OS PATINS

O tédio tomou conta de mim, eu odiava não ter o que fazer, meu corpo era como uma lâmpada, apagada eu não serviria para nada, eu precisava iluminar o local.

Curiosa fui conhecer cada pedaço da mansão do Lobo, havia muitos quadros barrocos pela casa, tudo era bem antigo e refinado, no jardim havia esculturas brancas de anjos, a grama era padronizada, parecia que eu estava em um filme de época, a diferença é que haviam seguranças armados por todos os lados.

O tour pela casa logo me cansou, não consegui ver todos os quartos, tudo estava muito metódico para mim, até que uma ideia surgiu na minha cabeça, então me aproximei de um dos seguranças e disse:

— Consegue um aparelho de som?

— Preciso verificar. — O segurança disse sério.

— Verificar? — Eu disse nervosa. — Eu sou uma visitante especial, quer que eu mande o Lobo acabar com você? — Eu me aproximei olhando friamente em seus olhos.

— Irei providenciar. — O segurança disse engolindo seco.

— Também quero os patins que estão dentro do meu “trailer”. — Eu disse maliciosamente.

Não demorou muito para colocar a ideia em prática, subi até o meu quarto e peguei um biquíni que estava em uma das sacolas de roupas, escutei batidas na minha porta e abri animada.

— Aqui está o que me pediu. — O segurança disse com um aparelho de som em um braço e os patins no outro.

— Obrigada. — Eu fechei a porta rapidamente e corri para colocar o biquíni.

Após colocar o biquíni, e calçar os patins, me desanimei ao ver som, para usar precisaria de um pendrive ou um celular, sai do quarto patinando até o segurança que ficou sem jeito ao me ver e pedi para fazer o som funcionar.

Ele fuçou o som, e colocou em uma playlist aleatória, começou a tocar Cyndi Lauper - Girls Just Want To Have Fun, animada comecei a patinar pela mansão com o som alto, os seguranças observavam de forma suspeita, alguns falavam algo no rádio, eu os ignorei e continuei patinando e cantando.

Fiquei patinando em volta da piscina, até que avistei o Lobo, ele estava furioso, os seguranças logo mudaram a sua postura, e ele então pegou o rádio da minha mão e jogou na piscina.

— Ei. — Eu gritei nervosa.

— O que pensa que está fazendo? — Ele me olhou de cima a baixo com fúria.

— Eu só queria me divertir. — Eu olhei triste para o rádio na água.

— Pensa que veio para se divertir? — Ele disse me dando um cutucão no ombro. — Você não está de férias, está pagando a sua dívida. — Ele me empurrou na piscina com raiva, e por impulso o puxei junto.

Eu comecei a rir da situação, mas ele continuava furioso, um bolo de dinheiro começou a boiar, e alguns papéis que deveriam estar no seu terno.

— Você tem noção do que acabou de fazer? — Ele gritou furioso saindo da piscina. — Rápido recolham os papéis. — Ele disse e rapidamente os seguranças pularam na piscina, sem graça eu saí da piscina.

— Desculpa, eu não fiz de propósito. — Eu disse cabisbaixa.

— Está meio tarde para se desculpa. — Ele se aproximou e apertou meu braço. — Você só pensa no seu umbigo, por isso abandonou a sua mãe em um hospital, sua egoísta. — Ele disse ríspido.

— Me solta. — Eu disse nervosa tentando puxar o meu braço.

— O que foi? — Ele apertou com mais força. — Não consegue ouvir a verdade? — Ele me olhou com desprezo, e apertou o meu braço com mais força. — Você só sabe arrumar problemas, eu deveria ter te matado.

Ele soltou o meu braço, e eu corri aos prantos até o meu quarto, eu estava com ódio, tirei os patins e me joguei na cama. Eu não queria fazer nada além de ficar no quarto chorando, comecei a lembrar da minha família, e do quanto eu fui irresponsável com eles. Eu sentia raiva de mim mesma, sentia impotência, era como se eu me envolvesse em uma bolha naquele momento, eu estava ciente dos meus erros, mas o Lobo havia sido muito rude, eu queria odiá-lo, mas eu não conseguia.

Passei o dia todo no quarto, eu chorava e sorria a cada lembrança que vinha à mente, eu estava exausta, me levantei e olhei de canto para a janela, e avistei o Lobo bem nervoso ao telefone, ele me viu de relance e logo me afastei das cortinas.

Eu precisava relaxar com um banho quente, preparei um banho relaxante de rosas, enfeitei a banheiro como um ‘spa’, e me aconcheguei aproveitando cada segundo do banho.

Fui interrompida com batidas na porta, eu as ignorei, até que elas ficaram mais altas, o segurança paciente disse do outro lado da porta: — Senhorita o jantar está pronto!

— Eu não estou com fome. — Gritei nervosa.

— Você tem cinco minutos para descer. — O Lobo gritou irritado.

— Eu já disse que não vou. — Gritei novamente.

Continuei os ignorando, e fechei os olhos para relaxar, até que escutei um estrondo e com o susto quase me afoguei na banheira, o Lobo veio correndo e eu me escondi envergonhada na espuma.

— Se quer me matar é só dizer. — Eu disse recuperando o fôlego.

— Não sabia que estava no banho. — Ele disse envergonhado se virando de costas.

— Eu já disse que não estou com fome. — Me levantei da banheira e coloquei o roupão.

— Eu não devia ter dito aquelas coisas. — Ele disse sem jeito. — Me exaltei por um momento. — Ele tossiu limpando a garganta.

— Eu não consigo odiar você. — Eu toquei em seu ombro. — Você tem razão abandonei a minha família, mas você não entende o medo que eu senti quando fiz aquilo.

— Eu a julguei mal. — Ele se virou e engoliu seco. — Eu sinto muito pela sua família.

— Está tudo bem, depois que eu roubei você as coisas melhoraram. — Eu sorri descontraída.

— Precisava me lembrar disso? — Ele disse sério.

— Precisava. — Eu o abracei, e ele ficou parado sem jeito. — E é assim que pessoas normais de desculpam. — Eu o soltei, e ele ficou vermelho.

— Eu te espero para o jantar. — Ele disse engasgado enquanto saia sem graça.

— O que deu nele? — Eu me perguntei confusa. — Droga, ele deve ter entendido mal, péssima hora para ser gentil. — Eu disse dando tapinhas na minha testa.

Me arrumei para o jantar, e ao sair do quarto notei o estrago que ele havia feito para entrar, ignorei aquilo e desci até a sala de jantar. A mesa estava linda, com muita variedade de comida, as frutas e flores chamavam a atenção, o Lobo estava elegante, tinha até trocado o terno, ele se sentou na ponta, eu me aproximei e me sentei na lateral.

— Eu estou faminta! — Eu disse animada.

Ele deu um sorriso torto, e eu comecei a devorar tudo sem muita cerimônia, comia tudo com muito gosto, e a cada colherada eu gemia de felicidade apreciando cada prato.

— Como consegue comer tanto? — O Lobo me olhou confuso.

— Eu vou te ensinar uma coisa. — Eu disse animada. — Eu assisti isso no Ratatouille. — Peguei um pedaço de queijo, coloquei a uva no meio e um pedaço de morango.

— Mas Ratatouille é um prato francês. — Ele disse com desprezo.

— É algo que o ratinho faz no filme, eu sempre quis fazer isso. — Eu entreguei para ele, e ele pegou sem jeito e colocou na boca, e apreciou.

— Até que não é ruim. — Ele deu um gole no vinho em seguida.

— Eu preciso experimentar! — Eu disse animada montando a uva, o queijo e o morango. — Isso é incrível! — Eu dei um gritinho, empolgada.

O jantar foi divertido, o Lobo era como um irmão mais velho, ríspido, mas gentil, terminamos o jantar e eu fui caminhar pelo jardim enquanto o Lobo trabalhava em seu escritório.

O jardim tinha uma beleza incomum, era bonito e assustador em simultâneo, caminhei até a fonte central e avistei uma mulher de aparência pálida andando no final do jardim, ela sorriu para mim e então eu a segui, até que a perdi de vista.

Voltei para a casa, e a porta do escritório do Lobo estava aberta, curiosa olhei pela brecha, um homem de terno branco disse para ele: — Tome esse comprimido meia hora antes de dormir, você precisa se cuidar. — O homem entregou um frasco de comprimidos que estavam em sua maleta.

— Obrigada Doutor. — Ele se levantou e deu um aperto de mão no homem.

E então fui interrompida com o Mike fechando a porta na minha cara, esse era o jeito do Mike me dizer que eu não era bem-vinda, esperei o médico sair com o Mike, e bati na porta do escritório.

— Entre! — O Lobo disse, e eu entrei rapidamente. — O que você quer? — Ele disse olhando para o computador.

— Está doente? — Eu me aproximei e arregalei os seus olhos.

— Não sua maluca. — Ele disse me empurrando.

— Então por que vai tomar remédios? — Eu olhei séria.

— Isso não é da sua conta. — Ele se manteve concentrado olhando para o computador.— Por que precisa de remédio para dormir? — Eu disse olhando para o frasco que estava na sua mesa.

— Já disse que não é da sua conta. — Ele se aproximou e tomou o remédio da minha mão.

— Sabia que esse remédio tem efeitos colaterais que afetam a memória? Pode até causar parada cardíaca. — Eu disse baixinho. — Eu posso te ajudar a dormir. — Sussurrei.

— Como? — Ele perguntou curioso.

— Quando for dormir me chame, eu vou até o seu quarto e te ajudo. — Eu sorri e dei um cutucão em seu braço.

— Está supondo que vai dormir comigo? — Ele disse nervoso. — Está tentando me seduzir? — Ele se afastou e foi até o computador nervoso. — Esquece eu prefiro tomar o remédio. — Ele sacudiu o frasco do remédio nervoso.

— Não seja ridículo, eu estou apaixonada por outro homem. — Eu gritei nervosa. — Você nem é o meu tipo. — Cruzei os braços com desprezo.

— Você também está longe de ser o meu. — Ele colocou o frasco de remédio na mesa, e começou a digitar no computador.

— Se quiser a minha ajuda, eu estarei no meu quarto. — Eu disse nervosa batendo a porta do escritório.

Como eu poderia gostar de um homem tão antiquado e grosseiro, o Bruce sim, parecia ser o meu tipo, bonito, elegante, e gentil.

Subi para o meu quarto e novamente avistei a mesma mulher pálida com sorriso no rosto, ela atravessou rapidamente para os corredores e eu corri atrás, até que a perdi de vista.

Nada me tirava da cabeça que aquilo era um fantasma, mas o que ela queria? Seria ela o motivo da insônia do Lobo? A curiosidade estava me sufocando, eu queria respostas.

Entrei no quarto e coloquei o pijama, me sentei na cama e disse em voz alta: — Você está aqui agora? — Me levantei e fui até o banheiro. — Por que tentou me afogar? — A janela acabou abrindo e um vento muito forte entrou no quarto. — Não precisa ficar nervosa, não sou má pessoa. — Tomei um susto ao escutar batidas na porta.

Abri a porta e lá estava o Lobo de roupão de seda preta e chinelos, ele parecia exausto.

— Com quem estava conversando? — Ele perguntou coçando os olhos.

— Eu falo sozinha às vezes. — Eu sorri enquanto fechava a janela. — Eu estou curiosa, esse quarto era de alguém?

— Era da minha mãe, tem algo errado com ele? — Ele disse sério.

— É bonito. — Eu disse me aproximando dele. — Vamos, vou te ajudar a dormir. — Eu dei um sorriso de orelha a orelha.

— Eu só vim porque estou com o estômago sensível hoje. — Ele disse friamente. — Então não fique animadinha.

Eu o olhei com desprezo, e então fomos até o seu quarto, e para a minha surpresa ficava no mesmo corredor, o seu quarto era uma suíte grande, com cortinas longas e vermelhas, uma cama que caberia facilmente três pessoas, havia uma escrivaninha de madeira esculpida a mão com muitas armas em cima.

— Você é tão antiquado. — Eu disse cutucando o escudo.

— Não toque em nada. — Ele me puxou pelo braço me afastando do escudo.

— Não precisa ser estúpido. — Eu soltei o meu braço dele.

Peguei a cadeira que estava com a escrivaninha e coloquei do lado da cama, e então dei uma batidinha na cama para ele vir, ele veio e se sentou na cama e eu disse: — Se deite e feche os olhos.

— Eu não confio em você, tem armas aqui. — Ele me olho sério.

— Tem muitos seguranças aqui, se algo acontecer com você, serei a principal suspeita. — Eu disse nervosa. — Agora feche os olhos. — Eu me aproximei e quando eu ia tocar em seus olhos ele segurou o meu pulso.

— Desculpe. — Ele olhou para o roxo que estava no meu braço por conta do incidente da piscina.

— Não se preocupe, as feridas do corpo se curam mais rápido do que as do coração.

Ele sorriu, e então me levantei e apaguei as luzes, deixando apenas a do abajur ligada, me voltei para a cadeira e ele fechou os olhos, eu peguei a sua mão e apertei suavemente cada dedo por alguns segundos e eu disse: — Vou te contar uma história.

— Estou ouvindo. — Ele disse calmamente.

— Quando eu era pequena o meu pai sempre me contava histórias. — Ele respirou fundo e eu continuei. — A minha preferida era a da mamãe ursa. — Eu massageei de leve a sua mão. — Era uma vez uma ursa, ela queria muito ter um filhote, mas não tinha um parceiro. Certa vez ao andar pela floresta ela encontrou um bebê humano abandonado em meio as árvores, a ursa teve um apreço muito grande pelo bebê, ela então o levou para ser o seu filhote. O bebê rapidamente foi crescendo, a mamãe ursa o protegia de todos os animais da floresta, o bebê foi alimentado e criado com muito carinho. Quando o bebê estava completando sete anos a mamãe ursa foi ensiná-lo a caçar, e ele se perdeu da floresta. Alguns camponeses que passavam por ali o encontraram e o resgataram lhe dando água e comida, a criança acabou sendo adotada por esses camponeses, já a mamãe ursa o procurou incansavelmente, até envelhecer. O bebê se tornou um jovem caçador, e em uma de suas caçadas pela floresta, ele acabou encontrando a mamãe ursa, contente ela correu até ele, mas com medo ele atirou nela a matando. O jovem não a reconhecia mais, já a mamãe ursa nunca havia deixado de procurá-lo, muito menos o esquecido. — Eu soltei a sua mão. — Sabe qual é a moral da história? — Eu o olhei e ele continuava de olhos fechados.

— Seja grato e não mate a sua mãe? — Ele disse abrindo os olhos.

— Não crie os filhos de outra pessoa. — Eu comecei a rir e ele me olhou sério e eu continuei. — A gratidão é uma faca de dois gumes, muitas vezes as pessoas se esquecem do bem que fizemos a elas, e acabamos nos machucando com isso.

— A história foi interessante, mas não consegui dormir. — Ele respirou fundo irritado.

— Logo você vai cair de sono, vou ficar aqui até você dormir. — Eu soltei a sua mão, e ele fechou os olhos desconfiado. — Relaxe, nada vai acontecer.

Ele fechou os olhos e respirou fundo, não demorou muito para que o sono viesse, ele dormiu profundamente. Parecia um anjo dormindo, seus lábios estavam rosados, e a sua pele pálida contrastava com seu cabelo negro, ele tinha uma pinta bem pequena no queixo. Fiquei o admirando a sua beleze até que peguei no sono, e dormi sentada na cadeira.

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