novo tratamento extremamente doloroso e maçante que eu só estou levando adiante por insistência de Ana, e sempre que consigo pego alguns comprimidos sem que ela perceba, coloco em um vidro e escondo na minha cadeira -Se Ana souber você estará bem encrencado_João me pega no flagra — Ela só irá saber se você contar, e eu tenho certeza que você não irá dizer nada _o fuzilo com os olhos — Ok, para quem saber ler um pingo é letra, mas me diga Porque os outros peões não estão ajudando a Eliza?quando fui pedir explicações eles disseram que foram ordens suas _ele cruza os braços Sorrio internamente ao saber que ela não foi embora como disse que faria -Peça para Inácio ajuda-la, no mais ela fará o resto, sozinha _saio da cozinha — Não sei se é uma boa ideia deixá-la sozinha, alguns dos novos peões fizeram comentários bem pesados a respeito dela — Que tipo de comentários?_cruzo meus braços — Você sabe como são os homens, a maioria deles não tem mulher e ver uma tão bonita por aqui está mexendo com a imaginação deles — Vamos até o curral, e chame todos os peões_saio de dentro da casa me sentindo incomodado com o que acabo de ouvir De longe já vejo ela debruçada sobre a cerca olhando um bezerro Três peões estão parados atrás dela, e o modo como eles olham para ela me deixa irritado -Voltem ao trabalho, vocês não são pagos para ficarem parados_grito com os três fazendo com que eles saiam apressados — Eliza você irá ficar no escritório de agora em diante, basta dizer ao Inácio o que deve ser feito e ele fará com os outros peões_me aproximo dela fazendo com que ela desça da cerca — Mas o senhor disse que eu teria que fazer de tudo_ela me olha confusa — Apenas faça o que te mandei, pode ir agora, a sala está suja precisa ser limpa, Inácio vai te entregar a chave Ela passa por mim e posso ver em seu rosto um grande ponto de interrogação, os peões se aproximam e antes de chegarem até mim eles param para vê-la passar -Pedi que chamassem todos vocês aqui, pois creio que ainda não fui direto o suficiente com todos_olho para os três malandros que ainda não sei o nome — A veterinária não vai participar?_um deles pergunta com um sorriso de lado E para mim ele demonstra ser o mais perigoso dos três -Não,e é sobre ela que quero falar, sei que o ambiente é cercado por homens e que as mulheres não andam por aqui, a senhorita Eliza será uma exceção por tanto eu exijo que a respeitem, não quero saber de brincadeiras ou piadas a respeito dela, qualquer reclamação vinda dela ou de João será demissão por justa causa, não irei aceitar dentro das minhas terras nenhum tipo de preconceito ou assédio Todos me olham fazendo um sinal de que concordam e se retirando em seguida -Logo você falando de preconceito, chega a ser hilário _João faz uma de suas piadas — Eu não sou preconceituoso, mas é bem óbvio que esse lugar não é para ela, em apenas um dia ela colocou tudo de cabeça para baixo_digo irritado — Ei a culpa não é dela, e a única coisa que aconteceu foram as piadas de mal gosto daqueles babacas_ele se senta em um amontoado de cilo — Não foi só isso o que aconteceu, Ontem a noite ela foi no meu quarto e entrou no meu banheiro_sinto o sangue correr mais rápido em minhas veias ao me lembrar dela parada lá me olhando -Eita! lasqueira, eu sabia que ia rolar, vocês dois tava na cara _ele começa a rir — Não é nada do que está pensando, você sabe mais do que ninguém que eu jamais deixaria ninguém entrar no meu quarto que não fosse a Ana, ela entrou lá de enxerida que é, só de lembrar dela lá dentro me dá vontade de manda-la embora_aperto minha mão na cadeira -E porque não manda?já mandoupessoas embora por bem menos que isso_ele tem um sorriso de lado — Eu mandei, mas apesar de ser uma faladeira enxerida, ela está fazendo bem o seu trabalho e será difícil ter que procurar outra pessoa de novo, e agora chega dessa conversa que tenho muito o que fazer Eu jamais diria-lhe o que de fato ela fez comigo, a dois anos que todos a minha volta diz ser normal que agora eu seja assim frio e rancoroso, e só agora percebe que todos estão fingindo estar tudo bem,mas, na verdade não está, eu não estou bem fisicamente e muito menos mentalmenteEsse homem só pode ter algum problema na cabeça isso sim, penso enquanto me dirijo para o escritório-Ei Inácio, será que eu fui contratada?por isso o patrão me mandou para cá?_uma esperança se acende em mim— Não, o patrão só não quer que os peão novo fique de zói no cê _ele abre a porta do escritórioOlho em volta e o lugar está até bem arrumado, não a muito o que se fazer-Eu não entendo, como assim de zói em mim?_faço aspas com as mãos ao enfatizar a palavra zói— Aqueles peão chegaram um pouco antes do cê, foram mandados por um amigo do patrão então ainda não sabemos se podemos confiar neles, é uma moça bonita todo cuidado é pouco _ele acena puxando a aba de seu chapéu e me deixado sozinhaVou levar o que ele disse como um conselho e ficar bem longe dos peões, eu preciso desse emprego e não quero arrumar mais problemas para mimEu estava decidida a ir embora, mas meia hora conversando com Jaque e ela me fez mudar de ideia, ela me fez ver que orgulho não enche barriga e nem paga a
Vez ou outra algum de seus cachos fazem cócegas em meu rostoSeu cheiro é incrível uma mistura de baunilha e morangos, estou acostumado com mulheres de perfumes caros e famosos, nunca imaginei que um creme de cabelo poderia ter um cheiro tão bom-Qual creme de cabelo você usa?_pergunto tentando prestar atenção por onde passamos— Há é uma mistura de dois cremes_ela os uni em um coque deixando-os longe de meu rosto— O cheiro é bom, muito bom_olho em seus olhos negros como a noite— Estão todos olhando para mim_ela olha em volta e depois abaixa a cabeça— Não, eles estão olhando para mim, não é todo dia que eles veem o patrão carregando alguém _olho para eles que logo param de me olhar e voltam a seu serviçoParo em frente a porta do chalé e espero que ela abra a porta, ela fica em pé com certa dificuldade, mas consegue abrir a porta-Obrigada por me ajudar, eu não conseguiria chegar aqui sozinha _um sorriso tímido brota em seus lábiosAs lembranças dela invadem a minha mente, ela sorr
Após dois dias pulando para todos os lados parecendo o saci, eu finalmente estou conseguindo andar, mesmo que ainda com certa dificuldade eu estou andandoNesses dois dias Montenegro simplesmente sumiu, ele não apareceu no escritório e não o vi na fazenda, algo está acontecendo, mas Ana não quer me contar, e também por não, ser algo que diz respeito a mim eu decido focar no trabalhoUm dos bezerros que nasceu na fazenda acabou perdendo a mãe durante o parto, senti o pesar de ver um animal morrer em minhas mãos, fiquei muito abalada, mas sei que faz parte da vida e irei vivenciar outros episódios como esse, e agora estou dedicando um pouco do meu tempo ao pobre filhotinho que está sozinho, ele logo terá que ir para o outro curral ficar com os outros filhotes-Ocê não pode ficar o tempo todo com ele, ele precisa se acostumar a ficar sozinho _José fala ao me ver fazendo carinho no animal— Eu sei, mas ele é tão frágil tem apenas um dia de vida e já vai ter que encarar tudo sozinho_passo
O que está acontecendo comigo?eu digo a mim mesmo que irei me manter longe delaMas é como se eu fosse o ferro e ela o ímã, quando dou por mim já estou perto dela, e com ela eu esqueço de todo o passado e volto a ser o Augusto de antes.Hoje eu não me tranco no quarto como faço diariamente, descido descer e jantar na mesa com Ana como eu fazia antigamente, ela nunca aceitou se sentar a mesa, mas sempre me fez companhia-Espero que você ainda não tenha guardado o meu jantar_guio minha cadeira até a mesa-À meu São Judas Tadeu, tô nem acreditando no que tô vendo, a comida tá quentinha no fogão, quer que eu traga ou faça o seu patro?_ela está feliz e faz questão de mostrar o quanto a agradou me ver ali— Quero que traga a comida e se sente comigo para comer _sorrio para ela— Pois hoje eu vou aceitar, eu tô tão feliz de vê ocê aqui que até vou me sentar com cê_ela corre até o fogão de lenha colocando a comida na louçaEm poucos minutos a mesa já está posta, ela não para de sorrir nem por
Acordo assustada sem saber direito onde estou, o cheiro amadeirado domina todo o ambiente me fazendo entender onde estou, estou no quarto dele em sua camaPasso a mão pelo lençol suave negros como a noite, e me dou conta de que nada que ele tenha ou use possui cores, tudo é preto ou branco e às vezes cinzaAs lembranças começam a vir em minha mente e me lembro do que aqueles homens tentaram fazer comigo, e só não aconteceu o pior por que Montenegro me salvouOlho para meus braços e as marcas estão por toda parte, sinto vontade de chorar ao imaginar o que iria acontecer comigo e onde eu estaria agoraOlho para frente e lá está ele, me observando com seus grandes olhos azuis-Se sente melhor?_ele cruza as mãos mantendo os cotovelos apoiados na cadeira— Sim, apenas a minha cabeça dói um pouco, eu não sei como agradecer pelo que fez por mim, eu poderia não estar aqui agora _um grande nó se forma em minha garganta— Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse a você, eu sou o culpado não de
Ana se retira nos deixando a sós, ela passa por Eliza tocando sua mão e lhe dando um sorrisoBárbara não consegue esconder sua ira, seus olhos verdes estão escuros de raiva, sua mandíbula se contrai enquanto ela olha para Eliza-Isso é uma piada de mal gosto ou o quê?você ainda é meu marido _seu olhar é sério— Não, nós já nos separamos, você é que não aceita a nossa separação e me atormenta de todas as maneiras possíveis, mesmo que você pegue todo o meu dinheiro eu nunca voltaria para você, não depois de tudo o que fez comigo_digo amargo— Eu já disse várias vezes que eu não fiz nada com você, eu não sabia que aquela enfermeira estava te torturando _ela tenta fazer uma expressão de tristeza, mas falha miseravelmente— E eu volto a dizer que não acredito, diga logo o que você quer dessa vez, outro carro?ou mais um apartamento?_movo minha cadeira ainda segurando na mão de Eliza fazendo com que ela se sente ao meu lado— Eu não vou conversar com você na frente dela, o que aconteceu com
Ainda estou atordoada com tudo o que aconteceu, em doze horas eu fui de um extremo ao outroPrimeiro a angústia e o medo de que algo terrível acontecesse a mim, e depois o alívio de ver Montenegro lá me defendendo, me salvando como um verdadeiro cavaleiro de armadura,e depois veio aquele beijoAi o beijo,eu nunca imaginei provar algo tão bom como aquele beijo,sua boca era perdição,sua língua atrevida tomou todo o meu espaço me deixando completamente rendida ao beijoAinda sinto o roçar de sua barba em meus lábios,toco minha boca ainda sem acreditar que aquilo aconteceu,que eu realmente o beijei,e pode parecer loucura da minha cabeça, mas eu adoraria repetir-Obrigado pelo, o que fez por mim _sua voz grossa soa em meus ouvidos me dando um grande sustoEstou em seu quarto esperando que Ana traga minhas roupas-Eu fico feliz de que tenha te ajudado,era o mínimo que eu podia fazer depois de tudo,desculpe por vir para o seu quarto, mas eu não queria ficar de roupão pela casa_tento fechar o
Pedi a Ana que fosse até o chalé e buscasse as coisas de ElizaConfesso que me surpreendeu ver apenas uma mochila com algumas peças surradas e um tênisNão me atentei a ver o que ela possuía quando chegou aqui, e foi inevitável a comparação com BárbaraQuando nos casamos ela trouxe tantas roupas que não couberam no closet, e precisei fazer outro só para elaAgora estou aqui, olhando para o local onde ficava seu closet que hoje é apenas uma parede com um quadro, assim que voltei a fazenda mandei que o tirassem daqui e queimassem todas as suas roupas e sapatos-Ela já tá no quarto, não tava com uma cara nada boa quando sai de lá _Ana fala se sentando na minha cama— Pouco me importa se ela não gostou, eu e você sabemos que é o melhor para ela _continuo olhando para o quadro na parede— Ainda tô sem acreditar que o delegado soltou aqueles monstros_ela fala irritada— Eu também não consigo acreditar que a nossa lei possa ser tão branda com algo tão terrível como uma tentativa de estupro_r