Naquela manhã fria e cinzenta, como tudo parecia calmo e até então não havia nenhuma ameaça, decidimos não treinar e nos fortalecer no aconchego do castelo. Mandamos cada soldado ficar em sua casa na companhia de suas famílias. Foi a melhor decisão que tomamos, pois aquele foi nosso último dia de paz. Fomos surpreendidos pela visita de um mensageiro do Rei Estevam. Ele vinha representando os interesses dele e do reino de Neveri. Assim que soube de sua presença, pedi para que fosse recebido pelo meu Conselho. Ao entrar na sala de reuniões, todos estavam discutindo, pois Demétrio, secretário de Estevam, não queria comunicar nada a eles sem minha presença. Todos me receberam com reverências e nos sentamos para começar a conversa. — A que devo a honra de vossa visita, Senhor Demétrio? Traz alguma mensagem de vosso Rei, Estevam? — Sim, Vossa Majestade. Trago em primeiro lugar uma pergunta e dependendo da resposta, uma mensagem! — Devo então querer saber primeiro qua
Decidi procurar Abdus naquela noite para conversarmos sobre o que aconteceria e saber quais seriam as suas previsões para o futuro, se é que ele as tinha. Ao entrar em sua sala, senti um cheiro delicioso de ervas. O espaço que ele ocupava para trabalhar era aconchegante. Seus aposentos ficavam ao lado da sala e havia uma porta entre os dois, separando-os. Cortinas vermelhas cobriam todas as janelas, uma grande mesa com algumas cadeiras distribuídas, um sofá verde musgo com um xale por cima, que parecia muito convidativo a sentar e descansar. Em uma das paredes, um armário cheio de vidros com poções e remédios, nele também havia muitos potes com ervas variadas e é claro um fogão a lenha para fazer suas infusões. Uma cama para atender os pacientes ficava em um canto, um pouco mais reservada, separada por um biombo. A lareira estava acesa, esquentando e deixando o ambiente muito acolhedor. Sentei-me no sofá e ele logo trouxe uma xícara de chá; era aquele o cheiro bom que senti
O reino amanhecia sob um forte nevoeiro. As pessoas se abraçaram, mulheres e filhos despediam-se de seus homens e pais. Todos choravam e, ao mesmo tempo, estavam orgulhosos, desejavam forças e tinham fé de que venceríamos. Toda aquela comoção que via, por onde passava com meu cavalo negro, vestida e montada como um guerreiro, deixava–me triste porém orgulhosa daquelas pessoas que entregavam suas vidas e suas habilidades à Coroa. Elas faziam isso sem pestanejar, sem querer satisfações, simplesmente pelo fato de servirem a mim, ao nosso reino e poderem lutar pelos nossos direitos, pela nossa sobrevivência. Poucos sabiam que eu estava ali caminhando junto a eles para o acampamento, onde aguardaríamos o começo de tudo. Aron achou melhor não contarmos para mais ninguém que eu também lutaria, que estava em treinamento há muitos anos e seria a líder daquela batalha. A maioria acreditava que Aron liderava os soldados, o que não era mentira, pois ele me ajudava em todos os
Encontrei as palavras corretas para começar e contei-lhe tudo, pedindo que ela apenas me escutasse e só tirasse suas conclusões quando terminasse, e assim ela o fez. Percebia suas reações pelos olhares arregalados, pela mão que levava a boca de vez em quando, enquanto a outra apertava as minhas como se quisesse me consolar e me dar forças para continuar. Quando terminei, ficamos alguns instantes em silêncio até que ela enfim falou: — Como você conseguiu segurar isso tudo sozinha, minha irmã? Não sei se conseguiria se fosse comigo! Você foi e é muito forte! — Obrigada, irmã! Estou muito feliz por ter lhe contado. Queria fazer isso há muito tempo, só não consegui. Desculpe-me por isso. — Não precisa desculpar-se. Imagino como é difícil para você ter que falar sobre isso. Entendo! — Que bom! Obrigada por me ouvir, Bethany. Guarde isso em segredo, por favor! Assim que eles retornarem, pretendo conversar com eles abertamente sobre tudo. — Com eles, com os dois juntos? V
Ele vinha até mim, com sua espada em punho, como se fosse me atacar. Mil pensamentos passaram por minha mente, sem conseguir entender o que estava acontecendo. Somente entendi quando ele chegou bem perto de mim e me empurrou para o chão com força, atacando alguém logo atrás. Quando me virei, reconheci quem era e o que ocorria… Era Estevam. O Rei Estevam também estava lutando disfarçado em meio aos seus soldados e aproveitou-se de uma distração minha para um último ataque. Ele iria me ferir, mas Aron me defendeu, defendeu minha vida, percebendo a tempo e antecipando o que aconteceria. — Estevam, não! — gritei com todas as forças ao perceber que Aron tinha me defendido e que fora ferido. — Malena? — Seu semblante misturava espanto e dor. Estevam com certeza não imaginava que eu estaria ali lutando como ele. Fiquei parada tentando absorver aquela cena terrível. Os dois estavam caídos, cada um colocava as mãos sobre suas feridas, que começavam a sangrar muito. Sem p
Não preciso nem dizer o quanto os dias seguintes foram difíceis. Voltamos da guerra com a vitória e, com o sabor amargo da perda. Perdemos muitos homens e perder Aron foi como perder a mim mesma. Deixei naquele campo de batalha um pedaço de mim, uma parte da minha vida e do meu coração. Quando consegui voltar ao castelo, busquei por Agnes. Ao me ver, caiu aos prantos, pois leu na tristeza dos meus olhos que algo estava muito errado, antecipando o que era.Desci do meu cavalo e fui até ela, caída de joelhos ao chão. Levantei-a e nos abraçamos. Choramos juntas nossa perda, a morte do homem mais importante para nós, aquele que mais amávamos. Senti outros braços completando aquele abraço e pelo perfume logo percebi que era Bethany. Ficamos ali por um bom tempo, entregues ao nosso luto, que estava só começando. Quando tive forças para me recompor em meus aposentos, após um banho demorado e preparado por minhas amas, consegui comer algo, fazia muito tempo que não comia e,
O inverno foi realmente rigoroso. Ficamos a maior parte do tempo, onde conseguimos nos aquecer. Foi muito mais difícil viver o luto e superar nossas perdas, mas tentamos de todas as formas possíveis. Minha rotina era dividida entre as reuniões com os conselheiros, debatendo e resolvendo diversos assuntos, os chás da tarde com Agnes e Bethany, e as brincadeiras com o pequeno Serafim. Sentia muita falta dos treinamentos e da companhia de Aron. Muitas vezes ouvia sua voz e sentia sua presença. Em alguns momentos de esquecimento, virava-me sorrindo para vê-lo entrar, mas não via nada e então a realidade voltava, a tristeza e o luto também. As noites eram a pior parte. Sozinha em meus aposentos, lembrava-me do nosso último momento, o instante em que o ouvi dizer que me amava, um momento que deveria ser o mais lindo de minha vida e foi o mais triste, pois foi também a despedida, o seu último suspiro, suas últimas palavras. Lembrei-me do seu olhar e de que ele não queria p
— Não sei se estou pronta para falar sobre isso, sobre aquele dia. Minhas noites têm sido terríveis, com pesadelos e tristes lembranças, não sei se conseguirei reviver tudo o que houve para lhe contar. — Acredito que precisamos tentar. Não é justo eu não saber como fora os últimos instantes da vida de meu marido. Não sei o que ele disse, se é que conseguiu dizer alguma coisa, e nem como foi seu último suspiro, como e nem por quem ele foi ferido, se foi em uma luta ou em uma emboscada. Não sei de nada e isso está me deixando louca. Preciso saber, você me entende? — Agnes ficava cada vez mais ansiosa e sem perceber estava falando alto, segurando em minhas mãos como quem pede socorro. Seus olhos realmente estavam pedindo. — Entendo, Agnes. Vamos para outra sala conversar melhor, não quero que Serafim e Bethany escutem o que tenho para lhe contar, eles estão bem e tão felizes brincando, não quero entristecê-los. Naquela semana, descobrimos que Bethany estava grávida e el