Capítulo 9

Enquanto Aurora estava na cidade, Enrico aproveitava para finalizar alguns e-mails importantes em seu escritório. O ambiente era iluminado, com uma grande janela que oferecia uma vista deslumbrante de sua praia particular, mas ele raramente levantava os olhos do computador. Sua mente estava focada em cumprir seu objetivo e a inquietação crescente de Aurora era um indício de que seu plano estava funcionando. Ele sabia que a jovem estava tensa, esperando a qualquer momento que ele invadisse seu quarto ou a forçasse a cumprir o suposto acordo. Mal sabia ela que ele não tinha a menor intenção de fazer nada disso.

Na verdade, Enrico se divertia com a situação. Enviar fotos dos dois juntos na praia e em diversos passeios, sempre com uma legenda carregada de insinuações, era uma estratégia meticulosa para atormentar o pai dela. Ele queria que o homem acreditasse que sua filha estava presa em uma armadilha degradante, e o simples pensamento disso deveria ser insuportável para ele. Era quase irônico: a verdade estava muito longe do que as fotos insinuavam. Ele sequer considerava a ideia de tocar Aurora, principalmente porque ela não fazia seu tipo. Para ele as mulheres eram apenas diversão, depois da experiência que tivera com Lúcia. Pela primeira vez na vida o frio e distante Enrico Mansini havia se apaixonado, um acontecimento bem improvável, que fez todos a sua volta ficarem perplexos.

Para um homem com um abismo emocional desde a juventude, encontrar aquela loira maravilhosa e totalmente submissa a ele o fez perder o eixo. Ela era linda, educada, desejada por todos, e por um tempo se mostrou inacessível. O que só serviu para aguçar ainda mais seu interesse. Quando finalmente conseguiu sair com  ela, foi envolvido em sua teia. Ela era exatamente o padrão de mulher que ele admirava, totalmente o oposto do que sua mãe fora. Ela era controlável, agradável,e totalmente apaixonada e subserviente. Com ela ele sempre sabia o que esperar, e duvidava muito que pudesse ser abandonado. 

A natureza livre e inconsequente de sua mãe, havia lhe deixado cicatrizes profundas em seu psicológico. Fora abandonado na infância, nem todo o dinheiro de seu pai foi capaz de prender aquele espírito livre de caráter duvidoso, nem o dinheiro e nem o filho, que tinha apenas dez anos na ocasião. Aquele abandono o havia jogado em um mundo de crises e remédios controlados, os quais ele nunca havia conseguido se livrar. Com Lúcia as coisas eram estáveis, ele acreditava que havia encontrado a parceira ideal, até sofrer o segundo maior choque da sua vida, quando a pegou na cama com seu melhor amigo.

Balançou a cabeça para afastar aquelas lembranças, aquilo já fazia muitos anos, e ele não era mais o jovem ingênuo que cursava faculdade. A situação toda com Lucia talvez tivesse piorado um pouco seu quadro psicológico, e deixado mais algumas cicatrizes, mas ele havia sobrevivido, aquele já era um capítulo superado a muito tempo. A tinha amado profundamente, mas foi uma boa lição, para que deixasse para trás de uma vez por todas qualquer ilusão de que existiam pessoas que agiam aquém de interesses pessoas, baseadas em sentimentos verdadeiros.

Aurora era, aos olhos de Enrico, uma mistura peculiar de características contraditórias. Ela era maluca, sem dúvida: inconstante, atrevida e audaciosa. Sempre arrumava um jeito de provocá-lo, como quando insistia em chamá-lo de "Dom Corleone" com um sorriso desafiador nos lábios. Isso o irritava e o divertia na mesma medida. Ele não podia negar que tinha dado boas risadas na companhia dela desde que chegaram à ilha.

Fisicamente, ele a considerava mediana. Ela não tinha o porte glamouroso das mulheres com quem costumava se envolver — modelos, socialites, mulheres de aparência impecável e comportamentos calculados. Aurora, por outro lado, era completamente diferente. Seus cabelos castanhos estavam quase sempre desalinhados pelo vento da praia, e a pele já começava a ganhar um tom bronzeado que a deixava mais vibrante. Apesar disso, não era a aparência que chamava a atenção dele, mas a maneira como ela enxergava o mundo ao seu redor.

Ele ainda lembrava da cena no aeroporto, quando Aurora, em um momento de puro atrevimento, armou uma situação hilária para provocá-lo. Foi tão original e inesperado que, depois do choque inicial, ele não conseguiu parar de rir. Essa capacidade de surpreendê-lo era rara e, embora ele não admitisse em voz alta, era uma das razões pelas quais ele não achava desagradável passar algum tempo na companhia dela.

Os passeios que fizeram juntos também contribuíram para essa percepção. Aurora ficava eufórica com cada nova descoberta: as ruas charmosas do centro histórico de Ibiza, as lojas de artesanato cheias de cores e texturas, as vistas deslumbrantes das falésias. Havia algo quase infantil na maneira como seus olhos brilhavam diante do mar cristalino ou como ela se encantava com os pequenos detalhes dos lugares que visitavam. Para Enrico, acostumado a uma vida de luxo e excessos, era intrigante observar essa simplicidade. Ela apreciava coisas que ele já considerava banais há muito tempo.

Ele também não podia ignorar o contraste entre o comportamento alegre de Aurora durante os passeios e a tensão que ela carregava à noite, quando a casa ficava silenciosa e apenas os dois permaneciam ali. Era evidente que ela não confiava nele, mas também não era completamente hostil. Era como se houvesse uma curiosidade velada, uma parte dela que queria entender o que se passava na cabeça dele.

Os relatórios que ele havia recebido sobre a vida de Aurora também ajudaram a moldar sua opinião. Ele sabia que ela tinha crescido de forma humilde, sendo sustentada apenas pela mãe enquanto o pai, um cafajeste sem remorsos, estava ausente. Quando o homem reapareceu, já doente, ela largou parte de seus sonhos para cuidar dele. Era recém-formada e claramente não tinha tido muitas oportunidades de lazer e conforto na vida. Essa informação fazia sentido agora, vendo como ela se entregava completamente às experiências que ele proporcionava.

Enrico não podia deixar de admirar a força que ela tinha, mesmo que fosse camuflada por sua irreverência. Ela não era apenas uma jovem humilde tentando sobreviver; era uma mulher resiliente, que sabia tirar o melhor das circunstâncias.

Naquele dia, enquanto terminava de responder a um último e-mail, Enrico permitiu-se uma pausa. Pegou o celular e abriu a galeria de fotos. Uma delas mostrava Aurora, sorrindo amplamente, os cabelos bagunçados pelo vento, com o mar ao fundo. Ele se flagrou sorrindo ao lembrar de como ela havia quase arrastado um vendedor de suvenires para mostrar a ele um pequeno colar que considerava "a coisa mais linda do mundo". Enrico não tinha entendido o encanto na hora, mas agora percebia que não era sobre o objeto em si — era sobre como ela enxergava beleza onde ele só via rotinas.

Aurora era um paradoxo que ele ainda não conseguia resolver completamente. E, por mais que ele dissesse a si mesmo que estava apenas jogando um jogo cruel para atingir o pai dela, não podia ignorar o fato de que estava gostando da companhia dela. Talvez mais do que deveria. Esse talvez tenha sido o real motivo de sua fúria, que o levou a fazer aquela ligação e desabafar com Lucius.

Porém, isso não mudava nada. Ele tinha um objetivo a cumprir e não permitiria que sentimentos, sejam quais fossem, atrapalhassem seu plano. Enquanto Aurora estivesse sob o teto dele, continuaria sendo uma peça nesse jogo. O que ele não podia prever é que, aos poucos, o jogo parecia estar mudando — e talvez ele também.

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