O olhar de surpresa cruzou os rostos de Isabela e Jorge ao mesmo tempo. Como se obedecessem a um comando invisível, suas mãos se separaram num movimento desajeitado e repentino.Isabela escondeu os dedos dentro das mangas do casaco, sentindo ainda o calor do toque dele pulsando em sua pele como uma lembrança teimosa. Jorge, por sua vez, levou as mãos para trás do corpo, as entrelaçando levemente.— Parece que a primavera já está batendo à porta. — Comentou ele, quebrando o silêncio.Isabela desviou o olhar para o rio que corria tranquilo à distância.— É verdade. Até o vento parece ter perdido um pouco da sua frieza. — Erguendo o rosto para o firmamento pontilhado de luz, deixou escapar um suspiro profundo antes de filosofar. — Passamos tanto tempo tentando sobreviver que esquecemos de simplesmente viver, não é mesmo?Se virando para encará-lo com um brilho renovado nos olhos, exclamou:— Olhe só, Dr. Jorge! Quantas estrelas!Jorge elevou o olhar para o céu.Aquela imensidão escura e
— Bom dia! — Cumprimentou Jorge ao entrar no apartamento.Com um gesto descontraído, desabotoou o paletó e se acomodou à mesa.— Preparei algo caseiro e despretensioso, Dr. Jorge. Espero que seja do seu agrado. — Comentou Isabela.— Se por acaso eu não estiver acostumado, é só eu continuar comendo que logo me adapto. — Respondeu ele, já agarrando os talheres sem qualquer cerimônia.Isabela franziu o cenho, visivelmente confusa.— Está insinuando que minha comida deixa a desejar, Dr. Jorge?— O que quero dizer é que, se estranhar algo, a culpa não é da sua culinária, mas sim do meu paladar que ainda não se habituou ao seu tempero. — Ele explicou, enquanto saboreava um pedaço do omelete recheado de legumes.Em outras palavras, ele tentava deixar claro que o problema não estava no que ela havia preparado, mas em seus próprios gostos ainda não adaptados.Isabela ficou sem reação por um momento. Por que será que ainda tinha a impressão de não ter captado direito a mensagem? Seria sua compre
— O que houve? — Indagou Isabela, franzindo o cenho.Viviane entreabriu os lábios, prestes a mencionar Danilo, mas se conteve no último instante. Revelar aquilo seria imprudente. Na verdade, Danilo havia lhe pedido que convencesse Isabela a passar o fim de semana num resort nas proximidades da cidade. E como talvez precisasse de favores dele no futuro, recusar tal pedido não lhe parecia sensato. Apesar da agenda lotada pelo resto do dia, resolveu aparecer logo nas primeiras horas da manhã.— Que tal escaparmos para aquele resort na Serra Verde neste fim de semana? — Soltou Viviane, tentando soar casual.Isabela semicerrou os olhos, claramente desconfiada.— Só isso? Precisava mesmo aparecer tão cedo da manhã só para isso?— Ah, sabe como é... — Murmurou Viviane, coçando a cabeça num gesto despreocupado. — Estava passando por perto e achei melhor avisar logo.— Este fim de semana acho que não vai rolar. — Respondeu Isabela.— Tem compromisso marcado? — Questionou Viviane, se inclinando
— Sempre esteve ciente de que suas atitudes feririam sua esposa, seus filhos e seus pais, não é mesmo? Por que não corrigiu seu caminho antes? Por que aguardou até que tudo desmoronasse para sentir remorso? — Indagou Isabela, com firmeza na voz.Visivelmente constrangido, o homem baixou a cabeça e murmurou:— Se eu pudesse prever que chegaria a este ponto, jamais teria seguido por esse caminho.— Vou lutar por você até o último instante. — Garantiu ela, suavizando o tom. — Na verdade, sua situação nem é das piores. Já enfrentei casos muito mais complicados.Isabela fez uma pausa estratégica, observando atentamente as reações do cliente antes de prosseguir:— Certa vez, defendi um caso onde uma mulher, portadora de HIV e consumida pelo desejo de vingança, deliberadamente se envolveu com vários homens para contaminá-los. No final, todos adoeceram. Uma tragédia, sem dúvida. Mas, se tivessem sido fiéis aos seus compromissos ou ao menos tivessem sido mais cautelosos, não teriam cavado a pró
A resposta de Jorge chegou num piscar de olhos: [Por quê?]Isabela suspirou, imaginando que Jorge provavelmente desconhecia os burburinhos que corriam pelo escritório. Se ela mesma não tivesse captado aquelas conversas por mero acaso, estaria completamente alheia à situação. Não suportaria ver o nome dele envolvido em fofocas por sua causa.Embora soubesse que quem não deve não teme, reconhecia o poder devastador dos burburinhos. Como profissional com ambições, ainda almejava crescer na empresa. E aqueles comentários maldosos sugerindo que havia conquistado a promoção vendendo o próprio corpo só ganhariam força com o passar do tempo.Encarou a mensagem no celular e, após alguns instantes de reflexão, ela digitou: [Acho que não estou preparada ainda. E, sinceramente, uma promoção tão acelerada foge das normas do escritório.][Entendi.]Com um gesto lento, Isabela retirou o crachá que havia acabado de pendurar no pescoço. Apesar da decepção palpável, ela se encaminhou ao departamento de
Com os braços entrelaçados sobre o peito, Viviane não conseguia esconder sua evidente irritação. O seu quarto foi reservado pelo próprio Danilo, e agora ela precisava fazer um teatrinho, a contragosto, para manter essa encenação toda.— É o 802. — Respondeu ela secamente, quase cuspindo os números.Num teatro que só convenceria os desavisados, Danilo arregalou os olhos com exagerada surpresa.— Não me diga! Eu estou bem no 803.Viviane revirou os olhos de forma dramatica.Observando a interação, Isabela comentou com genuína inocência:— Nossa, que coincidência incrível, não?— É mesmo. — Retrucou Viviane com sarcasmo na voz. — Como dizem por aí, a arte imita a vida, não é? Nossa situação daria um romance e tanto.Desconcertado pela transparência da amiga, Danilo desviou o olhar para o chão.Percebendo a tensão inexplicável no comportamento de Viviane, mas sem compreender sua origem, Isabela puxou delicadamente a amiga pelo braço para evitar mais constrangimentos.— Vamos entrar, vai?N
Evitando cruzar o olhar com Isabela, Viviane virou o rosto para o lado.— Não estou a fim de pedalar, estou morta de cansaço. — Murmurou ela, com visível indisposição.Foi quando Danilo, percebendo a oportunidade, se intrometeu:— Vamos nós dois então, Isabela. O trajeto é demorado e, se continuarmos enrolando, já vai ser hora do almoço quando chegarmos.Com um gesto desinteressado, Isabela apenas respondeu:— Beleza, vamos lá.Os dois se acomodaram lado a lado no carrinho de passeio, e a proximidade era tanta que Danilo conseguia captar cada detalhe da respiração de Isabela, aquele perfume delicado que emanava dela. O coração dele disparou, totalmente fora de controle. Parecia inacreditável que, com toda sua trajetória e maturidade, ainda se sentisse tão vulnerável apenas por estar próximo a uma mulher. Não era ele quem deveria manter a frieza diante de situações complexas? Mas ali estava, se sentindo como um adolescente apaixonado pela primeira vez.Em sua mente, tentava se repreend
Danilo permaneceu atônito, sem conseguir articular palavra alguma. Se virando lentamente, seus olhos encontraram os de Viviane.Com o queixo erguido e um brilho desafiador no olhar, ela parecia transmitir, mas sem palavras: "O que foi? Tem a audácia de me ameaçar? Agora vai arcar com as consequências."Como ainda necessitava da colaboração dela para se aproximar de Isabela, Danilo não podia se dar ao luxo de provocar sua ira.— A Vivi tem razão. — Murmurou ele, num suspiro resignado.Um sorriso de satisfação iluminou o rosto de Viviane.Percebendo aquela troca de olhares, Isabela franziu o cenho com desconfiança.— Vocês dois andam escondendo algo de mim? — Indagou ela, os olhos saltando de um para o outro.Era evidente que havia ali um jogo velado de interesses.— Que bobagem! — Danilo se apressou em negar, com uma risada nervosa. — Você conhece a Vivi, né? Sabe como ela é.Isabela soltou uma gargalhada despreocupada e abandonou o assunto.Durante o trajeto, Danilo tentou, por divers