Capítulo 3
Após horas lendo em voz alta, Patrícia acabou cochilando na poltrona ao lado da cama. Acordou sobressaltada ao sentir uma mão em seu ombro. Ao abrir os olhos, deparou-se com Rafael. Por um instante, temeu que ele fosse repreendê-la, mas sua expressão era tranquila. — Vá jantar — disse ele simplesmente. — Vou ficar um pouco com meu pai. Patrícia se sentou melhor e esfregou os olhos, tentando despertar. — Eu preciso dar banho nele antes, senhor. — Eu faço isso todos os dias. Hoje não será diferente. Ela hesitou por um momento, mas assentiu. — Sim, senhor. Ao vê-la sair do quarto, Rafael suspirou, passando a mão pelos cabelos. Não duvidava das intenções de Patrícia, mas não queria que ela assumisse mais do que podia. Seu pai era um homem grande, com 1,85m e mais de 100 quilos, enquanto ela parecia tão pequena e delicada. Movê-lo exigia força e prática, algo que ele já fazia há dois anos. Ele sabia que, em algum momento, teria que permitir que ela ajudasse, mas não gostava da ideia de delegar esse cuidado. Cuidar do pai era mais do que uma obrigação; era sua forma de estar presente, de compensar o tempo perdido e garantir que ele estivesse bem. Rafael deixou o pai limpo, vestido e perfumado com a fragrância amadeirada de sempre, a mesma que ele usava antes do acidente. Era um detalhe pequeno, mas mantê-lo assim fazia Rafael sentir que ainda havia parte do pai ali, que ele voltaria a qualquer momento. Enquanto isso, Patrícia foi para o banho, deixando a água morna despertá-la. Queria espantar o cansaço e estar pronta para continuar seu trabalho. Depois, desceu para jantar, tentando ser o mais breve possível. Era estranho. Fazia tão pouco tempo que estava ali, mas já sentia um impulso quase incontrolável de permanecer ao lado do senhor Avelar. Cuidar dele parecia mais do que apenas um dever profissional. Mas por quê? Patrícia chegou à cozinha e, assim como no almoço, os funcionários estavam conversando sobre o patrão. Em silêncio, pegou seu prato e começou a comer, mas sua atenção estava completamente voltada para a conversa. — Sinto saudades do patrão — comentou uma das empregadas, com um tom nostálgico. — Todas as manhãs, eu levava café para ele bem cedo, e ele já estava assistindo ao jornal. Ele gostava muito de acompanhar a economia do país. Patrícia fez anotações mentais. Pequenos detalhes como esse poderiam ajudá-la a entender melhor os hábitos do senhor Avelar e facilitar seus cuidados. — Sim — concordou outra funcionária. — E toda semana vinha a massagista. A mulher que secava a louça olhou discretamente para os lados antes de continuar, como se estivesse prestes a revelar um grande segredo. — Eu acho que eles transavam ao invés de fazerem massagem. Patrícia parou por um instante, surpresa com a insinuação. Será que era verdade? E se fosse, isso importava agora? De qualquer forma, a curiosidade já estava plantada em sua mente. Patrícia fingiu não se importar com o rumo da conversa, mas continuou ouvindo atentamente. — Ah, eu também acho! — disse outra empregada, baixando a voz. — A mulher saía daqui com um sorriso no rosto toda vez. — Mas vocês lembram da loira que apareceu um mês antes do acidente? Aquela, sim, parecia ter algo sério com o patrão — acrescentou uma das cozinheiras. Patrícia franziu a testa. Uma mulher loira? Pelo tom das funcionárias, parecia que o senhor Avelar tinha uma vida pessoal bem movimentada antes do acidente. — O senhor Rafael sabe disso? — perguntou, sem conseguir segurar a curiosidade. As mulheres se entreolharam, surpresas pela pergunta. — Provavelmente. Mas ele nunca foi de se meter na vida amorosa do pai — respondeu a cozinheira. — O jovem Avelar sempre foi mais focado nos negócios. Patrícia assentiu e terminou seu jantar rapidamente, sem querer prolongar mais a conversa. Aquele assunto já estava começando a mexer com sua cabeça. O senhor Avelar parecia um homem sério e reservado, mas, ao que tudo indicava, ele também tinha seus segredos. Assim que terminou a refeição, decidiu voltar ao quarto para verificar se Rafael precisava de alguma coisa. Quando chegou à porta, encontrou-o sentado ao lado da cama do pai, os cotovelos apoiados nos joelhos e o olhar fixo no homem adormecido. Ele suspirou profundamente antes de notar a presença dela. — Já terminou o jantar? — perguntou, a voz baixa e cansada. — Sim — respondeu ela, dando um passo à frente. — Precisa de ajuda com alguma coisa? Ele negou com a cabeça. — Não, eu só... — Rafael passou a mão pelo rosto. — Só queria que ele acordasse. Patrícia sentiu um aperto no peito ao ver a vulnerabilidade dele. Era raro ver um homem tão forte e determinado se permitir demonstrar fraqueza. Sem pensar muito, se aproximou e tocou de leve no ombro dele. — Ele vai acordar — disse, tentando transmitir confiança. — E quando isso acontecer, ele vai precisar de você mais do que nunca. Rafael ergueu os olhos para ela, e por um instante, algo diferente passou entre os dois. Mas antes que qualquer um pudesse dizer mais alguma coisa, um barulho do lado de fora da casa quebrou o silêncio. Ambos se viraram na direção da porta. — O que foi isso? — perguntou Patrícia, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. Rafael se levantou imediatamente, os olhos atentos. — Fique aqui com meu pai — ordenou, já se encaminhando para a saída. — Eu vou ver o que está acontecendo. Patrícia observou ele sair, e uma sensação estranha tomou conta dela. Ficou parada ao lado da cama do senhor Avelar, o coração batendo rápido. O som lá fora parecia distante agora, mas o pressentimento ruim continuava. Ela olhou para o homem adormecido e suspirou. — Acho que sua casa está cheia de segredos, senhor Avelar — murmurou, ajeitando melhor os lençóis dele. Tentou afastar os pensamentos inquietantes e se concentrou no trabalho. Conferiu a temperatura do paciente, verificou os aparelhos e fez algumas anotações. O silêncio do quarto era interrompido apenas pelo som do monitor cardíaco. Minutos se passaram e nada de Rafael voltar. Patrícia começou a ficar inquieta. O que será que estava acontecendo? Decidiu que ficaria apenas mais alguns minutos ali, mas então a porta se abriu de repente, e Rafael entrou. O rosto estava fechado, a expressão séria. — O que houve? — ela perguntou imediatamente. Ele passou a mão pelos cabelos e trancou a porta atrás de si. — Tinha alguém no jardim, perto da cerca. Patrícia arregalou os olhos. — Você viu quem era? — Não. Mas não foi um dos funcionários. E também não parecia um ladrão qualquer. Ela sentiu um arrepio. — Você acha que foi só um curioso ou... alguém que estava atrás de vocês? Rafael a olhou por um momento, como se pesasse suas palavras. — Não sei. Mas já pedi para reforçarem a segurança. Não quero correr riscos. Patrícia percebeu o peso na voz dele. Algo naquele incidente parecia incomodá-lo mais do que deveria. — Você acha que pode ter relação com o acidente do seu pai? Rafael suspirou, cruzando os braços. — Não tenho provas, mas nunca acreditei que tenha sido apenas um acidente. Patrícia sentiu o coração acelerar. — Você acha que tentaram matá-lo? Ele desviou o olhar para o pai, adormecido. — Não acho. Eu tenho certeza. O silêncio que se seguiu foi pesado. Patrícia engoliu em seco. A sensação de que havia entrado em algo muito maior do que imaginava só aumentava. — Acho que você deveria descansar — sugeriu Rafael, voltando a encará-la. — Amanhã teremos um dia longo. Patrícia assentiu, mas sabia que não conseguiria dormir tão cedo como ocorrido.Capítulo 4Após Rafael se recolher, Patrícia se sentou na poltrona ao lado da cama, segurando o livro nas mãos. Com um sorriso suave, olhou para o paciente adormecido.— O livro está quase na metade. Vamos continuar? — perguntou baixinho, como se ele pudesse ouvi-la.Ela abriu na página onde havia parado e começou a ler. A história estava ficando intensa, e, sem perceber, as lágrimas começaram a escorrer por seu rosto. O casal do romance havia se separado por um grande mal-entendido, e a dor na narrativa a tocou profundamente.Patrícia parou por um instante, respirando fundo para se recompor. Levou a mão ao rosto para limpar as lágrimas e, no mesmo instante, algo chamou sua atenção.Seu coração quase parou.Por um breve momento, viu dois dedos do senhor Avelar se moverem rapidamente.Ela prendeu a respiração, seus olhos arregalados fixos na mão dele. Teria sido apenas sua imaginação… ou ele realmente havia se mexido?Patrícia congelou. Seu coração disparou no peito, e a respiração fic
Capítulo 5Patrícia acordou sobressaltada, seu coração disparado. Olhou ao redor, confusa. Não se lembrava de ter saído do lado do senhor Avelar. Como tinha parado em seu quarto?Sem perder tempo, levantou-se rapidamente e correu até o quarto dele. Ao vê-lo ainda imóvel, sentiu um aperto no peito. Aproximou-se e, instintivamente, passou os dedos sobre os dele, tentando perceber algum movimento. Nada.Frustrada, começou a massagear suavemente a mão dele, como se pudesse incentivá-lo a reagir.— Vamos, senhor Avelar… Mexa os dedos para mim… Só um pouquinho…Mas não houve resposta.Ela suspirou, mas se recusou a desanimar. Forçou um sorriso e, com carinho, falou:— Tudo bem, talvez não seja hoje, mas sei que vai acontecer. Eu sinto isso.Olhou ao redor e teve uma ideia.— Vou ligar a TV e colocar no jornal para o senhor. Aposto que sente falta de acompanhar as notícias, não é?Pegou o controle remoto e ligou a televisão, ajustando para o canal de notícias.— Vamos ver o que está acontece
Capítulo 6Rafael voltou para o escritório satisfeito com o andamento da reunião das nove, mas sua mente logo foi tomada pela preocupação.Por que diabos eu inventei essa mentira sobre meu pai ter uma esposa?Ele passou as mãos pelos cabelos, frustrado. Era simples: não queria Estela por perto, nunca mais. Mas agora precisava lidar com as consequências dessa história.Então, algo em sua mente se acendeu.Patrícia.A lembrança veio de repente. Ele se recordou da pessoa que havia indicado a jovem como enfermeira. Na ocasião, essa pessoa mencionou que Patrícia estava desesperada por um emprego para pagar o hospital onde o avô estava internado.Rafael pegou o telefone e ligou para seu contato, indo direto ao ponto:— O que o avô dela tem?Do outro lado da linha, houve um breve silêncio antes da resposta:— Está morrendo. Patrícia só quer diminuir o sofrimento dele.Rafael ficou em silêncio, digerindo a informação.Uma ideia começou a se formar em sua mente, algo que poderia resolver dois
Capítulo 7Rafael apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos, observando Patrícia com intensidade.- Sei que você está aqui porque precisa do trabalho - começou ele, sem rodeios. - Seu avô está doente e os custos hospitalares são altos.Patrícia sentiu um aperto no peito. Não esperava que ele soubesse sobre sua situação.- Sim - respondeu com cautela.Rafael assentiu, como se já esperasse aquela resposta.- Preciso que você aceite um acordo comigo.Ela franziu o cenho.- Que tipo de acordo?Ele respirou fundo antes de continuar:- Meu pai, Augusto Avelar, pode acordar a qualquer momento. Mas tem uma pessoa que não quero que se aproxime dele de jeito nenhum. E, para garantir isso, eu preciso que você finja ser... a esposa dele.O silêncio que se seguiu foi absoluto.Patrícia piscou, achando que tinha entendido errado.- O quê? - perguntou, boquiaberta.Rafael manteve a postura firme.- Sei que parece absurdo, mas essa mulher, Estela, não pode voltar para a vida do meu pai. Ele e
Capítulo 8Rafael assentiu com a cabeça, o sorriso se suavizando enquanto ele se preparava para sair do quarto.- Boa noite - disse ele, deu um último olhar para o pai e para ela antes de sair, deixando-os sozinhos. A porta se fechou silenciosamente atrás dele, deixando Patrícia sozinha no quarto com o futuro marido.Ela se aproximou da cama, sentindo um nó apertar em seu peito. A partir do dia seguinte, ele seria oficialmente seu marido, a realidade a envolveu de maneira suave. O silêncio no quarto era quase palpável, a única luz vindo da lâmpada ao lado da cama, iluminando suavemente os contornos dos objetos.Patrícia se deitou ao lado dele, sentindo a maciez dos lençóis, mas a sensação de desconforto ainda permanecia. Ela olhou para ele, observando os contornos de seu rosto, que agora parecia mais sereno, quase em paz.O cansaço parecia ter tomado conta de seu corpo, mas havia algo ali que ainda a fazia ficar acordada, perdida em pensamentos.Era difícil imaginar que, em apenas alg
Capítulo 9O dia transcorreu tranquilamente, e Patrícia tentou se acostumar com sua nova realidade. Agora que era oficialmente a senhora Avelar, guardou o jaleco e vestiu roupas comuns, algo mais confortável.Quando a fome começou a incomodá-la, desceu até a cozinha para pegar algo para comer. No entanto, assim que entrou, o mordomo a viu e imediatamente se aproximou, mantendo seu tom educado e respeitoso.— Senhora Avelar, permita-me acompanhá-la até a sala de jantar.Patrícia piscou, surpresa.— Ah… eu só ia pegar algo rápido…— Com todo respeito, senhora, agora sua posição nesta casa é diferente. A sala de jantar está pronta para recebê-la.Ela hesitou por um instante, ainda se sentindo deslocada com essa mudança repentina de status, mas logo cedeu e assentiu com um pequeno sorriso.— Tudo bem, então. Obrigada.O mordomo indicou o caminho e Patrícia o seguiu. Ao entrar na imponente sala de jantar, sentiu um leve frio na barriga. A mesa estava perfeitamente posta, e a louça refinada
Capítulo 10Após o jantar com o filho do marido Patrícia voltou para o quarto, ele havia se mexido novamente um braço estava perto do rosto.Ficou feliz, pois ele está quase despertando, se aproximou e sentou do lado dele.— Você precisa fazer a barba e cortar um pouco o cabelo... Não que assim não está lindo... Acredito que é lindo de qualquer jeito — falou afastando uma mexa do cabelo dele.O contato foi breve, mas suficiente para fazê-la sentir um pequeno arrepio percorrer sua pele.Patrícia rapidamente puxou a mão de volta, sentindo-se um pouco tola por esse gesto impulsivo. Ficou ali, apenas observando-o, sua respiração calma e estável, os lábios ligeiramente entreabertos.De repente, um pensamento lhe ocorreu.Eles não se beijaram.Não houve um beijo no casamento. Nenhuma troca simbólica que selasse aquela união inesperada.E agora? Como fariam?Seu olhar deslizou até os lábios dele.O coração acelerou ao considerar a possibilidade. O que aconteceria quando ele finalmente acorda
Capítulo 11Augusto respirou fundo, sentindo seu coração bater mais forte. Seu olhar voltou para a mulher adormecida ao seu lado. Aquele corpo delicado, mas cheio de curvas, mexia com algo dentro dele. Mas quem era ela?Ele estendeu a mão hesitante, afastando devagar os cabelos que cobriam o rosto dela. Assim que seus dedos roçaram sua pele macia, ela se remexeu levemente, soltando um pequeno suspiro antes de se virar na cama.Foi então que ele finalmente viu o rosto dela.Seus olhos se estreitaram. Ela não lhe era familiar. Quem era aquela mulher?Antes que pudesse formular mais perguntas, um estalo veio à sua mente: e se ele realmente tivesse perdido a memória de algo importante?Sentindo um aperto no peito, tentou puxar alguma lembrança recente, mas sua mente era um borrão.Foi nesse momento que a mulher abriu os olhos devagar, piscando algumas vezes antes de focá-lo. O susto estampou-se em seu rosto.— Você… acordou? — a voz dela soou trêmula, quase um sussurro.Ele permaneceu em