Na manhã seguinte, Enrico mandou a empregada a chamar para tomar café da manhã com ele no jardim.
— No próximo final de semana eu vou receber alguns amigos. Tentei evitar que eles viessem, mas são pessoas bastante próximas e quando souberam que estou aqui, eles se convidaram para passar um final de semana. Vão chegar na sexta e ir embora no domingo. Eu quero que você vá arrumar um pouco o cabelo, as unhas, enfim, dar um jeito nisso tudo. Ah, e também deve comprar umas roupas. Como seríamos só nós dois, eu não havia me preocupado com esses detalhes, mas agora teremos mais pessoas interagindo conosco, não é aceitável você se apresentar desta maneira. As pessoas esperam um certo padrão das minhas mulheres, você entende?
Quando ele terminou de falar para calmamente mastigar um pedaço da torta que ela mesmo já havia provado e estava maravilhosa, Aurora o encarava estupefata com o que havia ouvido da boca dele. Foram comentários, que apesar de velados, deixaram claro o que ele pensava sobre a aparência dela. Aquilo bateu fundo em seu interior, não é como se ela nunca tivesse se olhado no espelho, na verdade estava bem consciente da sua falta de gosto e tempo para vaidades. Contudo aquele relativo desleixo, fora o que muitas vezes a salvará, evitando que chamasse atenção dos clientes do bordel.
Aquela era uma parte da sua armadura, que a deixava mais confiante para enfrentar o mundo. Ele tinha a dele, como havia confessado no dia anterior, e ela tinha a dela. Mas aquela não era uma revelação que ela lhe faria, ele não era digno de sua confiança para isso e também obviamente não estava nem minimamente interessado. Então ela engoliu o orgulho ferido e resolveu apenas seguir enfrentando-o no próprio jogo dele.
— Tudo bem, eu posso arrumar as unhas e o cabelo, mas aqueles quatro quilos a mais vai ser impossível perder até sexta! É melhor você pensar bem antes de levar esse contrato adiante.
— Não seja ridícula, eu não preciso dar satisfação a ninguém sobre com quem me relaciono. Mas eu não vou ser visto ao lado de uma mulher que não se preocupa nem um pouco com a própria imagem.
Enrico começava a dar sinais de que estava perdendo a paciência com aquela discussão.
— Então não seja! Me deixe ir embora e nunca terá que ser visto ao meu lado ou relacionado a mim de qualquer forma.
Ele respirou fundo e a encarou seriamente antes de responder de forma dura e incisiva.
— Boa tentativa! O motorista estará te aguardando assim que terminar seu café. Leve o tempo que precisar e gaste o que for necessário, roupas, sapatos, o que quiser. Mas eu juro, que se você aparecer aqui com o cabelo verde, ou com alguma outra fantasia ridícula, eu vou perder o resto de paciência que estou tentando dedicar a você.
Aurora se levantou bruscamente e jogou o guardanapo sobre a mesa.
— Sabe qual o seu principal erro, senhor Mancini? As suas idéias talvez sejam melhores que as minhas, me aguarde para ver se eu não apareço de cabelo verde, talvez até fantasiada de Grinch que roubou o natal na frente dos seus amigos.
Ele se jogou para trás na cadeira e semicerrou os olhos ao encará-la.
— Você não ousaria…
— E você não faz ideia do quanto eu posso ser criativa.
— Aurora, eu preciso lembrá-la que você assinou aquele contrato, inclusive o melhorou bastante a seu favor. Se continuar me testando e eu vier a perder de vez a paciência, seu querido pai vai passar os últimos meses de vida na cadeia, com dores, sem um tratamento humanizado. É realmente isso que você quer? Se for, então eu não entendo porque você veio até aqui.
O homem que proferia aquelas palavras com um olhar gelado, era o Enrico que havia se apresentado a ela naquele dia em seu escritório, quando havia lhe proposto o acordo. Naquele momento, não existia a sombra do homem com quem ela havia passeado de barco no dia anterior. Aurora resolveu se dar por vencida naquele momento e sair sem criar mais caso.
— Tudo bem, eu vou me arrumar e sair em vinte minutos.
Em seu quarto, não levou dez para se arrepender de ter desistido tão facilmente da discussão e resolver ir atrás dele novamente. O procurou no jardim e pela casa, encontrou-o em seu escritório, falando ao telefone. Achou melhor não interromper, mas antes que pudesse dar meia volta, se deu conta de que ele falava com alguém sobre ela.
— Não Lucius, você não entende, eu não aguento mais essa maluca! O que era para ser uma tortura para ela e aquele rato do pai dela, se transformou em uma tortura para mim. Não! Não ouse dizer que me avisou. Você sabia desde o início que eu não tinha a mínima intenção de encostar um dedo nela, que seria tudo baseado em pressão psicológica.
Houve uma pausa longa que fez ela ponderar que a outra pessoa estava falando do outro lado da linha, mas logo em seguida a voz de Enrico voltou a ser ouvida.
— É óbvio que não encostei um dedo nela, a garota é um caos e em nada faz o meu tipo. Além de não ser atraente, é visivelmente perturbada. É inconveniente, geniosa, simplória e maltrapilha! Agora tem mais essa, o Rafael e seus amiguinhos descobriram que estou aqui e vão vir para o final de semana.
Houve mais um momento de silêncio em que Enrico parecia escutar o outro lado da linha.
— Acredite, se eu tivesse como recusar que eles viessem eu o faria. Mas esse negócio que estou fechando com a família dele é importante demais, serei obrigado a recebê-los. A mandei na cidade para ver se consegue melhorar um pouco aquela aparência. Pode ser que se trocar aqueles trapos que ela chama de roupa ela se torne um pouco mais aceitável.
Aurora começou a andar pelo corredor sem conseguir ouvir mais, precisava sair dali antes que fosse apanhada escutando atrás da porta por alguém. Maluca, simplória, maltrapilha. Esses foram apenas alguns dos adjetivos nada lisonjeiros que ele havia usado para se referir a ela. A situação toda era muito constrangedora e ela não sabia se sentia raiva ou alívio ao descobrir que tudo não passava de uma armação, e que ele nunca havia planejado levá-la para a cama.
— Aurora, Aurora, você foi muito amadora!
Acreditar que um homem desses estaria realmente interessado em um caso tórrido com uma mulher comum como ela soava ridículo, e ela havia caído como um patinho. Decidiu ir de uma vez encontrar o motorista e fazer o que Enrico havia sugerido. Agora talvez estivesse mesmo precisando de um UP no visual, qualquer coisa que a fizesse se sentir um pouco melhor e menos ridícula.
Enquanto Aurora estava na cidade, Enrico aproveitava para finalizar alguns e-mails importantes em seu escritório. O ambiente era iluminado, com uma grande janela que oferecia uma vista deslumbrante de sua praia particular, mas ele raramente levantava os olhos do computador. Sua mente estava focada em cumprir seu objetivo e a inquietação crescente de Aurora era um indício de que seu plano estava funcionando. Ele sabia que a jovem estava tensa, esperando a qualquer momento que ele invadisse seu quarto ou a forçasse a cumprir o suposto acordo. Mal sabia ela que ele não tinha a menor intenção de fazer nada disso.Na verdade, Enrico se divertia com a situação. Enviar fotos dos dois juntos na praia e em diversos passeios, sempre com uma legenda carregada de insinuações, era uma estratégia meticulosa para atormentar o pai dela. Ele queria que o homem acreditasse que sua filha estava presa em uma armadilha degradante, e o simples pensamento disso deveria ser insuportável para ele. Era quase i
Embora as palavras de Enrico ainda ecoassem de forma incômoda em sua mente, ela sabia que não podia permitir que o julgamento de alguém moldasse a maneira como via a si mesma. Aurora sabia que era muito mais do que o olhar crítico de terceiros.Decidiu que o primeiro passo seria passar em um salão. Um mimo que nunca havia se permitido. Entrou no ambiente iluminado e cheio de espelhos, onde o cheiro de produtos capilares se misturava ao perfume suave de esmaltes e cremes. Uma manicure, Joana, a recebeu com um sorriso caloroso. — O que vamos fazer hoje?Aurora se acomodou em uma poltrona confortável e, enquanto Joana começava a cuidar das unhas, explicou: — Quero algo especial. Algo que me faça sentir poderosa.Optou por um esmalte vermelho-vivo, que refletia sua determinação. Enquanto Joana terminava o trabalho impecável, Aurora foi levada para a área de cabelos, onde Marcos, o cabeleireiro, a esperava. Ele analisou os volumosos fios castanhos com olhar profissional e sugeriu: — Qu
A sexta-feira chegou ensolarada, mas Aurora não sentia o mesmo calor interno. Ela estava no jardim, o livro em mãos como uma desculpa para evitar conversas com Enrico. Desde a conversa ao telefone, em que ele a mencionara de forma tão ultrajante, ela sentia-se estranhamente desconfortável com ele. Mas, mesmo assim, não recusou o convite – ou melhor, a insistência – para participar da reunião com os amigos dele.Os convidados chegaram pouco depois do meio-dia, suas risadas enchendo o ar enquanto cruzavam a entrada. Da sala, Aurora ouviu o burburinho alegre e a voz familiar de Enrico liderando os cumprimentos. Ela hesitou, perguntando-se se deveria permanecer onde estava, mas logo percebeu que seria pior se ele a chamasse ou, pior, viesse buscá-la.Quando entrou na sala, Aurora foi recebida por um coro de cumprimentos calorosos. Havia dois casais e três homens solteiros, todos bem vestidos e muito educados. Enrico fazia as honras da casa com sorrisos e piadas, mas Aurora não deixou de n
O sábado amanheceu com o sol forte iluminando a casa e um céu sem nuvens. Aurora acordou cedo, ainda sentindo os resquícios das risadas e conversas da noite anterior. A casa estava animada com os convidados de Enrico, e o clima de descontração continuava.Depois de um café da manhã preguiçoso, todos foram para a área da piscina. Era impossível ignorar o cenário idílico: o azul cristalino da água contrastando com o verde exuberante do jardim. Aurora chegou alguns minutos depois, com um maiô preto de alças finas que acentuava suas curvas de forma elegante.Ela tentou se manter discreta, mas sua presença não passou despercebida. Enquanto as mulheres riam e conversavam, os homens frequentemente lançavam olhares em sua direção, especialmente Ricardo, que não escondia o fascínio. Aurora, no entanto, fingiu não notar, mergulhando na piscina e se juntando aos outros na brincadeira.Enrico estava sentado sob a sombra de um guarda-sol, aparentemente desinteressado, mas seus olhos a seguiam enqu
Aurora só podia estar testando a paciência dele, Enrico pensava, lutando para manter a expressão neutra enquanto observava a cena à distância. O vestido vermelho, com microbrilhos que refletiam a luz suave do salão, era algo que ele não esperava naquela ocasião. Não porque ela não tivesse direito de se vestir como quisesse – claro que tinha –, mas por ser impossível ignorá-la.Ela pode comprovar o seu ponto, não era preciso ser uma beldade para atrair olhares, e agora ela entendia isso melhor do que ninguém. Seu decote insinuava seios fartos de forma quase inocente, enquanto as pernas grossas e bem torneadas eram enfatizadas pelo corte do vestido e pelos saltos que a faziam parecer ainda mais confiante. Do outro lado da sala, Enrico segurava um copo de vinho que não tinha intenção de terminar. Ele observava Aurora rir e gesticular com facilidade, completamente à vontade entre os amigos dele – talvez até demais. Um dos homens do grupo, Ricardo, estava claramente se esforçando para cha
Havia algo na voz de Enrico que não deixava espaço para discussão. Aurora bufou, mas, mesmo contrafeita, seguiu com ele. Sua risada despreocupada de antes havia desaparecido, substituída por um olhar irritado enquanto ele a conduzia pelo corredor em direção ao escritório.Assim que chegaram e ele fechou a porta, ela se virou para ele com a expressão desafiadora que ele já conhecia bem. Em seguida ela caminhou até a mesa dele, largou a taça de vinho e se virou, escorando-se na mesa.— O que você precisa de tão urgente seu estraga prazeres?Enrico deu três passos largos em direção a ela, segurou sua cabeça e a beijou inesperadamente. Foi um beijo quente desde o início, possessivo. Sua l&iac
Aurora passou por ele bastante rígida, perplexa e muito chocada com o que havia acabado de acontecer. Nem em sonho ela voltaria para a sala e encararia os convidados dele como se nada tivesse acontecido.Foi direto para o seu quarto, se despiu e foi imediatamente tomar um banho. Aquilo havia sido inacreditável, como ela pode se entregar passivamente daquele jeito, e o que deu na cabeça dele para agir daquela forma.Ele havia deixado claro que aquele contrato não passaria de uma jogada para fazer o pai dela sofrer, que de forma alguma a achava atraente e que ela não tinha nada a ver com as mulheres com que ele costumava se envolver. Então porque ele havia feito aquilo? Como ela conseguiria encarar ele no dia seguinte, depois de terem compartilhado algo tão íntimo?
Quando Enrico deixou o escritório, suas pernas tremiam ligeiramente. Talvez fosse a raiva que havia sentido ao ver Ricardo tocando Aurora ou quem sabe, o desejo não saciado que pulsava em cada fibra de seu corpo. Ele seguiu diretamente para o próprio quarto, onde arrancou a camisa manchada e amarrotada. Por sorte, possuía diversas camisas idênticas, algo que sempre lhe pareceu prático. A troca foi rápida e quase metódica, mas não o ajudou a aliviar o tumulto de sentimentos que o consumia.“O que há de errado comigo?” murmurou, encarando o próprio reflexo no espelho. O olhar feroz, quase animalesco, não lhe era estranho, mas o contexto era perturbador. Por que se importava tanto? Aurora não era uma mulher qualquer, mas também não era... sua. Pelo menos não de uma maneira que ele pudesse justificar racionalmente a si mesmo.Ele esfregou o rosto com as mãos, tentando afastar a imagem de Ricardo, aquele insolente, sorrindo com o charme desprezível que ele tanto desprezava. Aurora havia ri