O céu da manhã em Sant’Agata de' Goti era de um azul tão profundo que parecia pintado à mão. A cidadezinha, com seus vinhedos ondulantes e vielas silenciosas, contrastava drasticamente com a vida que Isabella havia conhecido nos últimos dias. Mas ali, envolta por aquele silêncio quase sagrado, havia algo mais: a tensão invisível entre ela e Vittorio.O carro preto deslizou pelas curvas da estrada rural até parar diante de uma propriedade de pedra antiga, reformada para abrigar reuniões discretas com aliados poderosos — e, agora, o noivo e sua futura esposa.— Vai ficar conosco por três dias — ele anunciou ao motorista, com um aceno. — E certifique-se de que o perímetro esteja limpo. Nada pode dar errado aqui.Isabella desceu do carro e respirou fundo. O ar era mais puro, carregado com o aroma de uvas maduras e terra molhada. Mas havia algo mais ali — algo denso. Uma vibração no ar. Talvez fosse o fato de que ela e Vittorio estariam sob o mesmo teto, dividindo o mesmo quarto. Talvez fo
O mundo voltou em pedaços.Isabella acordou com a garganta seca, a cabeça latejando e o gosto amargo do desespero na boca. Tudo era escuridão. O chão era frio, úmido, e sob seu corpo um concreto áspero arranhava a pele de seus joelhos. Seus braços estavam amarrados para trás, e uma dor aguda corria pelas articulações.Tentou se mover, mas o menor gesto fez as amarras apertarem ainda mais seus pulsos.Um zumbido ecoava em seus ouvidos. O coração batia forte demais, como se quisesse explodir pelas costelas. Ela tentou se lembrar — o jardim, o cheiro de lavanda, o céu alaranjado, depois o pano encharcado, o cheiro químico invadindo seus sentidos...E então: o escuro.Ela prendeu a respiração ao ouvir passos se aproximando. O som de botas pesadas sobre concreto. Um estalo metálico, como uma tranca sendo destravada, e depois a luz — fraca, amarelada, cortando a penumbra como uma lâmina.— Finalmente acordada — disse uma voz masculina, rouca e cheia de escárnio.Isabella piscou várias vezes
O cheiro de mofo e ferrugem invadia suas narinas como lâminas. A luz da única lâmpada pendurada no teto tremia levemente, lançando sombras tortas sobre as paredes descascadas. Isabella estava amarrada a uma cadeira, os pulsos presos por cordas ásperas que já haviam aberto pequenos cortes em sua pele.O homem loiro, aquele dos olhos frios, ajustava a câmera com calma. Havia outros dois ao fundo. Um mascarado, o mesmo que a tocara antes, e outro, mais distante, encostado na parede com um cigarro aceso entre os dedos.— Luz, câmera... gritos — disse o loiro, com um sorriso nojento.Isabella não respondeu. Seus olhos estavam fixos no chão, os cabelos bagunçados cobrindo parte do rosto. Mas por dentro, ela tremia. De medo, de impotência... e de raiva. Uma parte dela queria implorar. A outra queria morder a garganta deles.— Olhe para a câmera — ordenou o loiro, levantando o queixo dela com brutalidade.Ela não obedeceu.A primeira bofetada veio com força suficiente para fazer sua cabeça gi
A dor já não era uma sensação passageira. Tornou-se um estado de ser. O gosto do sangue misturado ao medo era um lembrete cruel do tempo que Isabella passava ali, naquele cativeiro imundo, sob o olhar predador de homens sem alma.Ela não sabia quantas horas haviam se passado desde que aquela lâmina havia tocado sua pele, desde que seu vestido fora rasgado como um aviso. Sua cabeça pêndia para frente, os pulsos ardiam nas amarras, mas seu espírito ainda resistia. Isabella não choraria. Não daria a eles o prazer de vê-la se despedaçar.O homem loiro de olhos frios, que ela já começava a chamar de Demônio, inclinou-se para ela, observando-a como se fosse um experimento inacabado.— Interessante... Achei que a boneca já teria quebrado — ele murmurou, puxando-a pelo cabelo para que seus olhos se encontrassem. — Mas você ainda tem fogo nos olhos. Isso vai tornar tudo ainda melhor.—Quem sabe eu não aproveito desse seu fogo pra me aquecer tenho me sentido tão sozinho.—Ele falou em voz mais b
A dor já não era uma sensação passageira. Tornou-se um estado de ser. O gosto do sangue misturado ao medo era um lembrete cruel do tempo que Isabella passava ali, naquele cativeiro imundo, sob o olhar predador de homens sem alma.Ela não sabia quantas horas haviam se passado desde que aquela lâmina havia tocado sua pele, desde que seu vestido fora rasgado como um aviso. Sua cabeça pêndia para frente, os pulsos ardiam nas amarras, mas seu espírito ainda resistia. Isabella não choraria. Não daria a eles o prazer de vê-la se despedaçar.O homem loiro de olhos frios, que ela já começava a chamar de Demônio, inclinou-se para ela, observando-a como se fosse um experimento inacabado.— Interessante... Achei que a boneca já teria quebrado — ele murmurou, puxando-a pelo cabelo para que seus olhos se encontrassem. — Mas você ainda tem fogo nos olhos. Isso vai tornar tudo ainda melhor.—Quem sabe eu não aproveito desse seu fogo pra me aquecer tenho me sentido tão sozinho.—Ele falou em voz mais b
O vapor ainda subia da pele de Isabella quando ela envolveu o corpo com o robe branco. Seus cabelos úmidos colavam-se ao rosto, e seus olhos ardiam — não só pelo calor do banho, mas pelas lembranças que ferviam em sua mente.Ela poderia ter chamado uma das empregadas. Poderia ter pedido algo para beber, ou simplesmente batido a campainha e esperado que alguém viesse servi-la. Mas não quis.Precisava caminhar. Sentir o chão sob os pés. Dominar cada passo da própria vontade.Voltar para a realidade, voltar ao normal. Normal?! Meu Deus sua vida podia ser tudo menos normal, des de que se aproximara de Vittorio sua vida tinha sido tudo menos normal. De uma menina que trabalhava em algum escritório qualquer, à assistente de Mafioso, virando sua noiva sem muita escolha, apresentada a Famiglia da Mafia e não podemos esquecer um quase triângulo amoroso, (alguém que nunca foi desejada por ninguém agora tinha dois homens dispostos a brigar por ela), acusada de infidelidade, sequestrada, molestad
A noite em Nápoles era quente, pesada, como se o próprio ar conspirasse para esconder segredos. As ruas estreitas e sinuosas do bairro antigo eram iluminadas apenas por faróis fracos, que lançavam sombras dançantes nas paredes de pedra. Era ali, no coração da cidade, que o poder verdadeiro se escondia, longe dos holofotes e das manchetes. A máfia não precisava de luz para governar; ela prosperava nas trevas.Vittorio Moretti, conhecido como Il Fantasma — O Fantasma —, era um homem que personificava o silêncio mortal das sombras. Alto, de olhos frios como o aço e uma presença que paralisava até os homens mais corajosos, ele era o chefe indiscutível da família Moretti. Sua reputação era lendária: implacável, calculista e, acima de tudo, perigoso. Mas havia uma regra que ele nunca quebrava: nunca se envolver emocionalmente. Até agora.Do outro lado da cidade, em um apartamento minúsculo e decadente, Isabella Rossi lutava contra o desespero. Aos 24 anos, ela já havia perdido a esperança d
Vittorio Moretti não era um homem que acreditava em coincidências. Para ele, o universo era uma teia de causas e consequências, e cada ação tinha um preço. Ele havia aprendido isso da maneira mais difícil, em uma noite que mudou sua vida para sempre.Era uma noite de inverno, há mais de quinze anos, quando ele ainda era apenas um jovem de dezenove anos, cheio de sonhos e ambições. Seu pai, Don Carlo Moretti, era o chefe da família, um homem respeitado e temido em igual medida. Vittorio cresceu à sombra do poder, observando o pai negociar, intimidar e, quando necessário, eliminar aqueles que ousavam desafiar a família. Ele admirava o pai, mas também temia o dia em que teria que assumir o lugar dele.Esse dia chegou mais cedo do que ele esperava.Foi em uma reunião de família, no porão de uma velha vinícola nos arredores de Nápoles. Don Carlo estava discutindo um acordo com um dos capangas, quando a porta se abriu de repente. Antes que alguém pudesse reagir, tiros ecoaram pelo espaço fe