Ao se aproximar, Enrico viu a porta da cabana encostada. A luz lá dentro era fraca, mas claramente havia movimento. Ele parou na entrada, bateu duas vezes com os nós dos dedos e anunciou, com seu tom habitual de provocação:-Se eu for um assassino, você acabou de cometer o maior erro da sua vida deixando a porta aberta. Só para constar.Do outro lado da porta, Aurora congelou, mas logo reconheceu a voz. Revirando os olhos, ela abriu a porta de supetão, encontrando Enrico ensopado, com um sorriso irritantemente satisfeito no rosto.-Você veio me salvar ou testar sua teoria de que pessoas podem ser idiotas mesmo debaixo de chuva?-ela disparou, cruzando os braços.-Ah, então você admite que é idiota por estar aqui. - ele rebateu, entrando sem ser convidado e tirando o capuz. -Boa, o primeiro passo é a aceitação.-Você podia ter ficado onde estava, sabe? Não pedi pra você me seguir.-Eu sei, mas aí você ia morrer de frio ou ser comida por sei lá o quê, e eu ia ter que explicar sua burrice
Enrico para e pergunta com uma sobrancelha arqueada: — Estou fazendo cócegas ou você está rindo de mim? — É que... É simplesmente ridículo que até em um momento como esse a gente não consegue parar de discutir.— Não, você está equivocada, nós não estamos discutindo, não agora, estamos no máximo discordando amigavelmente. Porque se estivéssemos discutindo mesmo, não poderíamos fazer o que estou imaginando em detalhes na minha mente.Ele comentou com a voz grave e em um tom quente.Aurora sentiu o coração disparar. Era impossível negar o que estava acontecendo, por mais que sua mente tentasse argumentar contra. O ar parecia denso entre eles, como se algo inevitável estivesse prestes a acontecer. Quando ele se inclinou lentamente, ela não se moveu. E, no momento em que os lábios dele tocaram os dela, foi como se o mundo tivesse parado.O beijo recomeçou hesitante, como se ambos testassem os limites daquele momento, mas logo se tornou mais intenso, mais urgente. Aurora sentiu as mãos
Aurora não entendeu por um momento a declaração dele, mas quando se deu conta do significado daquelas palavras não conseguiu esconder uma expressão de incredulidade.— O que? Você tá falando sério? É tipo diagnosticado mesmo, e não apenas um pé no saco narcisista e egomaníaco?— Pelo menos eu tenho um laudo médico, e você que dá sinais exacerbados de desequilíbrio mental e pelo visto nunca procurou ajuda?No meio de toda aquela tensão, Aurora começou a rir inesperadamente. Ria tanto que se jogou para trás, escorando-se no pequeno sofá. — Viu, eu estou falando, totalmente maluca!Enrico disse, voltando a caminhar pelo pequeno espaço. Quando Aurora conseguiu controlar o riso, voltou a se pronunciar.— Cara, eu não acredito. Você quase fez eu me sentir péssima por ter debochado todo esse tempo, mas é tão absolutamente insuportável, que nem um laudo pode te defender.— Sim, mas você sabe o que estava a ponto de fazer com esse insuportável, aí mesmo nesse chão! E não me vem com essa his
— Eu não falei isso para fazer nenhum tipo de drama. É que você me confunde e eu não sei o que fazer. Eu estou cansada de me fechar nesse limbo de ressentimento e medo. Eu só queria me divertir, mas confesso que tenho medo de gostar e terminar enlouquecendo. Sei lá, eu acho que o desejo mexe com a cabeça das pessoas. Aurora desabafou para um Enrico ainda silencioso ao seu lado.— Eu poderia dizer, que essa informação muda alguma coisa sobre o que eu quero, mas seria mentira. A verdade é que para mim não faz a mínima diferença o número de homens com quem já esteve, se estivermos em um consenso de que somos adultos e podemos nos divertir juntos. E também já cheguei a conclusão de que por mais que você fuja de mim, eu continuarei te desejando, então acredito que não tem sentido nós dois remarmos para lados opostos, quando na verdade queremos a mesma coisa.Ele disse finalmente, Aurora virou a cabeça em direção a ele para encará-lo enquanto argumentava — E você não liga de eu não saber
O silêncio que se instalou era diferente de qualquer outro que Aurora já havia experimentado. Não era incômodo, mas denso, carregado de significados que ambos pareciam ainda tentar decifrar. Deitados lado a lado sobre o colchão improvisado, seus corpos ainda aquecidos contrastavam com o frio que assobiava do lado de fora da cabana. As respirações, antes entrecortadas pelo desejo, agora se acalmavam em um ritmo mais sereno.Aurora se virou de lado, encarando o teto de madeira. Sua mente ainda tentava processar tudo o que havia acontecido. O que aquilo significava? Ela queria saber, mas ao mesmo tempo temia a resposta. Olhou de relance para Enrico e viu que ele também parecia perdido em pensamentos, os olhos fixos na lareira, onde as chamas dançavam preguiçosamente.O silêncio se prolongou até que ele suspirou e murmurou, num tom despreocupado:— Se alguém tivesse me dito que eu terminaria o dia dessa forma eu teria escolhido uma lareira mais elegante. Essa aqui parece estar decidindo s
O calor do momento ainda pairava no ar, mas a realidade logo veio bater à porta – ou melhor, ao telhado da cabana. A chuva, que antes castigava o mundo lá fora com fúria, agora se transformara em uma garoa intermitente. Um silêncio confortável se instalou entre eles, apenas interrompido pelo crepitar tímido do fogo na lareira, que já começava a perder força.Enrico se espreguiçou e soltou um resmungo baixo ao sentir a rigidez do chão contra suas costas.— Bom — ele começou, quebrando o silêncio. — Acho que já aproveitamos tudo o que essa hospedagem de luxo tem a oferecer. Talvez seja hora de voltarmos para a civilização, antes que eu acorde amanhã sem conseguir mover um músculo.Aurora ergueu uma sobrancelha, divertida.— Ah, mas eu estava adorando esse retiro rústico. Quase um spa de sobrevivência — zombou, mordendo um pedaço do pão que restara de antes.Ele riu, mas apontou para o teto com um ar pensativo.— Sim, mas sem massagens, sem travesseiros e, o pior de tudo, sem comida. Se
Quando finalmente chegaram à casa, já era praticamente madrugada. Enrico verificou o celular e viu que a bateria estava quase acabando. Um suspiro escapou de seus lábios, sem sinal na cabana e agora, prestes a ficar sem comunicação de vez, graças a deus que haviam retornado em segurança.Aurora abraçou o próprio corpo, sentindo o frio colado à pele úmida. As roupas molhadas a incomodavam, e um banho quente parecia a única solução para afastar o desconforto daquela noite exaustiva. Ela estava prestes a ir para o quarto quando a empregada surgiu no corredor, hesitante.— Senhor Enrico, o senhor recebeu várias ligações de uma tal de Mavie durante a tarde. Ela disse que não estava conseguindo localizá-lo no seu celular. — informou a mulher, com um olhar discreto, mas atento.Aurora já havia dado dois passos para seguir seu caminho, mas parou ao ouvir o nome. Mavie? Quem era ela? E por que tanta urgência em falar com Enrico?Seu olhar recaiu sobre ele no instante em que seu corpo se enrije
Quando Aurora saiu, Enrico sentiu um clima estranho no ar, estaria ela chateada? Talvez tenha sido um pouco vago sobre o tipo de relacionamento que ele e Mavie tinham. Decidiu ir atrás dela e esclarecer tudo de uma vez. Seguiu pelo corredor até a porta do quarto dela e bateu de leve. Ela atendeu e fez um gesto para que ele entrasse.Por um instante, apenas o silêncio se instalou entre eles. Então, Enrico desviou o olhar, apertando os lábios.— Acho que preciso ser mais específico — disse ele, finalmente. — Mavie é minha irmã.Aurora piscou, surpresa.— Sua irmã?— Sim. Ela é filha do meu pai com uma das muitas namoradas que ele teve. Não tivemos a infância juntos, ela é bem mais nova que eu, mas sempre tive um sentimento especial por ela. Mavie sempre foi meiga, gentil... e passou por muitas coisas difíceis.Ele fez uma pausa antes de continuar:— Há alguns anos, ela sofreu um acidente terrível. Quase perdeu a vida. A mãe e o padrasto morreram nesse acidente, e ela... perdeu uma perna