ISABEL: Como pode uma criatura ser tão mundana e se voltar à avareza, à vaidade, à soberba? Como pode considerar arte uma tolice? Uma inutilidade? Fico triste ao presenciar isso, mas vou em frente... As flores murcham um dia, mas outras sementes são jogadas nos campos...
CENA III: AS VISÕES DA PROFETISA
[Diálogo entre profetisa e alquimista]:
PROFETISA: Eu enxergo o destino como visões místicas dos dias brilhantes e nublados: A batalha de Issus. Lá sobre a rocha há um querubim de Deus, só nos observando. Ele tem corpo parecendo com uma escultura de cera, diante da luz do sol. O monte está repleto de cavaleiros e soldados com bandeiras... Parecem em conflito... Então são dias de angústia... [...]. Ó, como é belo o horizonte onde reinam as nuvens do céu! Como são belos o frescor e a brisa do vento, quando ressoam musicalmente para nós! Como a vastidão do universo é infinita e como a vida traz a verdade de um olhar! Sem mais erros, sem mais absurdos, sem mais negligências: esta é a conduta que tanto almejo — a de um ser livre, cheio de inteligência, dotado de genialidade e ao mesmo tempo frenético e astuto. O que podeis dizer sobre a bem-aventurança? A de um coração puro e honesto. A que infere como aquela que traz alegria e a benevolência de uma alma que, às vezes, fere sem razão. Aquela que suplica por piedade, como se nunca antes precisasse... Voz celeste, queira me sussurrar o canto dos profetas! Anjos, queiram orar por mim! Ó, magnitude, quero a grandeza da luz dos astros me guiando... Por favor, eu suplico por graça!
ALQUIMISTA: A bem-aventurança traz a benção ao homem... Eu também suplico pela misericórdia divina. Minh ’alma sempre diz: “Ignosce mihi, domine” [1]. Creio que as impurezas deste mundo têm me afetado, mas ao invés de sucumbir ao pecado, cuido para me afastar da tentação maléfica que abomina este reino. Peço ajuda vinda dos céus para descobrir meu destino diante dos corpos supremos, diante de um teto estrelado. O que será que eu posso ler a respeito de sua estrela? Pode descobrir o futuro para mim, cara profetisa?
PROFETISA: Há uma espécie de conflito lá fora. Uma guerra muito pertinente que assola nossas buscas pela verdade. Esta rebelião traz anjos como apologia de seus estudos. O que eu vejo em meu Livro das Revelações, belíssimo em cada página, onde cada ornamento guarda um segredo em silêncio, são as visões místicas de que alguém muito inquieto, cheio de ânsia e angústia, está preocupado com as superstições deste povo que imagina estar por vir o perigo dos cinocéfalos.
ALQUIMISTA: Sim, cinocéfalos. Dizem os guerreiros que se não liberarem as terras para as Cruzadas, serão transformados em seres animalescos, metade cão, metade homem.
PROFETISA: Pois bem, a Terra Santa vos aguarda sem dúvidas. O território o qual tanto aspiram por conquistar é algo que tem deixado o povo constantemente agonizado, com soluços impertinentes, com o coração pesado, com incertezas e dúvidas de que estão prometendo um paraíso em troca de ouro. O povo confunde muitas vezes uma conquista com o céu, a ambição com a desordem, a nobreza com a violência e a indulgência com a chantagem. Isso nos deixa aflitos, como as obscuras tempestades de inverno.
ALQUIMISTA: A conquista da Terra Santa é uma promessa de que tudo ficará bem. E tudo ficará?
PROFETISA: O que prevejo é que muitos morrerão e virão mais pestilências.
ALQUIMISTA: Meu Deus, que horror! Devo continuar meus estudos com fé?
PROFETISA: Acredito a fé ser a razão de existir de muitos...
ALQUIMISTA: Mas e quanto às nossas famílias? O que será de mim? O que eu quero é trabalhar com a química dos metais, de uma forma que traga glória ao corpo celestial. Acredito que todos os meus desenhos de pentagramas, os estudos medicinais sobre as plantas serão um caminho para salvar-nos de qualquer epidemia. Criei antídotos poderosos, são quase como os legendários deuses, que retiram as garras da ignorância e trazem a cura para a sociedade. Eu, talvez, me redimindo à busca incessante pelo novo, daquilo que próprio desconheço, vou desvendando os mistérios possíveis do universo, buscando gravar tudo em folhas de pergaminho, com minhas anotações, guardando o resultado de experiências em vítreos frascos, formando elixires coloridos como os vitrais das catedrais... Uso um pouco de mercúrio e enxofre e faço várias experiências com o ouro e a prata. Quem dera se meus olhos se extasiassem com tanta riqueza!
PROFETISA: Pois eu lhe digo, homem, que as profecias são claras quando o homem é astuto. Cada palavra merece ser bem escolhida antes que lhe tomem a ideia de tamanhas descobertas. Pois bem, o que será deste reino eu mal sei. Só sei que haverá aqueles que de coração justo se salvarão. Meu caro, acredito na sinceridade como a de uma criança, assim como a de uma jovem que me falou que ousar conquistar nova terra para celebrarmos o poder de Cristo é tarefa nobre. Muitos se sentirão injustiçados e carecerão de um pouco de água para saciar sua sede. Muitos perderão suas moradias, pois virão cavaleiros e tirarão todo o pouco arduamente conquistado. Religiões entrarão em conflito, enquanto tudo que procuraste fora uma causa para sacrificar-te pelo sagrado. Creio que devas entrar em jejum durante dias se faltar algo em tua humilde casa, por isso, creio que devas te preparar! Acho também que devas te aprontar para longas jornadas nas quais o sono não vem e é preciso acordar feito gigante das montanhas.
ALQUIMISTA: Se é assim que dizes, acreditarei...
Pelo visto em meu futuro terei que fugir das batalhas sanguinárias deste reino
A crueldade parece vir com toda a sua maldade
Ai de mim!
Ai de mim, pois quero ser salvo ainda!
Ai de mim, pois mal sei o que me aguarda!
Por favor, Cristo, não me deixe perecer antes de cumprir minha missão aqui!
PROFETISA: Com licença, agora vou anunciar a chegada dos anciãos, dos peregrinos. Tenho a visão mística de criaturas magníficas aladas, com asas nas cores ouro e pele negra cintilante carregando o escudo repleto de símbolos de glória da realeza nos céus... Ah, e outra coisa que pode ser útil para dias próximos: é que vejo uma jovem perdida na Floresta Vermelha...
[1] Perdão, Senhor.
PROSTITUTA: Eu não sei mais no que acreditar... Parece que meu trabalho não me favorece... Tudo o que tenho foi o que a vida me trouxe: uma série de julgamentos. Às vezes é como se houvesse apenas sujeira, como um veneno letal... Ela chega até nós, se alastra e nos contamina... Eu realmente fico indignada! São míseros soldos por um trabalho de dar o próprio corpo para o desejo de qualquer homem e ainda receber doenças! Dizem que eu sou uma mal-agradecida, às vezes. Proferem que a culpa das pestilências é nossa. Que a fornicação é muito almejada pelos ricos e dizem ser necessária, pois muitos esperam saciar a volúpia. Eu não me importaria com isso. O corpo é a minha propriedade, cada um escolhe o que bem fazer dele. Há lares com crianças famintas, há a necessidade de alimentá-las. Os súditos do rei que não se importam em se embriagar e ter contato com outras carnes repletas de luxúria. Falam que nos prostíbulos mora o diabo, como se ele não os visitasse todas as noites. Aqui é uma me
[O padre está dando um sermão na Igreja]: PADRE: ...O voto de castidade é feito pela pureza do corpo que nasce pecador ao ser entregue ao Senhor. Não se deve se prostituir, lembrem-se do pecado original... Deus castiga o fornicador com doenças e mais doenças! Lembrem-se, o corpo é criação divina, não se deve violá-lo com os desejos carnais. Não se deve explorar a luxúria, pois esta é o caminho do diabo. Corpos que não seguem nossas leis para o caminho do Reino dos Céus serão condenados para todo o sempre! Lembrem-se, o diabo vigia nossos passos e nos aguarda no inferno, onde há dor e sofrimentos eternos, onde bruxas são queimadas e onde estão aqueles que não se arrependeram por seus pecados e não entraram nos céus! O homem parece cada dia mais perdido na tentação Se procura as meretrizes então comete um pecado letal, e o inferno o aguarda Nele há fogo escaldante, monstros gigantes e dores ag
TROVADOR: Sinto um aperto no coração parecendo uma pedra de diamante bruto no peito, não sei se meu amor será correspondido. Bela dama esta que escuta minha canção. Que dúvidas repentinas que insanamente me causam alvoroço! Eu devo ter a coragem de um cavaleiro para me arriscar a ouvir um “não”. Talvez eu deva esconder o quão solitário me sinto, às vezes, quando acordo pelas manhãs e como o fruto mais doce e penso em seu beijo. Vou cantar e mostrar o quanto amaria desfrutar de sua companhia, o quanto quero vê-la e olhá-la nos olhos e dizer o que sinto em meu coração. Mas a dama me parece tão distante... Ela parece a mais bela de todas as donzelas deste vilarejo, é como a flor mais cheirosa do bosque, a mais esplêndida da floresta cujas cores vívidas me causam admiração. Sua pele é branca como o copo-de-leite, seus cabelos são negros como ébano e suas bochechas são rosadas; há brilho em seus olhos assim como o da lua nas noites mais estreladas... Vou ao seu encontro declarar o meu am
CENA VII: A CONVOCAÇÃO DOS CAVALEIROS [O príncipe faz uma anunciação no reino]: PRÍNCIPE: Nesta sexta-feira de maio, anuncio nos reunirmos aqui para a honra de nossa defesa. Nossa célebre e heroica luta se dá por uma temida jornada. Há possivelmente uma criatura neste reino e todos nós desconhecemos suas artimanhas. Alguns soldados deste reino estão sendo convocados pela rainha para a sua caçada, para capturar os tesouros preciosos de sua morada! Terá fama e glória para os cavaleiros! Com direito a grandes festas e comemorações para os que a derrotarem! A criatura é como uma fera, tão temida pelos mais ardilosos. Tão voraz que pode matar Faminta ela estará à espera de sua presa. Olhem, mortais, que preciosidade, uma caverna cheia de relíquias! Vejam, todos, vejam só, qual bravura é capaz de enfrentá-
[O escudeiro conversa com o cavaleiro]: ESCUDEIRO: Bem, nestas alturas a nobreza de um cavaleiro deveria ser a de salvar donzelas em perigo, proteger o reino dos inimigos e guerrear em conflitos armados, caso fosse necessário... Um cavaleiro faz o juramento e honra sua palavra, Mas há cavaleiros maus que não cumprem suas promessas. Estes não guardam suas virtudes e depois são punidos, Mas há aqueles que nada temem e servem de exemplo nas mais árduas batalhas. E não digo somente em batalhas sangrentas, mas naquelas que celebram a vida em toda a circunstância. Há aqueles que buscam paz na tão sonhada Terra Santa, Suas jornadas são longas, como viagens feitas até do outro lado das montanhas... Eles não são como os deuses, mas neles encontramos inspiração... Cavaleiros estes estão consumados pe
RAINHA: Olhe bem para o alto, cara dama, há ornamentos o bastante para ostentar o seu poder? Será que há beleza o bastante como a sinfonia crescente das estrelas no céu? Eu bem duvido às vezes do meu ser, do que é o bastante para saciar minhas vontades... Penso que há uma pobre decadência neste reino quando os desejos não se reerguem sob meus pés... Mas é possível que eu esteja a cada dia me sentindo mais velha, com o passar dos anos... Em algum momento da vida temos que nos confrontar com os males epidêmicos que assolam nossos palácios... O ouro nunca parece o suficiente. O ouro é aquele que não compra um espaço nos céus, mas que faz muitos sujarem suas mãos de sangue em nome da discórdia, em nome de suas paixões ambiciosas... Meus súditos fizeram bons retratos, ainda escreveram bons manuscritos... Mas as cores sanguinárias de minhas mãos me deixaram cada vez mais sombria, como se a maledicência estivesse sendo colocada em minha face ou como se ela estivesse envolvendo
[A princesa procura pelo seu cavalo em seu castelo]: PRINCESA: Onde está o meu cavalo? Será que se perdeu? Ele desapareceu como a estrela mais quente que some com o pôr-do-sol! Devo procurá-lo imediatamente! Ai, aquele animal! Eu o deixei tão sozinho nesses últimos dias, e em sua inocência deve ter despertado a vontade de fugir para a floresta, pois é de lá que ele veio. Devo resgatá-lo, antes que seja tarde! Isto só pode ser um pesadelo! Ouvi histórias tristes sobre o local, dizem que em suas cavernas habita um dragão e que muitos cavaleiros corajosos nunca voltaram de lá. Devo encontrar a meu cavalo antes que vire alimento dessa temerosa fera! Aquele cavalo era um presente de minha mãe que ganhei na infância, eu tinha apenas cinco anos de idade. Era um tempo em que eu era realmente alegre, adorava brincar e passar momentos com alguns animais presenteados pelos meus vassalos. Houve uma época que os amava, que me recusava a comer car
[Entram o príncipe, o trovador e o cavaleiro em uma taverna]: PRÍNCIPE: Eu hoje quero aproveitar a noitada tanto quanto os taberneiros querem aproveitar as bebidas, música e comida farta! Há inúmeras donzelas no vilarejo, mas o mais interessante está nos prostíbulos! Eu hei de aproveitar a carne de meretrizes que me aguardam! E vocês, meus caros cavalheiros, o que farão hoje? ESCUDEIRO: Bem, onde tem bebida eu estou! Há-há! CAVALEIRO: Eu estive pensando sobre a glória e a honra. Não sei quanto aos que pecam, quanto aos que abominam a palavra de Deus, onde estará a salvação. Bem, hoje vou pensar um pouco e meditar, não bebo e acredito que é importante manter-se na ordem da pureza. PRÍNCIPE: Ora, como você é sem graça... A bebida é uma porta para o ápice da loucura, da embriaguez! Mas, e você, trovador, o que vai cantar? TROVADOR: Bem, hoje cantarei a canção mais nostálgica que compus para uma dama que me rejeitou. Meu coração agora est