Azure estava sentada sob a enorme copa de uma árvore milenar. As folhas azuis se mexiam conforme a direção da brisa fresca que tomava conta do ambiente, o cheiro das flores enchia a atmosfera, deixando tudo mais agradável.
Albero Blu era um reino quase mágico, um lugar arborizado e aprazível, iluminado, cheio de árvores, flores e animais diferentes, como unicórnios. Cada ser vivo daquele lugar era especial e valioso, espécies raras.
Azure, a filha mais velha do soberano Àki, gostava de andar pelo reino, sempre com um livro na mão, enquanto saudava os moradores. Muitas pessoas a tratavam com educação e simpatia, mas a jovem princesa percebia que outros cidadãos olhavam para ela com desgosto e viraram o rosto quando passava. Não entendia a razão, uma vez que fazia o possível para ser agradável com todos.
Naquele dia ela tinha um livro de suspense nas mãos, Azure adorava a adrenalina e a tensão de saber a resolução do mistério da trama, faltavam poucas linhas para tudo ser revelado, por isso precisava do máximo de atenção nas linhas que lia. Seus enormes olhos azuis-claros estavam arregalados e atentos às palavras quando algo a interrompeu.
“AZURE, VOLTE IMEDIATAMENTE PARA O CASTELO!”
O rosto e a voz do pai surgiram na página do livro e a princesa fez um muxoxo. O que seria tão importante que o pai a chamava com urgência? Ele não poderia ter esperado um pouco mais?
Talvez não fosse tão importante e ela pudesse ler um pouco mais, o pai sempre era muito apressado.
“AZURE, AGORA!”
A voz falou novamente e ela levantou-se, contrariada.
Fechou o livro, levantou-se do lugar em que estava e foi direto para casa, um castelo que poderia ser visto por toda a cidade devido ao seu tamanho imponente.
Quando chegou na entrada, sorriu para os homens que ladeavam a porta, entrou e foi direto à sala do trono, onde o pai, um homem de cabelos cinzentos e olhos azuis, estava sentado numa cadeira de espaldar alto.
Azure perdera a mãe quando sua irmã mais nova nascera, ela tinha seis anos e não lembrava muito da genitora, seu pai sempre fora seu Norte, sua força e nunca ousara questionar nada que vinha dele, sabia que todas as decisões tomadas por Àki era para o bem dela e do reino. Ela encarou o homem, que estava sério (como sempre) e se dirigiu ao monarca.
“Me chamou, papai?”
“Sim, querida.” – disse, a voz rouca que retumbou pelas paredes de pedra, dando-lhe mais autoridade – “Venha aqui.”
Ela andou até o homem e fez uma pequena reverência quando ficou a poucos metros de distância. Ajoelhou-se diante do pai, como fazia sempre e esperou.
“Minha filha, você sabe que a situação entre no nosso reino não está nada bem. A população anda insatisfeita com meu governo, eles estão agindo por insurreição. Chegamos a uma situação insustentável.”
Azure sabia que os cidadãos de Albero Blu reclamavam do pai, embora ela achasse injusto. Àki era um rei bom, que cuidava de tudo. Como as pessoas poderiam ser tão ingratas?
O pai lhe dissera que, na verdade, a população queria destruir o reino, explorar as riquezas e comercializar as espécies raras de plantas e flores, por isso ele agia com rigidez, para proteger as riquezas naturais do lugar.
“Nós estamos tentando evitar uma guerra civil há muitos anos, antes mesmo de você nascer.” – o rei Àki se levantou, revelando um homem muito alto, forte e, naquele momento, preocupado. Ele trajava calças de montaria negras e camisa branca, além do manto vermelho da realeza. O soberano andava de um lado para o outro, as mãos para trás, enquanto falava.
“Conversamos com os líderes deles e enfim conseguimos um acordo.”
Azure levantou-se do chão e foi até o pai, feliz por essa notícia tão maravilhosa. O fim dos conflitos faria bem ao reino, todos viveriam mais tranquilos, sem o medo de que tudo fosse destruído a qualquer momento. Antes que pudesse abraçar o pai, o homem a deteve com um simples gesto de mão.
“Espere, filha.” – ele a fitou e a jovem percebeu haver algo errado, apesar das boas novas – “Infelizmente há um preço a ser pago pela paz.”
“Qual, papai? Acredito que nada seja tão caro que não possamos pagar.” – Azure disse, confusa ao ver o rosto sisudo do soberano.
Pai e filha se encararam por alguns segundos, os olhos azuis, claros como o gelo, sempre tão parecidos, refletiam sentimentos distintos: enquanto os de Azure expressavam confusão, o olhar dele era pesaroso.
“Bem, minha filha, infelizmente, esse preço que devemos pagar é bem alto, mas acredito que seja por um bem maior, por isso justificável.”
“Qual é, pai?” – perguntou, um pouco nervosa.
“Bem...” – o homem suspirou – “A paz será selada desde que você se torne esposa do líder deles.” – ele virou para um homem que estava na sala, calado, apenas vendo a interação entre pai e filha – “Sr. Enouf Lupin.”
Azure viu o homem, que estava escondido pelas sombras do enorme salão, vir à luz. Ela deu um passo para trás ao perceber como ele era alto e forte, seu rosto moreno tinha olhos castanhos sérios e uma barba espessa e bem aparada de uma ponta a outra. Os cabelos do estranho eram longos e negros, estavam soltos e pareciam não ver uma escova há muito tempo. O desconhecido tinham uma estranha aparência de um leão com aquele tamanho e aquela juba imponente.
Ele parecia uma fera selvagem, daquelas que ela lia nos livros de contos infantis. Um daqueles monstros assustadores que poderiam atacá-la a qualquer momento.
A estranha criatura trajava calça preta de linho e uma camisa branca de mangas, do mesmo material. Ele era largo demais nos ombros e parecia bastante desconfortável naquelas roupas.
“Olá.”
A voz rouca e, que parecia mais um rugido, reverberou pelas paredes, fazendo a espinha de Azure ter calafrios.
“Eu...” – Azure desviou o olhar da criatura e fitou o pai – “Eu não posso, papai. Não posso me casar com ele... ou com mais ninguém.”
A princesa não tinha sonho de casamento, ela sempre fora uma criatura prática, apesar de tudo. Sabia que era a herdeira natural do trono de Albero Blu, por isso tinha consciência que não se casaria por amor, apenas por interesse, mas até onde sabia, casaria com um da sua espécie, não com um monstro.
Aquele homem... ele não parecia humano. Ele parecia um ser bestial, grande demais, carrancudo, a voz era um rugido. Como o pai poderia acreditar que seria bom um casamento entre eles dois?
“Azure, você, como minha filha mais velha, a princesa herdeira, você deve se casar com quem eu determinar.” – o monarca disse, resoluto. Seu tom não admitia questionamentos, aquele era apenas um aviso de casamento, não um pedido.
Azure sabia que teria um casamento arranjado, mas nunca imaginou que seria daquele jeito.
Aquele ser a destruiria, com certeza.
“Papai... por favor...” – ela se ajoelhou aos pés do grande monarca, pegou sua mão e suplicou – “Não me obrigue a isso.”
Sentiu a mão do pai sobre seus cabelos.
“Não há mais o que fazer, Azure.” – ele lamentou – “Você se casará com ele amanhã, ao amanhecer.”
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Durante a noite, Azure e suas irmãs, Melina e Diamanda, tentaram buscar alguma alternativa para que o enlace não acontecesse, porém, as princesas sabiam que era dever delas obedecer ao pai e garantir a felicidade do reino. Se fosse necessário sacrificá-las, então seria feito, desde que o reino estivesse bem.“Irmã, por que você não foge?” – Diamanda, a mais nova e mais rebelde das três, disse – “Nós podemos ajudá-la nisso. Eu arranjarei roupas de homem, você pode sair daqui escondida no carro que nos traz alimentos. Eu tenho algumas joias, Mel também, você pode viver longe daqui.”“Não posso, Didi. Papai me acharia em qualquer lugar que eu estivesse. E, se eu não estiver aqui, ele obrigará Melina ou você a casar com esse homem.” – ela olhou para o vestido branco que uma serva pendurou na porta do armário do quarto. Era um traje de casamento, feito da seda mais fina que poderia ser encontrada. A saia tinha pequenos brilhantes que haviam sido costurados à mão pelas costureiras do reino.
Enouf não conseguia se sentir confortável naquela roupa estranha que foi obrigado a vestir, tentava remexer os ombros, mas nada adiantava. O terno negro parecia pequeno demais para seus ombros largos e aquela gravata lhe enforcava todo tempo.O homem observava sua noiva dançando com os convidados. Ela era simpática com todos, menos com ele. Enouf percebia o olhar assustado toda vez que a jovem princesa olhava para ele. Provavelmente Azure imaginava que ele a violentaria assim que estivessem sozinhos.Aquele homem com aparência bestial não ficava surpreso com esses preconceitos, já estava habituado a isso, mas o olhar de sua (agora) esposa deixara Enouf chateado. Ele não entendia a razão, não estava apaixonado por ela, aquele casamento era parte apenas de um plano, de um bem maior, as opiniões de sua noiva sobre ele não deveriam lhe atingir.Mas atingia.Algo em Enouf queria que Azure lhe fitasse com amor, do mesmo jeito que ela olhava para o pai e as irmãs. Ele gostaria de ser o motiv
Quando Enouf saiu, a princesa permaneceu ali, vendo o homem enorme se afastando, sem olhar para trás. Pouco tempo depois, uma das jovens servas voltou e levou Azure para dentro da casa. Ao contrário de sua casa anterior, aquela era bem menor e tinha muito menos luxo. Os móveis de madeira eram simples, mas pareciam bem cuidados, o chão estava limpo e lustrado, o ambiente era muito agradável, apesar de toda a simplicidade.A casa era muito ampla e bem arejada, não tinha nem um canto escuro, ao contrário do castelo em que morava, onde os cantos tinham que ser iluminados por tochas ou archotes.“Vossa Majestade, vamos. O seu quarto fica lá em cima.” – a moça disse, fazendo uma reverência desengonçada, sem encarar Azure nos olhos.Azure sorriu, aquela menina deveria ser da mesma idade dela, talvez um pouco mais velha, e antes que ela saísse, a princesa segurou seu braço, impedindo que a moça avançasse. Ela segurou, com delicadeza, o rosto da jovem serva e o ergueu, encarou brevemente as í
Enouf ficou na ferraria até a madrugada. Sentia os músculos das costas doloridos, a exaustão era necessária naquele momento. A casa já estava imersa na escuridão quando ele entrou, o rapaz subiu as escadas em silêncio e foi para seu quarto.O jovem ferreiro tirou o casaco e se olhou no espelho. O rosto estava sujo da fuligem, os cabelos desgrenhados, a barba chamuscada, a camisa com algumas marcas de ferro.Enouf não conseguia esquecer Azure, seu rosto assustado, seu olhar de medo quando ele se aproximou demais. O homem também não esquecia seu cheiro doce e delicado de rosas. Levou as mãos à cabeça e deu um rugido de raiva.Não poderia se envolver com a princesa.Não poderia deixar se envolver com ela.Olhou para a porta que ligava seu quarto ao dela e, automaticamente, foi até lá. Quando colocou a mão na maçaneta pensou se deveria ou não entrar ali.Era o quarto de sua esposa, mas aquela era sua casa.É claro que ele tinha direito!Entrou e encontrou Azure dormindo. A jovem princesa
Azure observou Enouf se afastando, ainda com o coração muito acelerado.Não havia percebido o perigo que corria com a aproximação do cavalo selvagem, estava muito concentrada nos cuidados do jardim. Ela adorava cuidar das plantas, ficava tão envolvida pela natureza à sua volta que esquecia do resto do mundo. Se não fosse pelo marido, não sabia o que poderia ter acontecido com ela.Lembrou da forma como o homem a acolheu em seus braços, protegendo-a do perigo iminente. A pressão do corpo dele, mesmo sentindo todo seu peso não era desagradável, pelo contrário. O calor agradável do corpo másculo, o cheiro masculino... era reconfortante.Azure piscou várias vezes, tentando voltar à consciência. Deus, tinha enlouquecido?Só poderia estar louca ao pensar que o abraço daquele homem bruto era agradável. Provavelmente tinha batido a cabeça no solo e nem percebera, aquilo explica a ausência de bom-senso. “Senhora?” – a voz de Kira trouxe Azure de volta ao presente – “Você está bem?”“E