A Noiva de Vincent Kim
A Noiva de Vincent Kim
Por: Sabina Rambova
Paris

- Paris! Paris! Paris! Cheguei finalmente!

 É claro que o fato de minha tia viver na Cidade Luz há quase quinze anos acelerou muitíssimo minha ida até lá. Ela sempre insistia que eu fizesse meu estágio do curso de moda, na cidade da moda.

 Estou muito ansiosa, mas desde que eu me lembro, sofro por antecipação. Minha tia conseguiu, através de amigos em comum, uma vaga como estagiária no maior atelier de vestidos de noiva de Paris. É meu sonho se realizando, trabalhar com vestidos nupciais no estúdio do maior design da Europa. Como não estar ansiosa?

 O nome de meu novo chefe é Vincent Kim, simplesmente o maior e melhor quando se trata de vestidos de gala. Todas as noivas conhecem seu trabalho e sua agenda é super requisitada – listas de espera até mesmo para uma visita de quinze minutos.

 Estou bastante preocupada com o momento que enfim conhecerei o senhor Kim, sua fama não é animadora. Dizem que ele é incisivo com as palavras e costuma deixar claro o que lhe agrada ou não. Estudei no melhor curso de moda de minha cidade. Mas seria suficiente? Não fui para uma universidade européia, não convivi com estilistas famosos, eu tenho apenas meu conhecimento. Todos os meus esforços para aprender o máximo sobre desenhar vestidos; e em especial vestidos de noiva.

 Era um tema já lendário em minha casa, eu sou a filha artista, a sonhadora. A que não ficaria feliz em herdar a firma de advocacia dos pais, mas que fica feliz em ter agulhas, tesouras, linhas, tecidos, folhas em branco e um lápis. Acho que seria tudo bem se eu tivesse irmãos para compartilhar as estranhezas, mas sendo filha única, tenho certeza que meus pais não estavam muito satisfeitos com minha escolha de carreira.

 O táxi me levou até a casa de minha tia, um antigo e grande apartamento no 4 arrondissement, um lugar descolado e fervilhante, não muito longe do atelier em que trabalharei. Eu flanaria pelas ruas de uma das mais belas cidades do mundo, na direção do lugar que sempre desejei.

 Minha tia quis que eu saísse com ela para comemorar meu estágio e vinda para Paris. Ela também queria me apresentar para seu namorado, Paul, e o filho dele, Theo. Insistia que eu fizesse amizade com Theo, pois tínhamos a mesma idade e ele trabalhava na parte de marketing digital do Estúdio Kim.

 Expliquei que estava tensa demais para me divertir, eu precisava preparar minha mente e descansar meu corpo. Estar pronta para o encontro com Vincent e seus belos vestidos de noiva. Consegui adiar para a noite seguinte o jantar com Paul e Theo.

 Eu já estava pronta para ir pra cama quando minha tia bateu à porta.

– Letizia… - Sua voz sempre saía através de um sorriso, ela fazia tudo com prazer e aquilo refletia em sua fala.

– Oi, tia. Tudo bem?

– Venha se sentar aqui um pouquinho… – Ela falou calma e em seguida sentou na beira da cama. Imitei seu movimento e sentei em frente a ela.

– O que há? - perguntei com tom de brincadeira, me chamou atenção que ela não sorria com a naturalidade habitual.

– Quero falar sobre seu novo chefe – Falou séria, mas amenizou o clima estranho com seu suave tom de voz. Eu apenas a observei, aguardando que desenrolasse o assunto – Sei que você admira muito o trabalho dele…

– Sim! – Respondi com empolgação – Ele é apenas o melhor design de vestidos de noivas que já existiu.

– Eu sei… – Ela respondeu compreensiva – mas você deve observar que o trabalho de um homem não é o homem.

 Olhei para ela intrigada e um pouco divertida. Ela parecia minha mãe falando, eu não entendi muito bem o que ela queria dizer, minha tia viu a confusão em meu rosto. Pegou minhas mãos e deu palmadinhas.

– Minha querida, aí está você, permitindo que o que está em sua mente apareça sem censura no seu rosto – Ela riu alto – Por isso estou avisando… – novamente sua expressão obscureceu – Vincent é um artista em seu ramo, não tirarei esse mérito, mas não é o melhor homem.

 Ela limpou a garganta, incomodada por falar mal de alguém que não estava ali para se defender. Eu apenas a observei tentando entender qual era o objetivo daquela conversa.

– Você sabe que temos amigos em comum, eu e seu futuro chefe… o senhor Kim é um homem bastante sofisticado e agradável, pelo que dizem, mas sua fama é que não tem coração – Minha tia falou em seu estilo calmante – Você é uma menina ainda…

– Tia! - Eu ri alto, já ficando tensa com aquela conversa. Ela me acompanhou, rindo também, mas sua preocupação ainda não havia desaparecido.

– Letizia… Você só tem 21 anos e é uma admiradora desse homem… - Suspirou exasperada, espalmando as mãos sobre as coxas num movimento involuntário.

 Eu sabia que ela não gostava de estar ali naquela posição, advertindo sobre alguém do qual apenas ouvira falar, mas entendi sua preocupação. Conheço a má fama de Vincent, ele é conhecido por ser um chefe bastante intragável, e muitos funcionários saiam do atelier com péssimas recordações. Estou preparada para isso, estou pronta para trabalhar duro e dedicar meu melhor. Eu não seria derrotada tão fácil por um gênio ruim.

 Essa era a lenda entre os estudantes de moda, Vincent Kim tinha tanto o dom de arrancar lágrimas como o de despir mulheres, distribuídos na mesma medida ao longo dos seus 185 centímetros. Então me dei conta, senti meu rosto aquecer imediatamente, minha tia estava preocupada com outro tipo de abordagem de meu futuro chefe. Não com sua crueldade laboral mas com sua segunda “má fama” sua inclinação para conquistar mulheres para uma única noite. Sorri para ela, tentando acalmar sua preocupação.

– Tudo bem, tia Luísa. Eu sei, todos os estudantes de moda conhecem a “política” dos ateliers que admiram, sei que Vincent é genial mas bastante excêntrico… – “excêntrico” eu não sabia qual seria a palavra educada que poderia expressar o que falavam sobre ele, a palavra sincera, seria promíscuo.

 Minha tia sorriu, mas ainda não estava aliviada, ela realmente sentia a obrigação de falar sobre aquilo. Eu sabia o que era, mas eu não desejava aprofundar aquele assunto, sorri para encorajá-la, tentando expressar com os olhos a única coisa que eu pensava “vamos encerrar isso logo”.

– Ele é bastante famoso por suas conquistas ocasionais – Lá estava, uma abordagem mais direta e sem medir palavras. Sua postura até mudou, a ruga de preocupação desapareceu e seu sorriso habitual voltou. Ela fez seu papel, me avisou do lobo mau, era quase engraçado. Tentei acalmá-la…

– Tia… – Ri baixinho – Não se preocupe, já ficarei feliz em encontrá-lo uma única vez, ele não representa uma ameaça e sei que homens, mesmo os geniais, são apenas homens.

 Tia Luísa pareceu satisfeita, ela precisava me informar sobre o comportamento inapropriado de meu futuro chefe para amenizar sua consciência e agora havia cumprido sua obrigação.

 Estudantes de moda tem seu universo próprio e também suas fofocas exclusivas. Principalmente quando o estilista é famoso e tem fãs entre os estudantes. O histórico do senhor Kim era icônico, um artista talentoso, opinativo e um homem atraente. Muitas mulheres se deixavam envolver pela atmosfera de glamour e romance que seu trabalho transmitia.

 Todas queriam ser a noiva perfeita de Vincent Kim, foi assim que ele ganhou a fama de Don Juan. Mas eram mulheres que estavam no mesmo nível que ele, frequentavam os mesmos lugares e tinham as mesmas pretensões, definitivamente, minha tia não precisava se preocupar comigo.

 Antes de cair no inconsciente, repassei meu dia, me detendo divertida no conselho de minha tia. Naqueles minutos antes de adormecer, pensamentos loucos passaram por minha mente, de forma instintiva me comparei com Vincent e com as mulheres que eu supunha fazer seu estilo.

 Eu sou uma estudante estrangeira, contratada para a vaga mais baixa na hierarquia da moda. Estagiária, a garota das cópias e do café, aqui as conjecturas românticas de minha tia já poderiam morrer. Ficaria feliz se pudesse entrar por ao menos cinco minutos no estúdio de criação do senhor Kim.

 Lembrei-me de uma antiga revista de moda, a primeira vez que conheci o trabalho dele, eu não devia ter mais que 12 anos. Seu trabalho era simples, moderno, romântico e artístico. Com forte apelo visual e uma identidade marcante. Eu já amava desenhar vestidos de noiva e ao conhecer seu trabalho, tive certeza que meu destino estava ligado aquela bela profissão.

 Na tal revista havia uma foto do talentoso e estreante estilista, acompanhada de uma pequena biografia que nada dizia de relevante. Ele era jovem, ex-modelo, roupas pretas e cabelos escuros presos em um coque desestruturado. Um imigrante coreano, descoberto por acaso nas ruas de Londres, entrando no mundo da moda como um promissor modelo e chegando a glória como o melhor design de vestidos nupciais da Europa.

 Vincent podia ter a fama que fosse, sair com quantas pessoas quisesse, isso não tinha nada comigo, eu não o julgaria além de seu trabalho. E seu trabalho era meu sonho materializado, meu estágio era o primeiro passo para que um dia eu pudesse realizar feitos como os de meu estilista favorito. Chequei o relógio, em 10 horas eu entraria no universo que sempre desejei – em 10 horas, minha vida mudaria para sempre.

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