01

Nem trinta minutos depois da visita do Mago, eu já estava no local. Uma puta duma mansão. Um verdadeiro palacete. Grande até pros padrões do Palácios.

Podia ver que o Mago não estava brincando quando disse que queria ser discreto: na entrada apenas dois cavaleiros, Percival e Bors. Eu conhecia eles. Aqueles dois na porta significava que Galahad estaria lá dentro.

Quando eu dei um passo em direção ao enorme portão da mansão, Bors se adiantou para me impedir.

- Você está muito longe do Bosque, Lobo.

- E você muito perto de um lugar com classe, Bors. Ou seja, nenhum de nós dois está no lugar certo – eu disse já sacando o celular. – E eu não sou mais um lobo.

- Você não deveria estar aqui, Lobo – Percival interveio.

- Eu até concordaria com você, Perci, mas parece que o Grande M discorda de nós – eu discava enquanto falava com eles. Mal começou a chamar, o outro lado da linha já desligou na minha cara e imediatamente o telefone deles começou a tocar. Percival atendeu.

- Sim, Galahad... Mas... Sim... Não... Sim... Tudo Bem – ele desligou o telefone e se dirigiu a mim. – O senhor é bem-vindo, senhor Lobo. Pode entrar.

- Obrigado, Perci – falem o que quiserem, mas os putos são cavalheiros mesmo a contragosto. – E eu não sou mais um lobo.

Enquanto caminhava entre o portão de entrada e a porta principal da casa, eu não podia deixar de pensar que provavelmente o bairro do Bosque caberia inteiro dentro daquela propriedade. Mas aquela não era uma propriedade qualquer, era a propriedade – ou melhor, o reino – dela.

Foi entretido nesses pensamentos que cheguei à porta principal. Um dos capos pessoal dela esperava na porta. O Doutor. Ele não tinha mais que um metro e sessenta e cinco, e mesmo assim era um dos maiores dos sete.

- Senhor Reynard. Eu lhe desejaria uma boa noite, mas essa noite não tem nada de boa – ele me disse detrás dos seus óculos redondos e grossos, e da barba cerrada, mas meticulosamente bem aparada. Quem o via assim não podia imaginar, mas o Doutor era um gênio, um tático brilhante, grande conhecedor de quase tudo. E tudo isso sempre voltado para o crime. Sob a batuta da sua chefe, ele havia ajudado a consolidar um dos mais firmes e lucrativos impérios do crime. Não era à toa que ele era o consigliere dela. Não se deixem enganar: por trás da aparência de um bondoso senhor, existia um cruel criminoso que não tinha medo de sujar as mãos.

- Meus pêsames, Doc. Eu posso entrar?

- É claro, senhor Reynard. Mestre Merlin avisou que o senhor seria enviado.

- O Grande M deve estar deixando seu dia mais difícil, não, Doc?

- Por que, senhor?

- Primeiro cercou a casa com cavaleiros, agora manda um detetive particular...

- Oh não, senhor. Nós agradecemos ao conselheiro Merlin por tudo que fez por nós. Queremos, mais que ninguém, saber quem foi o responsável pela atrocidade que se abateu sobre minha amada senhora... Mas creio que o trabalho de vocês não será necessário: os meninos já estão nas ruas para trazer o assassino até nós. Eu vou lhe dizer: o Zangado estava especialmente motivado hoje. E não era para menos, não era para menos... Mas você sabe o que acontece quando ele está assim.

Vocês podem dizer o que quiserem sobre aquela máfia, mas uma coisa era verdade: eles amavam loucamente sua chefe. Eles eram mais leais que cachorros. Por isso, eu sabia que tanto o pesar quanto o ódio nas palavras do Doutor eram a mais pura verdade. Eu tinha plena certeza que, enquanto trocávamos aquelas palavras, a taxa de agressões e assassinatos na cidade subia exponencialmente. Os sete eram criminosos e assassinos que não tinham medo de sujar as mãos, mas Zangado era temido até entre os assassinos da cidade. E o processo de tortura da máfia era famoso: eles colocavam o Dopado em abstinência de seus "calmantes" usuais e lhe davam um regime de estimulantes. Ele ficava num estado bestial. Nenhuma vítima durava mais de meia hora de interrogatório, e depois desse tempo ou eles tinham todas as respostas ou um cadáver. Normalmente os dois. E acredite, os que morriam eram os sortudos.

Eu subi a escadaria guiado pelo Doutor, mas na entrada do quarto dela, a cena do crime, ele só me abriu a porta e, consternado, fez sinal para eu entrar.

- Ora, mas o que é isso? – mal entrei no quarto e a irritante voz de Lancelot agrediu meus ouvidos. – É só deixar a porta aberta que qualquer vira-lata sarnento já vai entrando assim?

Pelo menos não me chamou de Lobo.

- Admito que entrei só por curiosidade: senti o cheiro de bosta de pavão e vim ver o que era. Mas era só você, Lance.

Lancelot era, de acordo com a mídia, “O Cavaleiro Perfeito”, mas na verdade ele era um monte de bosta. Lancelot não tinha nada de bom, nada digno de orgulho: em todas as corporações policiais ele era o mais ineficiente, corrupto, indigno de confiança, caçador de fama. Eu me pergunto como ele conseguira ser um dos principais homens a serviço de Arthur. Há boatos que foi uma imposição da primeira dama, mas até então há muitos boatos nesse sentido... Mas uma coisa havia de se dizer: ele era bem relacionado. Com seus contatos e sua carinha de galã, Lancelot conseguia que a mídia toda o pintasse como maior herói que a cidade já teve. E para aqueles cuja a palavra da Rede Irmãos Grimm de Comunicação era a verdade pura, incontestável e absoluta, Lancelot era o cavaleiro perfeito.

Mas naquele dia o “cavaleiro perfeito” estava claramente transbordando em uma fúria impotente. O eterno caçador de fama tinha nas mãos o maior caso de todos os tempos e não podia fazer nada. Não podia contar a ninguém, tinha de manter sigilo absoluto. Lancelot estava acostumado a distribuir ordens e não a acatá-las, mas se havia alguém que tinha poder naquela cidade era o Mago (era provável que o Grande M mandasse mais que o próprio Arthur). É claro que se a informação vazasse pra mídia eu já saberia quem havia aberto o bico. Mas Lancelot era um notório covarde, o temor que o Mago exercia sobre ele pelo menos ia render um tempo de sigilo.

- O que raios você está fazendo aqui, Lobo?

- O seu trabalho. Ou melhor, o trabalho que você faria se soubesse fazer alguma coisa além de tirar fotos.

- Olhe como fala! Eu sou um dos principais homens de Arthur, sou o cavaleiro perfeito.

- Ah, ‘tá bom, Lance. Essa pode funcionar com a primeira dama e o resto das suas groupies, mas para cima de mim? Você não consegue enganar ninguém com mais de dois neurônios. Sei que você nunca vai perceber isso porque você mesmo não tem dois neurônios, mas eu tenho. E a mim você não engana. Nem a mim, nem ao Grande M. Ele te ligou?

Lancelot cerrou os dentes em profunda frustração e não respondeu.

- Isso, Lance. Muito bom. Já ‘tá treinando, né? Porque esse caso você não pode contar pra ninguém. Shhh. É segredo – eu lhe dei dois tapinhas no rosto que só o deixaram mais irado. – Agora, eu sei que o Mago mandaria um cavaleiro de verdade pra cuidar do caso. Onde está Galahad?

- Aqui, Rey! – uma voz respondeu de mais de dentro do quarto. – Pode entrar!

- Excelente. Até mais ver, Lance.

Eu fui adentrando a suíte (pelo menos três vezes maior que meu escritório) à procura de Galahad. Esse sim era o melhor dos cavaleiros. Em todos os níveis: profissional e pessoal. Era uma das melhores pessoas com quem eu já convivi, um dos melhores combatentes e, o que era mais importante naquele momento, o melhor detetive entre os cavaleiros. Por sorte o Mago sabia que até mesmo Galahad não passaria de um detetive mediano se ele fosse um lobo. Os lobos são caçadores natos, seu faro detetivesco é lendário. Eles veem melhor, ouvem melhor... E na minha época eu havia sido o maior e melhor deles. Mas eu não era mais um lobo.

Fui adentrando o quarto e, ao chegar perto da cama, eu pude vê-la: Branca Carmim Neves. Morta.

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