Sempre achei que fosse uma viajante neste mundo, mas no fundo eu apenas fugia como um animal acuado com medo de ser vista pelos humanos, sempre que as responsabilidades vinham à tona eu corria como se o tempo e espaço não existissem.

E para isso eu tenho a minha própria casa de rodas, aliás a minha amiga e companheira de estrada Lisa, além de um belo trailer a Lisa faz a mágica acontecer literalmente, aqui recebo os meus clientes que desejam ver o futuro, essas pobres almas desesperadas em busca de uma pequena gota de esperança.

Escutei batidas insistentes na porta, me remexi na cama tentando ignorá-la, mas a visita não pretendia ir embora, me arrastei até a porta e afastei levemente a cortina, e a fechei rapidamente para não ser vista.

- Maya, eu te vi. – O Mike disse furioso dando dois socos na porta. – Não espere muito, é fácil derrubar essa porta.

- Eu já vou. – Eu disse correndo para o banheiro. – Eu só preciso colocar uma roupa. – Eu disse enquanto corria para escovar meus dentes, me olhei no espelho, e me desanimei com a minha aparência cansada, logo em seguida penteei meu longo cabelo.

Coloquei o meu roupão, e fui até a porta e a abri de uma forma sedutora, mas ele me ignorou entrando na minha casa sem muita cerimonia.

- Pensei que estaria vestida. – Ele disse me entregando um café com desprezo.

- É que eu precisava arrumar a casa antes de você entrar. – Eu disse graça colocando o cabelo atrás da orelha, logo em seguida peguei o café de suas mãos.

- A casa está uma bagunça. – Ele disse erguendo uma de suas sobrancelhas e olhou tudo em volta detalhadamente.

- Você por acaso pretende comprar o meu trailer? Por que está me analisando? – Eu disse nervosa.

- Se não pagar o que deve ao Lobo Negro, vou levar essa lata velha comigo. – Ele disse e logo em seguida deu um gole no seu café fazendo uma cara feia.

- Que nome mais ridículo. – Eu Sussurrei.

- O que disse? – Ele disse nervoso tirando uma faca do seu bolso.

- Eu disse que eu vou pagar tudo. – Eu sorri sem graça, e ele se aproximou com a faca.

- Estou sendo muito gentil, eu poderia até levar um dedo seu hoje. – Ele disse se aproximando com a faca no meu rosto.

- Preciso dos meus dedos para trabalhar e pagar a dívida. – Eu disse engolindo seco.

- Te vejo daqui sete dias. – Ele se afastou e olhou tudo em volta com desprezo novamente

- Mas sete dias é muito pouco, não poderia me dar mais tempo? – Eu disse desesperada.

- Não devia ter se envolvido com a máfia. – Ele saiu e batendo a porta.

Gritei nervosa esfregando a cabeça, dei um último gole no café que desceu queimando na garganta, peguei as roupas do chão e comecei a organizar o trailer, e então resmunguei bem alto:

- Quem ele pensa que é para falar de você Lisa? Aquele idiota não serve para ser mafioso, quem traz café e depois fala que vai cortar o dedo de alguém? – Eu respirei fundo, e depois dei um grito bem alto nervosa. – Como vou pagar? – Depois recuperei o fôlego, eu precisava pensar em uma solução.

A exatamente dois anos conheci o Mike em um bar em Dallas, ele estava com uma bolsa de couro ao seu lado que me chamou atenção, me aproximei e ele foi bem frio, então eu disse que leria a sua mão, e mesmo cético ele esticou a sua mão e em um momento de distração eu peguei a sua bolsa de couro e fugi até um beco escuro próximo ao bar, quando abri a bolsa me surpreendi com a quantidade de dinheiro que havia dentro, eu pensava que aquilo resolveria todos os meus problemas, era a minha sorte grande.

Eu fugi de Dallas, e voltei para Austin para resolver algumas pendências familiares, fui até o hospital em que a minha mãe estava internada e paguei todas as despesas dela, mas não tive coragem de vê-la, apenas fiz o que eu deveria ser feito a muito tempo. Era o mínimo já que eu havia fugido, e abandonado a minha mãe e a minha irmã com muitas dívidas, a minha irmã Beth havia pegado até um empréstimo do banco para quitar as dívidas de jogo que o papai havia feito em vida, ela desistiu de todos os seus sonhos para cuidar da família, enquanto eu vivia nos bares, e festas.

Então resolvi deixar a bolsa com o restante do dinheiro para ela, com um bilhete escrito: “PAGUE A DÍVIDA DO BANCO, E DO PAPAI, E POR FAVOR VIVA A SUA VIDA”.

Eu bati na porta e me escondi atrás de um arbusto, a minha irmã abriu a porta, e se deparou com a bolsa, ela olhou o bilhete, e uma lágrima caiu do seu rosto, ela então pegou a bolsa e a colocou para dentro da sua casa, e foi a última vez que eu a vi.

Tudo parecia perfeito, até que o Mike me encontrou em um bar em Vegas, eu tentei fugir com a Lisa mas ele foi mais rápido e acabou me colocando em um carro com um saco na cabeça, e então ele desceu do carro e me arrastou até uma praça escura e naquele momento eu pensei que tudo estaria perdido, era o meu fim, até que o Mike tirou o saco da minha cabeça e disse:

- Cadê o dinheiro do Lobo Negro?

- Eu gastei tudo, sinto muito. – Eu disse sem graça, enquanto a luz forte do carro quase me cegava.

- É impossível gastar aquela quantia tão rápido. – Ele gritou e se aproximou com um revólver na minha cabeça. – Onde está o dinheiro?

- Acabou tudo. – Eu sussurrei com medo.

- O que eu devo fazer? – Ele sorriu e tirou a arma da minha cabeça e andou em círculos enquanto outros dois homens me seguravam pelos braços. – Devo levar algum órgão para Lobo? – Ele riu alto. – Quanto vale uma córnea desses lindos olhos? – Ele se aproximou tirando uma faca do seu bolso a aproximando dos meus olhos.

- Eu usei o dinheiro para pagar o hospital para a minha mãe, eu juro. – Eu gritei em desespero. – Eu posso ir pagando aos poucos. – Eu disse tentando me soltar, mas sem sucesso.

- Eu quero a grana toda. – Ele gritou nervoso. – Matem essa garota idiota. – Ele ordenou para os dois homens.

- Espera. – Eu gritei, e ele me olhou sério. – Me matar não vai trazer o seu dinheiro de volta, viva eu sou mais útil. – Eu sorri desesperada.

- Você não faz ideia de onde está envolvida. – Ele sorriu e fez um sinal para os dois homens me soltarem. – Estaremos na sua cola, até que pague essa dívida.

E foi assim que eu fiquei presa a máfia do Lobo Negro, e estou pagando essa dívida desde então. O Lobo cortou as minhas asas, eu não podia mais fugir como antes, ele estava de olho nos meus passos, e na minha família.

Terminei de arrumar o trailer e dirigi até a avenida The Strip, coloquei a minha placa de cartomante na porta do trailer e esperei a clientela, não demorou muito para conseguir alguns turistas que pagaram bem para saberem a sua sorte, coloquei uma cadeira na frente do trailer, e fiquei esperando por mais clientes.

- Não pode ficar parada aqui com esse veículo. – Um policial disse.

- Eu não conto se você não contar. – Eu me levantei e coloquei uma nota de cinquenta dólares no bolso da frente da sua camisa.

- Está subornando um policial? – Ele me olhou sério.

- Que pena, vou pegar de volta a minha grana e ir embora. – Eu disse com sarcasmo.

- Você tem uma hora. – Ele disse sem graça.

O policial foi embora, e eu fiz alguns atendimentos, até que meu estômago começou a suplicar por comida, então resolvi ir atrás de algo para comer, deixei a Lisa com uma plaquinha de almoço, e fui caminhado até que avistei uma cafeteria, eu não tinha o costume de comer fora, mas eu estava faminta.

Entrei na cafeteria, e haviam muitas pessoas elegantes, me sentei acuada e olhei para o cardápio, os preços estavam absurdos, sem graça me levantei para ir embora até que alguém segurou o meu braço, e quando olhei para trás era o Mike, minha aparência até mudou de cor.

- Eu já estou de saída. – Eu disse sem graça.

- Hoje é o seu dia de sorte. – Ele deu um sorriso forçado.

- Estarei perdoada da dívida? – Eu disse puxando o meu braço da sua mão.

- Venha, o lobo negro quer te conhecer. – Ele disse nervoso me olhando com desprezo.

Engoli seco, e o acompanhei até uma mesa ao fundo, alguns clientes me olhavam estranho, já que o meu figurino estava místico por conta do meu trabalho. Chegando na mesa deparei com um homem jovem com um perfil persa, cabelos negros, olhos negros, barba bem-feita, e um terno impecável, ele deu um último gole no café com muita elegância, e fez um sinal com as mãos para que eu me sentasse, me sentei sem graça e disse:

- Eu ainda tenho sete dias. – Abaixei minhas mãos colocando sob meu colo.

- Então você lê cartas. – O Lobo disse me analisando.

- Eu estou encrencada? – Eu disse me sentindo em uma entrevista de emprego.

- Apenas responda sim, e não. – O Mike disse atrás de mim com a mão pressionando meu ombro, me deixando intimidada.

- Sim, tarot, a mão, e borra de café. – Eu respirei fundo.

- Você me deu um grande prejuízo. – O lobo disse me olhando friamente, mas eu desviei do seu olhar intimidador. – Você não entende nada do futuro, não é? – Ele deu um sorriso malicioso.

- Você quer uma sessão por acaso? – Eu disse nervosa e o Mike apertou meu braço mais forte ainda, e eu olhei para o Mike como se quisesse matá-lo.

- O futuro não é interessante para mim, mas para você sim. – Ele disse calmamente. – Quero te fazer uma proposta, e em vista de como anda a sua vida, a proposta vai vir em boa hora.

- O que eu tenho que fazer? – Eu engoli seco.

- Trabalhe para mim por três meses, e a sua dívida será quitada. – Ele levantou a sua mão, e o atendente veio no mesmo instante.

- Eu não sou qualificada para isso. – Eu disse sem graça.

- O quer comer? – Ele disse voltando os olhos para o cardápio.

- O quê? – Eu olhei para ele sem entender.

- Fique tranquila, é por minha conta hoje. – Ele disse me entregando o cardápio.

Olhei o cardápio, e tentei pedir o mais barato possível, com medo de que ele resolvesse descontar aquilo de mim depois.

- Um americano, e uma torta de maçã para viagem. – Eu disse ao atendente.

- Está com medo de que eu cobre isso de você. – Ele sorriu com elegância.

- Eu gosto do que eu pedi. – Eu disse séria erguendo a sobrancelha.

- Viu você é a pessoa perfeita para o trabalho. – O lobo disse olhando para o seu celular. – Consegue enganar qualquer pessoa, e isso me interessa muito. – Ele deu um sorriso torto enquanto digitava algo.

- Está insinuando que eu sou golpista? – Eu disse nervosa, e Mike novamente me conteve com a sua mão pesada.

- Você é muito pior do que isso. – O lobo disse me olhando como se fosse me engolir viva. – E vamos ser honestos, você não tem muitas opções.

- E quando eu começo? – Eu disse séria.

- Hoje a noite. – Ele disse se levantando, e eu notei que ele era mais alto do que eu imaginava. – O Mike explicará os detalhes. – Ele arrumou a sua gravata, e o atendente veio com a conta e a meu pedido embalado.

- Eu te busco às 20:00H. – O Mike disse me fuzilando com o olhar enquanto ia embora.

O atendente me entregou a comida, eu saí da cafeteria com as mãos suando, e o estômago embrulhado, eu tinha o dom de me envolver em encrencas. Desanimada fui até a Lisa, e para a minha surpresa havia uma multa de estacionamento.

- Ei, por que me multou? – Olhei para o policial que eu havia subornado.

- Eu avisei que só podia uma hora. – Ele me olhou sério, e depois foi embora novamente.

- Isso é ridículo. – Eu peguei a multa e entrei no trailer nervosa.

O universo estava brincando de roleta russa comigo, eu estava com um humor péssimo, e muito faminta, voltei para o parque em que eu passei a noite, e observei duas crianças que brincavam com a sua mãe, e me veio a lembrança de quando eu brincava com a minha irmã, e da risada da mamãe. Veio um sorriso bobo no meu rosto, e eu fiquei imaginando o que teria acontecido se eu não tivesse fugido, eu seria feliz terminando a faculdade? Ou me casando como uma pessoa normal? Eu teria filhos? Eu iria me reunir com a minha família no Natal? As lágrimas vieram, e então eu sacudi a cabeça me dispersando daqueles pensamentos bobos, respirei fundo, e abri a embalagem da torta de maçã.

Dei um gole no café que desceu suave, e peguei a colher que estava na sacola, e dei uma colherada na torta de maçã.

- Está explicado do porquê é tão cara. – Eu disse em voz alta apreciando a deliciosa torta.

Depois da deliciosa refeição, eu estava sonolenta, resolvi trocar de roupa, e me espreguicei, e depois me joguei na cama, os travesseiros pareciam me abraçar de tanto conforto, foi a soneca mais relaxante que eu tive, depois de toda aquela turbulência.

Quando acordei parecia que um caminhão havia passado por cima de mim, olhei para janela e para a minha surpresa já estava escuro, olhei o meu celular e já era 19:00H, me arrastei até banheiro e tomei um banho relaxante.

Saí do banho renovada, troquei de roupa, colocando um vestido branco e a minha jaqueta amarela com glitter, escutei algumas batidas na porta, olhei na janela e era o Mike, abri a porta e o Mike me olhou sério.

- Estou pronta. – Eu disse animada.

- Você não pode ir com essa roupa. – Ele ergueu as sobrancelhas com desprezo. – É para usar isso. – Ele me disse entregando uma sacola preta e uma caixa, coloquei a caixa no chão, olhei animada para a sacola.

- Ei, o que significa isso? – Eu disse tirando um vestido vermelho decotado da sacola. – Mike, o que eu vou ter que fazer hoje a noite? – Eu disse assustada, enquanto olhava para a lingerie no fundo da sacola.

- Você e o Lobo, irão para um jogo de poker fechado. – Ele disse sério.

- Eu não terei que ficar nua, certo? – Eu disse com as mãos tremulas.

- Não seja ridícula. – Ele disse nervoso. – Apenas fique elegante. – Ele saiu batendo a porta.

Coloquei a sacola no chão, e abri a caixa, havia lindos saltos dourados, obediente coloquei o figurino completo, me olhei no espelho, eu precisava de uma maquiagem para combinar, então fiz uma maquiagem básica, e soltei meu longo cabelo.

- Ele queria elegante, isso vai servir. – Eu disse em voz alta. – Só tem um detalhe. – Fui até a cozinha e peguei uma faca pequena de cortar frutas, e prendi na lingerie. – Se alguém tentar alguma gracinha, morre. – Eu disse me olhando no espelho.

Dei uma última olhada no espelho, e o Mike bateu novamente na porta me assustando, eu abri a porta e ele me olhou surpreso, e então eu sorri maliciosamente.

- Estou elegante o suficiente? – Eu o provoquei.

- Vamos. – Ele me olhou com desprezo.

Me despedi da Lisa, e entrei no carro com o Mike, eu estava ansiosa, não sabia o que estava me esperando, para mim esse jogo de sobrevivência só estava começando.