05

Enouf ficou na ferraria até a madrugada. Sentia os músculos das costas doloridos, a exaustão era necessária naquele momento. A casa já estava imersa na escuridão quando ele entrou, o rapaz subiu as escadas em silêncio e foi para seu quarto.

O jovem ferreiro tirou o casaco e se olhou no espelho. O rosto estava sujo da fuligem, os cabelos desgrenhados, a barba chamuscada, a camisa com algumas marcas de ferro.

Enouf não conseguia esquecer Azure, seu rosto assustado, seu olhar de medo quando ele se aproximou demais. O homem também não esquecia seu cheiro doce e delicado de rosas. Levou as mãos à cabeça e deu um rugido de raiva.

Não poderia se envolver com a princesa.

Não poderia deixar se envolver com ela.

Olhou para a porta que ligava seu quarto ao dela e, automaticamente, foi até lá. Quando colocou a mão na maçaneta pensou se deveria ou não entrar ali.

Era o quarto de sua esposa, mas aquela era sua casa.

É claro que ele tinha direito!

Entrou e encontrou Azure dormindo. A jovem princesa estava sentada na poltrona ao lado da janela, ela tinha um livro no colo e a cabeça pendia para o lado. Os cabelos loiros espalhados fascinavam o ferreiro. Ele percebeu que a esposa trajava uma camisola de alças que talvez fosse para a noite de núpcias.

A moça talvez acreditasse que ele era um homem sem moral, que exigiria algo dela mesmo que não tivesse direito. Enouf não poderia negar que estava atraído pela beleza de sua esposa, porém não seria capaz de obrigá-la a aceitá-lo em sua cama.

Ele se aproximou dela e a pegou nos braços, com delicadeza levou a mulher até a cama e a deitou, quando estava cobrindo seu corpo com a colcha, a jovem acordou, assustada.

“Você.” – disse, os olhos assustados, enquanto tentava cobrir o corpo.

“Eu vim ver se você precisava de algo.” – ele disse sem jeito – “Não precisa ficar com medo.”

“Tudo bem.” – ela disse, ainda segurando a colcha contra o corpo, como um escudo – “Eu estou bem.”

Enouf e Azure se encararam por longos minutos em silêncio. Enquanto ela estava nitidamente assustada, apavorada, o rapaz estava encantado pela beleza da esposa.

O que só deixava o ferreiro mais revoltado.

Quando aceitou aquele acordo não imaginava que Azure fosse tão bela, tão cheirosa, que sua pele fosse tão suave, seus lábios tão vermelhos e seus olhos tão azuis.

Ele pareceu lembrar que aquele não era um casamento normal, que Azure não era sua esposa por amor, levantou-se e se ergueu, como se a cama estivesse pegando fogo.

“Certo. Boa noite, então.” – falou e saiu rápido, sem deixar que a moça respondesse.

Trancou a porta entre os dois cômodos e tirou a roupa, com raiva. Precisava colocar os pensamentos em ordem ou então tudo sairia errado, o plano de tomada do poder, a derrocada de Àki, ainda estava em curso. 

Enouf foi até o banheiro e entrou na banheira de água muito quente, sentindo a pele queimando, precisava focar no seu objetivo, que era salvar Albero Blu das mãos de Àki, não podia se encantar com a beleza de sua esposa.

O plano estava em curso e só isso importava.

#

Quando Enouf abriu os olhos no dia seguinte, percebeu que já estava tarde. Ele não tinha costume de acordar depois do amanhecer, mas os acontecimentos da noite anterior resultaram em seu atraso. Levantou-se da cama e foi até a janela que havia ali no quarto e, como um castigo, a primeira coisa que viu foi a última pessoa que ele queria encontrar.

Azure.

Sua esposa estava no jardim, a princesa trajava um vestido simples de cor azul celeste, tinha os cabelos presos no alto da cabeça em um coque desajeitado e os pés descalços. Enouf sentiu o coração acelerar ao vê-la tão bonita e sorridente naquela manhã.

A jovem princesa conversava com Kira enquanto as duas cuidavam dos canteiros de rosas que havia no jardim. O homem observava os movimentos dela que eram precisos e pareciam ser feitos com naturalidade, como se ela costumasse fazer aquele tipo de trabalho sempre.

Ele se afastou da janela e decidiu cuidar dos seus próprios assuntos, estava atrasado para o trabalho e não tinha tempo para besteiras como aquela de observar Azure cuidando de plantas.

Fez rapidamente a higiene matinal, vestiu calças pretas surradas, camisa marrom e as botas que já tinham visto dias melhores, saiu do quarto e desceu a escada. Decidiu sair pela porta da cozinha, assim não veria sua mulher.

Porém o destino não estava a seu favor, uma vez que quando abriu a porta deu de cara com Azure. A esposa tinha o rosto sujo de terra e o sorriso que ela exibia morreu quando o viu.

“Bom dia.” – ele disse, hipnotizado pelas írises azuis.

“Bom dia.” – ela respondeu e desviou o olhar para o chão – “Eu preciso lavar as mãos.”

Enouf passou para o lado e a princesa entrou na cozinha, foi até a pia de cerâmica e abriu a torneira. O homem estava tão absorto nela que ficou, por alguns minutos, admirando as costas da mulher.

Quando percebeu o que fazia, saiu, sem nem mesmo se despedir.

Foi para sua oficina e encontrou Ulf, seu ajudante, já trabalhando. O garoto era órfão, como ele, Enouf via muito dele naquele rapaz, por isso o ajudava com o emprego na ferraria

“Bom dia.” – falou, ainda absorto na esposa, que não saía da cabeça nem por um segundo.

“Bom dia, chefe.” – o rapaz disse, sorridente.

Ulf tinha 17 anos e fora abandonado no orfanato de Albero Blu, o menino fugia da instituição e preferia viver na rua, até que Enouf ofereceu um ofício a ele, o menino logo aceitou e agora tinha uma vida digna, morava numa hospedaria da cidade, se alimentava e vivia sempre sorridente.

“Você chegou tarde hoje. Pelo visto a lua de mel foi boa.” – Ulf disse, em tom de zombaria.

Enouf grunhiu enquanto colocava as luvas de proteção.

“Perdão, chefe, não quis ser indiscreto.” – o rapaz falou, sem jeito.

“Não é nada, Ulf. Apenas estou pensando se esse casamento foi uma decisão certa.”

Enouf sentia os olhos do ajudante em si, o garoto, apesar da pouca idade, examinava o chefe com sabedoria.

“Por quê?”

“Eu...” – o ferreiro suspirou, sentindo-se derrotado – “Não pensei que seria tão difícil.”

Tão difícil não tocar os fios dourados de Azure, sentir sua pele alva e macia, se perder naquele cheiro que ela tinha...

“Você deve lembrar do plano.” – Ulf disse – “Tudo ficará mais fácil com esse casamento. Nós poderemos invadir o castelo sem que Àki perceba.”

“Eu sei, eu sei de tudo isso, não irei desistir. O plano está de pé.” – Enouf garantiu, logo em seguida os dois continuaram trabalhando em silêncio absoluto.

Quando terminaram os trabalhos, Ulf foi para casa, enquanto Enouf se preparava para ver sua esposa novamente.  E ele estava perto de casa quando a viu.

Azure estava cuidando dos galhos de uma árvore quando ele ouviu o som de cascos de um cavalo correndo. Enouf olhou para a floresta e percebeu que o animal se aproximava cada vez mais rápido, na direção da princesa. A mulher parecia não perceber o perigo, por isso o homem resolveu agir. Correu em direção à esposa no mesmo instante que o cavalo apareceu entre as árvores.

Azure soltou a tesoura que segurava e esperou o destino, o cavalo atingiu a escada e Enouf aparou a queda da mulher. Os dois caíram abraçados no chão, o homem sentiu a pele ardendo devido ao contato com o chão, mas não se preocupou.  Ele fitou a esposa, que estava embaixo do seu corpo, aparentemente a princesa estava sem machucados.

“Você está bem?” – perguntou.

Ela assentiu. Enouf, sem perceber o que fazia, levou a mão ao rosto da esposa e o acariciou, desceu o toque pelo pescoço e ombros dela, sentindo a suavidade da pele de sua princesa.

“Eu não consigo respirar. Você é muito pesado.” – ela disse com dificuldade.

Foi o bastante para que o homem lembrasse de tudo e percebesse o que fazia, por isso levantou-se rapidamente e ajudou a mulher a fazer o mesmo.

“Você não está machucada?” – perguntou mais uma vez.

Ela negou apenas com um gesto de cabeça.

“PERCY!” – Enouf gritou e logo o cocheiro apareceu, correndo – “Percy! Um cavalo desnorteado quase feriu gravemente a princesa!”

“Perdão, senhor.” – o rapaz disse, olhando para o chão – “Perdão, Majestade.” – o coitado fez uma reverência nervosa – “O cavalo não é nosso. Eu o capturei, estava cuidando dele quando fui chamado. Acho que ele está com um ferimento na pata.”

“Tudo bem. Vou com você ver o animal.” – ele olhou uma última vez para a esposa e saiu acompanhando o empregado.

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