O vento frio sopra o cheiro de morte para mim. Ela era chamada de Princesa, mas não vejo nenhum azul no seu sangue derramado aos meus pés, só mais vermelho como o de todo mundo.
A Princesa das Princesas. Isso certamente chamará a atenção. Eles devem colocar um cavaleiro atrás de mim. Talvez Galahad, dizem que ele é o melhor detetive deles. Não tem problemas, esse era o objetivo: que eles soubessem que eu estou de volta.
O vento sopra gelado, mas não há problema: sou o filho do vento norte, nada é mais gelado que minha alma.
Sou o Grande Lobo Mau.
O vento uiva em meus ouvidos, eu uivo com ele.
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Branca Carmim Neves.
Antes da gestão Pendragon, a família Neves dominava a cidade politicamente, mas desde a sua fundação eles eram uma das principais (se não a principal) famílias do crime organizado. Ainda assim Branca se destacou como uma das maiores mentes criminosas dos Neves, ela e seus sete capos dominavam o tráfico de drogas da cidade.
É claro que essa era a sua face oculta. A face pública era Branca Neves, a socialite e Miss. Ela havia sido a primeira a ganhar a concurso Miss Princesa das Empresas Walt, por isso ela ficou conhecida como a Princesa das Princesas.
E agora ali estava ela. Morta.
Seu corpo havia sido colocado cuidadosamente em um caixão de vidro, usando o mesmo vestido com que ela tinha ganhado o primeiro Miss Princesa. Ela sempre foi pálida, mas agora estava quase transparente de tão branca. A única parte de seu corpo ainda com cor eram seus longos cabelos negros e, estranhamente, seus lábios bem vermelhos. Olhando mais de perto, pude perceber o batom.
Na parede ao fundo dela estava escrito com sangue em letras garrafais “O GRANDE LOBO MAU”, e um desenho de uma cabeça de lobo acompanhava.
E Galahad estava analisando a cena.
- Galahad.
- Lobo.
- Eu não sou mais um lobo. O que temos aqui?
- Vou ser bem sincero ao dizer isso, Rey: eu não faço a menor ideia. É obviamente um assassinato, e o autor assinou a obra. O Grande Lobo Mau. Será ele mesmo? Será que depois de todos esses anos ele voltou?
- É possível. É um caso em aberto. E, olhando a cena do crime, é bem provável, pra não dizer que tenho certeza. Se não for ele, é um puta de um imitador.
- Certeza?
- Você sabe que sim, Galahad. Foi antes do seu tempo, mas eu estava lá. Isso é coisa dele. Mas nós demos sorte: ele não está sozinho.
- Como você sabe?
- Ele é bom, talvez o melhor, mas nem ele consegue agir nessa escala. Só sei que ninguém faz uma coisa dessas sem ajuda. Dar cabo de Branca Neves, a Princesa das Princesas, a cabeça da família Neves, manda uma mensagem: eu posso tudo. Ele quer assustar todo mundo, mas há algo mais nas entrelinhas, algo que nós estamos deixando escapar. Não sei o quê... Vejamos: ele a pegou desprevenida ou já desacordada; não houve luta; e ele permaneceu aqui por um bom tempo.
- Como...
- Olha o vestido: em perfeito estado. O quarto: tudo em perfeito estado. Olhe o desenho: apesar da relativa complexidade, está feito com precisão, o que significa que levou tempo e calma.
- O desenho foi feito com sangue – Galahad encarou a figura na parede. – De onde você acha que veio?
- Sim, de onde você acha que veio? Me mostre o corte onde o sangue foi retirado.
- Nós não achamos nada ainda...
- Nem vão. Ela não sofreu nenhum corte, foi envenenada.
- Como...
Eu limpei o batom dela com meu polegar. Os lábios estavam de um esverdeado doentio.
- Veneno – Galahad não conseguiu segurar aquele o impulso de ser óbvio.
- Quando você m****r uma amostra para seus magos nos laboratórios, eles vão te dizer que é uma overdose de Maçã de Eva, a droga mais vendida pela máfia Neves. Alucinógeno.
- Como...
- Galahad, você é meu cavaleiro preferido. Digo mais: você é uma pessoa que eu realmente gosto. Para manter assim vamos nos poupar de perguntas estupidas que você nem consegue terminar, por exemplo: “Como...”
- Sei... Instintos lupinos... Se esse sangue não é da Branca, de onde ele vem? É dele?
- Galahad, o homem é um profissional. Não, claro que não. Ele não facilitaria tanto nosso trampo. Manda para os magos nos laboratórios que eles vão te dizer, mas eu tenho um presságio bem ruim sobre isso – eu ajeitei o meu capote, recoloquei meu chapéu e me preparei para voltar para aquela maldita noite fria da porra.
- Você está partindo, Lobo?
- Eu não sou mais um lobo. Mas o Grande M me chamou para fazer um serviço que vocês não podem, e isso normalmente inclui ir em lugares que vocês não chegam e falar com pessoas que vocês não conseguiriam.
- Ou seja, basicamente ser um lobo.
Aquele bostinha loiro sorriu. Talvez por isso eu gostasse tanto de Galahad, o puto daria um excelente lobo. Talvez tivéssemos sido grandes parceiros. Mas isso era só especulação: Galahad nunca chegou a ser um lobo, e eu não era mais um.
- É sempre bom te ver Galahad, melhor ainda quando isso não inclui topar com aquele bosta do Lacenlot... Cacete, eu adoraria um trago.
- Na saída passe na cozinha e veja se eles têm palitos de dente. Até mais, Rey.
Galahad ficou olhando para o desenho na parede como se fosse uma fotografia do próprio Diabo em pessoa. Eu sabia que não era: o Diabo não era tão perigoso.
Tava uma noite fria do inferno. Eu sei que já reclamei disso, mas só tem uma coisa que eu detesto mais que um frio do inferno: um calor do inferno.Mas mesmo naquele maldito frio infernal eu tinha um trabalho para fazer. Branca Carmim Neves tinha sido assassinada. Não que isso fosse uma questão pessoal para mim, mas essa pica me tinha sido jogada no colo. Não, a questão pessoal era outra...Por isso eu fiz minha antiga ronda. No outro dia eu cheguei cedo no escritório e já achei me esperando o que fui procurar: os jornais da manhã.Não que eu esperasse encontrar nenhuma pista ali (mas sempre havia a pegada da sorte, não é?), eu queria mesmo saber a repercussão daquilo tudo. A grossa edição de domingo do Irmãos Grimm estava sobre o resto pedindo para ser lida, e eu leria: eram eles que falavam da parte rica da cidade. “O grande conglomerado de notícias” e aquela bobagem toda. Menos de meia hora depois eu me encontrava com Galahad de novo. Novamente no Palácios, bem próximo à casa de Branca. Esta propriedade era tão vasta e cara como a mansão Neves, mas estava mais para uma chácara que uma mansão.Eu saltei do táxi praticamente junto com Galahad saindo de sua viatura, e me juntei a ele.- O que nós temos aqui, Galahad?- Um problema. Um puta de um problema – ele suspirou. – Cinderela “Cyndi” Cenerentola. Ex-modelo. 04
05
O relógio bate as doze badaladas. Na virada de um dia para o outro eu penduro-a aqui: em meio às abóboras que ela adorava. Cuidava delas antes da fama e a elas retornou.Me pergunto quanto tempo para o cheiro de carne fazer os ratos superarem o medo do espantalho e virem se banquetear nessa torta de carne com abóbora que fiz pra eles. É assim: quando a gata sai, os ratos fazem a festa.O vestido logo estará em ruinas, mas os sapatos de cristal não.
O sol rompe a escuridão e entra pelos vitrais.Mas só eu estou aqui para ver a aurora. Ambas as auroras.Enquanto uma irrompe a outra se entrega à escuridão. Ela está linda caída na sua cama. Linda como uma rosa. Uma rosa cujo os espinhos foram podados e depois colhida.A beleza da morte.
- Os magos confirmaram: o sangue na placa da Cinderela era da Aurora. E o do quarto da Aurora era da Branca. – Galahad anunciou. Estávamos em um bar: eu, ele e Mulan.- Mas como ele conseguiu o sangue? – Mulan perguntou. – Nenhuma das vítimas teve qualquer corte de qualquer estilo. - Bancos de sangue – eu disse. – Ele fez isso nos velhos tempos: ele assaltou o banco de sangue e com isso sempre deixava um pouco de sangue do próximo alvo na cena do crime. Não sei se fazia isso como desafio ou para apavorar o coitado. Estávamos na viatura dela indo para meu escritório. Ela queria ver minhas anotações. Pra ser sincero, eu queria também. Não fazia ideia de verdade do que estava acontecendo, nada daquilo era a cara do Grande Lobo Mau.- Então... – ela perguntou meio sem saber como. – Por que o Mago colocou você nessa?- Experiência prévia. Eu fui o responsável pelo caso do Grande Lobo Mau na outra vez que ele surgiu. E você? Como você é uma especialista se a gente nem sabe direito o que ‘tá procurando?09
Mulan guiou a viatura o mais rápido possível, mas meu escritório era meio longe do porto. Quando chegamos lá, Hook e Galahad nos esperavam junto a um pequeno barco.- Jim, seu velho puto do mar – eu saudei.- Rey, como está indo com a tentativa de parar de fumar?- Uma merda. Já ‘tô até escolhendo minha marca preferida de palito de dente.- Dei