04

Quando Enouf saiu, a princesa permaneceu ali, vendo o homem enorme se afastando, sem olhar para trás. Pouco tempo depois, uma das jovens servas voltou e levou Azure para dentro da casa. Ao contrário de sua casa anterior, aquela era bem menor e tinha muito menos luxo. Os móveis de madeira eram simples, mas pareciam bem cuidados, o chão estava limpo e lustrado, o ambiente era muito agradável, apesar de toda a simplicidade.

A casa era muito ampla e bem arejada, não tinha nem um canto escuro, ao contrário do castelo em que morava, onde os cantos tinham que ser iluminados por tochas ou archotes.

“Vossa Majestade, vamos. O seu quarto fica lá em cima.” – a moça disse, fazendo uma reverência desengonçada, sem encarar Azure nos olhos.

Azure sorriu, aquela menina deveria ser da mesma idade dela, talvez um pouco mais velha, e antes que ela saísse, a princesa segurou seu braço, impedindo que a moça avançasse. Ela segurou, com delicadeza, o rosto da jovem serva e o ergueu, encarou brevemente  as íris verdes que insistiam em olhar para o chão e disse:

“Qual seu nome?”

“Kira.” – a jovem respondeu sem encará-la, fitando o chão.

“Kira, não precisa se dirigir a mim formalmente. Pode me chamar de Azure, aqui eu não sou princesa, sou a esposa de Enouf.” – falou o nome do marido quase cuspindo, mas a serva pareceu não perceber.

A moça fez uma reverência e as duas subiram as escadas. O andar de cima era amplo e com um corredor cheio de portas, as paredes brancas contrastavam com as portas de mogno pintadas de preto. Tudo parecia um pouco sombrio.

Elas andaram até o quarto no fim do corredor, Kira abriu a porta e Azure se viu num cômodo amplo e arejado, com uma cama de dossel com colchas brancas no centro, um guarda-roupa e uma pequena escrivaninha no canto do quarto.

Azure tentou perceber se aquele também era o quarto do seu marido. Não queria dividir o mesmo espaço com aquele homem estranho.

“Onde deixo minhas coisas?” – perguntou Azure. A serva foi até o guarda-roupa e o abriu, o móvel estava vazio, o que aliviou a moça, então Enouf não ficaria naquele quarto com ela.

“O quarto do sr. Lupin fica aqui ao lado.” – a jovem se dirigiu a uma porta e abriu – “Essa porta leva aos aposentos do chefe.”

Azure assentiu e tentou disfarçar o frio na barriga ao imaginar que o homem estaria tão perto dela e poderia reivindicar seus direitos como marido quando quisesse.

A porta foi aberta e o cocheiro entrou, trazendo as malas de Azure. O rapaz fez uma reverência para a princesa e saiu, sem dizer nada.

“Percy não é de falar muito.” – Kira disse enquanto puxava uma das malas e começava a retirar os vestidos de Azure e guardar no móvel.

Azure sentou-se na cama e segurou o choro ao imaginar que agora sua vida seria ali, naquela casa, com aquele homem estranho sendo seu marido. Não veria mais as irmãs e nem o pai...

Não sabia se aguentaria por muito tempo.

Quando a empregada terminou a arrumação, Azure ficou sozinha no quarto. A noite já estava alta e a qualquer momento seu marido poderia entrar e exigir seus direitos. Aquilo deixava a jovem princesa apavorada.

Como poderia entregar seu corpo a um homem que nem conhecia?

E pior, entregar-se àquele homem que lhe causava medo?

Olhou para a janela que havia ali no quarto e pensou em fugir. Fugiria para bem longe, para algum reino vizinho e se salvaria da ruína.

Mas e seu pai? Suas irmãs? A paz no reino de Albero Blu dependia daquele casamento, da felicidade de Enouf, mesmo que isso significasse a morte para ela.

Azure respirou fundo e decidiu encarar o destino. Era uma princesa, uma mulher da realeza não poderia agir com covardia. Sempre soube que não teria aqueles contos de fadas que lia sempre, nunca se casaria por amor, mas por interesses do reino. Não fugiria, não decepcionaria seu pai, suas irmãs e nem seu reino.

Abriu a porta do guarda-roupa e tirou de lá a camisola de seda, cor de pérola que Melina colocara ali. Era uma, peça a ser usada em sua noite de núpcias, para entregar seu corpo e seu destino ao marido.

Sentou-se na ponta da cama e, segurando a peça nos braços, chorou. De medo, insegurança, pavor...

Ela não tinha nenhuma parente mulher mais velha para orientá-la. Como ia saber o que esperar? Só sabia o que lera nos livros de romance ou naqueles de biologia que eram área proibida da biblioteca do pai, mas que Azure sempre espiava quando podia.

Sabia que era pedir demais, uma vez que os casamentos na nobreza não aconteciam por amor, mas por interesse, exceto, claro, nos livros de romance, mas o pai não poderia ter encontrado um noivo menos assustador?

Como Azure ficaria tranquila com aquele homem bruto dormindo no quarto ao lado?

E se ele quisesse reivindicar seus direitos de marido, ela não poderia se opor. De jeito nenhum.

Chorou por alguns minutos, deixando de ser a princesa, para ser apenas uma jovem mulher assustada, uma menina inexperiente com medo das consequências de um casamento arranjado. Naqueles poucos minutos abandonou sua atitude principesca e chorou desesperada, angustiada. Permitiu que as lágrimas que segurava desde o dia anterior, saíssem livremente. Precisava aliviar suas mágoas ou então não suportaria.

Quando se acalmou, limpou as lágrimas, deixou a camisola nupcial na cama e foi até o banheiro. Abriu a torneira e logo a água quente enchia a banheira. Ela jogou algumas ervas que havia ali no balcão dentro da água, retirou a roupa e entrou, deixou o rosto submerso por alguns poucos segundos e logo emergiu. Ficou ali, observando o teto por um longo tempo, até a água esfriar.

Ao sair do banheiro, minutos mais tarde, trajando a camisola, pegou um dos livros que levara com ela, um cheio de mistérios, mas também com um pouco de romance, sentou-se na cama e esperou o que aconteceria a seguir.

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