O suposto relacionamento embarcou numa constante. Se antes as noites de Sara tinham somente a faculdade como programação, com a chegada de Igor o período noturno fora alterado de forma deliciosamente substancial. Jantares quase todos os dias, refeições preparadas, servidas por ele e tendo Sara como sobremesa. Sempre nessa sequência e no apartamento dela, uma vez que o de Igor ainda estava impossibilitado.
Lógico que ela o questionou em outros momentos sobre a reforma e conquistou respostas aceitáveis e compreensíveis: “já estudei tudo o que podia, e amanhã coloco a mão na massa”; “ah, ainda não acabei, vai demorar um pouco”; “está sujo, tenho que chamar uma faxineira”.
Sem perceber, a neta de Vargas passava pouco tempo em seu mundo imaginário. As evasões se limitavam a visitas de Tereza ou às conversas esporádicas com Castelo.
De uma maneira prática de ser, o empresário trouxe um alívio pertinente ao complexo desempenho da universitária durante as aulas. A pr
A conversa que tivera com Igor rondava a mente de Sara como uma cobra traiçoeira. Deixar a cargo de outra pessoa uma responsabilidade pré-determinada, para se dedicar às suas amigas parecia um sonho de consumo. Ela pensou em Vargas. Vasculhou suas lembranças buscando algum indício de uma possível aceitação de que não haveria problemas em ficar em segundo plano na empresa. Porém, não encontrara nenhum sinal contraditório. Abandonar por completo, Sara nunca teria coragem, isso era um fato comprovado. Como uma gravação em sua pele. Entretanto, pela primeira vez desde o falecimento dele, afastar-se dos documentos e decisões finais não lhe trazia a sensação de que o estivesse traindo. Contudo, ainda existia um fator crucial que a impedia de levar essa proposta para o Castelo. Quem seria confiável o suficiente para assumir seu lugar? Porque não se tratava somente de papéis e ordens, mas de amor e entrega. Sentimentos explorados por Vargas. Óbvio que o rosto de Igor
O corpo de Sara vibrava com as descobertas. Como fora tão cega? A vida poderia ter sido muito menos sofrida se tivesse enxergado as perdas por outra ótica. Meu Deus! Vocês estavam aqui o tempo todo me mostrando a verdade, ela falou para a Palmeira de Areca que enfeitava o hall de entrada do prédio. Sim, trocara o morto pelo vivo. Contudo, aquela clareza parecia ter surgido no momento apropriado. “Tudo tem o seu tempo”, seu pai costumava dizer. Ou será que essa percepção tinha algo relacionado ao homem de 1.90 que a visitava regularmente? Talvez com a leveza do coração, da mente e do corpo o restante ficara mais definido, ela observou. A universitária sorria como um adolescente, enquanto se encaminhava para o banho. Retirou as roupas sujas de terra e aceitou o jato de água quente. Sua musculatura agradeceu o mimo e o cuidado, deixando o corpo mais relaxado. O aroma de shampoo encheu o banheiro, assim como a mente borbulhante. Ela necessitava tomar algumas med
Igor não apareceu para jantar, naquela noite. Nem na seguinte. Contudo, enviou uma mensagem justificando sua ausência: – Precisei viajar para resolver um problema de trabalho. Ficarei morrendo de fome. Quando voltar, o jantar será em grande estilo –, e essa pequena consideração alimentou as certezas de Sara. Não poderia ser somente sexo, ela supôs. No início, sim. Mas após todos aqueles encontros, olhares e carinhos trocados entre eles, sua intuição lhe dizia que algum sentimento palpável brotara no coração do administrador. Essa pausa forçada serviu para que ela entendesse a dimensão do seu amor por Igor. Sua ausência fora sentida com tamanha violência, que nem mesmo as plantas pareciam surtir efeito desejado. A somatória: planta mais Igor mais paz estava em defasagem. Até mesmo a falta de talento dele para tocar o violão fora notada. Não aconteceram mais tentativas de visitar o apartamento do futuro, talvez, músico. Independentement
— Ah... — Sara encarou o homem sentando e muito bem instalado, atrás da mesa de Vargas. Notou quando ele ergueu o rosto e recostou-se na cadeira altiva do seu avô. — Mas... como... Novamente, Sara deveria ter feito muito mais do que balbuciar palavras desconexas. Talvez conferir se estava realmente no lugar certo, marcar um oftalmologista para sua visão, chamar os seguranças ou quem sabe ligar imediatamente para o advogado, que estava parado bem atrás dela. No entanto, o dono do olhar fixo e penetrante impediu tal discernimento. — Estou vendo que estamos fadados a encontros surpresas. — A voz tocou na pele de Sara, porém, o efeito fora diferente da primeira vez. Igor arriscou seu habitual charme, quando na verdade tudo por dentro dele gritava o contrário. O que ele tanto tentou evitar, por ainda não estar pronto para tal revelação, acontecera. — O que você está fazendo na minha sala? — Os punhos cerrados ao lado do corpo determinava sua fúria. Castelo a
A noite estava alta quando Sara chegou em casa. Esgotada mental e fisicamente, adentrou ao apartamento preferindo a escuridão do ambiente. Acender as luzes, talvez trouxesse os problemas que ela preferia manter escondidos. Caminhou com cautela até o sofá e jogou o corpo cansado sobre ele. A luminosidade da rua criava sombras nas paredes brancas. Ela ergueu a mão e visualizou o desenho formado pelo gesto. Dedos longos e perfeitos. Uma inverdade. Uma vez que não necessitava enxergar as unhas para saber que estariam sujas de terra, assim como as roupas. Quando fugira da Tisiros, fora para o único lugar bem-vindo: o orquidário. Lá dentro, cercada pelas plantas tentou bloquear as emoções e mergulhou nos afazeres. Aceitou a energia emanada das flores e encheu o coração de esperança. Chorou quando não conseguiu mais controlar as lágrimas e sofreu com a mesma intensidade que revolvia a terra. No entanto, mesmo após horas no local que mais lhe trazia paz, ela ainda se encontrava perd
Sara acordou com o toque insistente do celular. A música alta preenchia a sala silenciosa, aprofundando a dor de cabeça. Os músculos também demonstravam o desagrado por ter dormido no chão. O dia tomava forma, através do sol vindo da janela aberta. Aos passos trôpegos, levantou-se sem preocupação com a toalha caída ou o corpo gelado. Caminhou até a roupa da noite anterior e buscou o aparelho no bolso da calça. Mesmo com os olhos inchados pelo choro, identificou o intruso. Castelo havia lhe telefonado algumas vezes, assim como Igor, Jonas e Teresa. Ótimo, virei o assunto do momento, ela balbuciou. Recusou a ligação e enxergou seu reflexo na tela preta da televisão. Sua imagem não estava melhor do que a bagunça que ainda a atormentava. Havia alternativas, ela imaginou. Continuar com a lamentação, fugir de tudo ou de todos, ou seguir o conselho do avô. Exaurida e sem forças para chegar a uma conclusão saudável, optou por um banho. Após um asseio rápido, regresso
Sara passou o dorso da mão pelo rosto banhado em lágrimas. Percebeu a mancha negra deixada pelo rímel. À prova d’água uma ova! O pensamento desconexo com a ocasião fazia parte do seu mecanismo defesa. Quando menina, principalmente nos momentos onde broncas lhe eram dirigidas, a técnica a carregava para tantos mundos imaginários que, às vezes, sua mãe necessitava de algo mais forte do que um leve som de pigarro, para chamá-la de volta à realidade. Exatamente como o advogado à frente fazia. — Menina Sara, está prestando atenção? — A intimidade condizia com os anos prestados à família Tisiros. Duas gerações desfeitas num piscar de olhos. Na verdade, em vários piscares, sendo mais honesto. Ele encarou a menina, agora mulher, sentada no outro lado da sua mesa. Ombros caídos, face voltada para o colo, cabelos lisos que escondiam seus verdadeiros sentimentos... Ela vai me dar trabalho, o senhor de aparência solene e bigodes com as pontas voltadas para cima, ponder
Deixar o lar em que fora criada nos últimos oito anos sangrava um pouco mais o coração de Sara. E o fato de a mansão possuir ótimos esconderijos para uma pré-adolescente que adorava fugir dos criados e do avô, e perder-se na internet stalkeando os meninos mais interessantes do colégio, não arranhava os verdadeiros motivos para a sua dor. Sara estava sozinha no mundo. Literalmente. Filha única, de filho único, de filho único... uma família reduzida a somente um indivíduo. Qual era o problema dos Tisiros, com relação à quantidade de crianças?, ela se perguntava. Falta de grana? Impossível. Eles possuíam condições financeiras para bancar, tanto os estudos quanto as babás. Questões estéticas? Até poderia ser, mas o dinheiro daria um jeito nos peitos caídos e barrigas flácidas. Escassez de amor? Nem longe essa possibilidade estava em pauta. Todos eram muitos amorosos. Eu te amo, meu amor, minha vida... faziam parte do vocabulário cotidiano. — Talvez seja a