O sol da manhã aquecia o parque, e a risada de Giulia se misturava ao canto dos pássaros enquanto ela corria em direção ao balanço. O vento bagunçava seus cachos escuros, e a energia transbordava de cada movimento dela.— Me empurra bem alto, Isa! Igual a um foguete!Sorri, segurando as correntes do balanço enquanto ela se ajeitava no assento.— Pronta para decolar?— Sim!Empurrei com delicadeza no começo, sentindo os pezinhos dela se balançarem no ar, mas logo aumentei a força. Giulia abriu os braços, rindo alto.— Mais alto!— Assim você vai acabar alcançando a lua!Ela jogou a cabeça para trás, gargalhando.— Mamãe também me empurrava bem alto.Meus dedos apertaram instintivamente a corrente do balanço, mas mantive minha expressão leve.— É mesmo?— Aham. Ela dizia que eu era a melhor astronauta do mundo!Meu coração apertou, mas continuei empurrando-a no mesmo ritmo. A naturalidade com que Giulia falava da mãe mostrava o quanto ela ainda estava presente em sua vida, mesmo sem est
O dia já havia começado mal.A notícia do prejuízo com a Larson & Sons chegou antes mesmo do meu segundo café. Meio milhão de euros evaporados por um erro de cálculo no sistema de segurança de um dos nossos estagiários. Já tivemos perdas grandes, mas nada tão grave. Agora, a sala de reuniões do décimo andar estava carregada de tensão, repleta de acionistas cujas expressões variavam entre decepção e fúria aberta.— Isso é inaceitável, Benites.O copo de água à minha frente parecia infinitamente mais interessante do que o rosto vermelho do diretor financeiro. Ele estava certo. Era minha culpa. Mas minha mente, nos últimos dias, estava em qualquer lugar, menos aqui.— Vamos resolver. — Minha voz saiu mais fria do que eu pretendia. — Revisamos os protocolos e compensamos a Larson.— Compensar? Eles já estão falando em rescindir o contrato!Meu celular vibrou no bolso. Uma mensagem de Maria: "Giulia quer saber se você vai ver o quadro dela na feira de artes. Disse que é uma surpresa."Feir
Olhei para o reflexo no espelho pela terceira vez, alisando inutilmente o tecido do vestido florido. Simples demais? Talvez. O decote era discreto, as mangas levemente bufantes davam um toque romântico, e a saia rodava suavemente ao redor dos joelhos. Mas será que combinava com o luxo daquela escola?Já era tarde para mudar de roupa.O ronco do motor de um carro ecoou pela rua, e meu estômago deu um salto involuntário. Afastei a cortina apenas o suficiente para ver o veículo preto parar diante da casa. Ele veio.Miguel desceu do carro com a mesma postura impecável de sempre, o terno escuro ajustado com precisão ao corpo, a expressão séria escondendo qualquer traço do homem que um dia eu conheci de verdade.
A noite já caía quando saímos da feira de artes. Giulia falava sem parar no banco de trás, animada com as pinturas, os amigos e a sobremesa colorida que ganhou de um dos professores. O entusiasmo dela era contagiante, um contraste gritante com a calma habitual do meu carro.— Foi o melhor dia da escola! — ela declarou, balançando as perninhas para frente e para trás. — O papai viu tudo, Isa! Até os desenhos que eu fiz dele!Isabella, sentada ao meu lado, virou-se para sorrir.— Você desenha muito bem, Giulia. Acho que deveria pintar mais.— Eu vou! — Giulia concordou. — Mas agora eu tô com fome. Muita fome.
O sol já se punha sobre São Paulo quando finalmente saí da faculdade. Meus pés doíam depois de horas em pé, limpando quartos de hotel antes das aulas, e minha mochila parecia pesar o dobro do normal com os livros que eu mal tinha tempo de abrir. O cansaço era tanto que até respirar parecia exigir um esforço extra.Com um suspiro, caminhei até o ponto de ônibus, onde já se formava uma pequena multidão de pessoas igualmente exaustas. O trânsito caótico da cidade não perdoava ninguém, e o ônibus que eu precisava pegar sempre demorava mais do que deveria. Enquanto esperava, encostei minha mochila no chão e fechei os olhos por um instante, tentando me convencer de que ainda tinha energia para o trajeto de quase uma hora até casa.Quando o ônibus finalmente chegou, quase não consegui subir os degraus.Meu corpo pedia descanso, mas minha mente sabia que o dia ainda não tinha acabado. Encontrei um lugar no fundo, longe das janelas quebradas e dos assentos rasgados, e deixei minha mochila no c
O despertador tocou às 5h30, mas eu já estava acordado. Meu corpo parece ter um relógio interno que não me permite descansar por muito tempo. Enquanto me vestia, mentalizava a agenda do dia: reuniões, contratos, clientes. Tudo precisava ser perfeito. Tomei meu café preto, comi duas torradas sem muita vontade e dei uma olhada rápida nas notícias do mercado. Giulia ainda dormia, e deixei um bilhete para a governanta, como sempre faço, com instruções sobre o que ela deve comer e vestir. Não posso falhar com ela. Nunca.No carro, revi relatórios no tablet. A Benites Seguridad é meu legado, minha responsabilidade. Herdar o império do pai não foi fácil. Lembro das noites em claro estudando administração e finanças, das reuniões onde era tratado como um "menino mimado" até provar meu valor. Abdiquei de tudo: festas, amigos, até um noivado que não sobreviveu à minha dedicação obsessiva ao trabalho. Tudo para ser digno do nome Benites.Cheguei ao escritório e fui direto para a primeira reunião
O dia foi longo. Mais longo do que o normal, se é que isso é possível. Meus pés doíam como se tivessem sido esmagados por uma prensa, e minhas costas pareciam carregar o peso de todos os lençóis que troquei hoje. Trabalhar como camareira em um hotel cinco estrelas pode parecer glamouroso para alguns, mas a realidade é bem diferente. Quartos imensos, banheiros gigantes e clientes exigentes que nunca estão satisfeitos. Hoje, felizmente, não tenho aula na faculdade. Meu único plano é chegar em casa, tomar um banho quente e tentar estudar um pouco antes que o cansaço me derrube.Entrei no ônibus quase arrastando os pés. Encontrei um lugar no fundo, longe das janelas quebradas e dos assentos rasgados, e encostei minha cabeça no vidro frio. O barulho do motor e o balanço do veículo quase me fazem adormecer, mas resisto. Preciso checar meu e-mail. Talvez a professora Ana tenha respondido sobre o programa de au pair. Ela me ajudou a me inscrever há semanas, e desde então vivo checando a caixa
Acordei com o som de vozes baixas vindo da cozinha. Meu corpo ainda pesava do cansaço do dia anterior, mas a lembrança do e-mail me fez sentar na cama rapidamente. Aquele pedaço de esperança ainda brilhava em algum lugar dentro de mim, mesmo que o medo e a culpa tentassem apagá-lo. Respirei fundo, tentando me preparar para mais um dia de decisões impossíveis.Quando saí do quarto, o cheiro de café estava no ar, mas também havia algo mais: a tensão. Minha mãe estava na cozinha, sentada à mesa com as mãos envoltas em uma xícara. Ela não olhou para mim quando entrei, mas eu vi os olhos vermelhos, o rosto cansado. E então, percebi. Ele estava lá.O padrasto estava encostado na geladeira, com os braços cruzados e um olhar que eu conhecia bem. Aquele olhar que dizia: "Você não pertence aqui." Ignorei-o, focando na minha mãe.— Bom dia, mãe — cumprimentei, tentando manter a voz calma.— Bom dia, Isa — ela respondeu, sem levantar os olhos.Peguei uma xícara e enchi com café, tentando me distr