Modelo de Noivas

– Não há nada – eu choraminguei em voz alta. Todas as malas estão desfeitas sobre a cama, mas não consigo encontrar o estilo ideal. Algo na cor preta? Talvez... Um estilo mais nupcial? - Nem pensar!

 Olho ao redor me sentindo quase atordoada, ansiosa demais para que minha cabeça funcione de forma normal - Tia me salva!

– Letizia – Tia Luísa me chamou paciente e risonha – o primeiro vestido está perfeito... Sim, o preto - ela parecia se divertir girando pelo quarto - Solta esse cabelo, um arco é suficiente... 

 Eu já ia começar a lamentar outra vez, não tenho um arco. Mais uma vez ela me brindou com uma boa sugestão, dois grampinhos cruzados na lateral do cabelo. Perfeito e simples, eu estava pronta para o dia mais importante da minha vida, ao menos o mais importante até então.

 Eu sei, eu sei, falei comigo mesma enquanto caminhava até o atelier, muito choro e lamento para aquela a hora da manhã e por algo tão fútil. Mas só eu sabia o quanto aguardei esse momento, finalmente eu estava entrando naquele universo que tanto admiro.

 Eu trabalharia no melhor atelier de costuras para noivas da Europa e principalmente trabalharia com o maior estilista de noivas da atualidade. Levei menos de 10 minutos para chegar no local, um prédio histórico com seus cinco andares ocupados pela loja de noivas e atelier de criação da Maison Vincent Kim.

 Estava adiantada, mas para minha sorte a responsável pelo RH já estava em sua sala. Simpatizei instantaneamente com ela, Eloise, rosto de roedor e cabelos magnificamente azuis. Virada da festa na noite anterior, totalmente relaxada e calmante, bebendo água compulsivamente de uma garrafa reutilizada para amenizar a ressaca.

 Eu precisava daquilo, a calma da moça do RH me ajudou a respirar. Estava atenta e tensa, esperando o momento em que ficaria cara a cara com o senhor Kim e conheceria sua coleção inédita. É claro que não aconteceria, mas, ainda assim, ninguém pode me julgar por fantasiar.

 Elô, como pediu para ser chamada, passou por cada um dos departamentos, me apresentando aos novos colegas. Todos eram simpáticos e receptivos no maior templo de noivas da Europa.

 Uma das primeiras salas que visitamos foi a do marketing digital. Theo, o filho do namorado de minha tia, veio imediatamente se apresentar. Um típico e charmoso jovem francês, se me permito pensar em clichês. Fisicamente falando, alto, magro e com desgrenhados e estilosos cabelos negros. Ele sabia quem eu era e resolveu nos acompanhar no tour pelo estúdio.

 Também fui apresentada à Arthur, assistente pessoal do senhor Kim. Um cara agradável, um pouco tenso, porém, extremamente gentil. Como os outros, sorriu cordialmente e me deu as boas vindas, nos deixou em seguida.

 Fizemos uma pausa para o café, foi quando o clima ficou estranho e o ar agitado. Um silêncio um tanto desconfortável se instaurou. Da cozinha onde estávamos, vi o elevador se abrir e dele, saindo como se estivesse em seu desfile privado, Vincent Kim.

 Era incrível, provavelmente o homem mais bem vestido que já vi. Todo de preto, parecia ter saído direto de um editorial de alta moda para executivos. Seus cabelos negros presos em um coque, não diferente daquela primeira foto que vi dele.

 Theo notou que eu estava tensa, fazendo uma piada qualquer sobre o quanto o clima mudou e arrancando uma risada de Elô. Aquilo atraiu imediatamente a atenção sobre nós. Foi assustador, o olhar que meu novo chefe me lançou, temi ter começado com o pé esquerdo, principalmente quando notei Arthur vindo na nossa direção com um sorriso amarelo.

 Para meu alívio, ele apenas pediu para que continuássemos com o tour de apresentação. Assim foi feito, eu fiquei maravilhada com todos os vestidos que cruzavam nosso caminho, eram obras de arte penduradas em araras e manequins móveis. Eu queria parar e observar cada bordado e costura. Mas esse não era o plano da administração.

 Assim que terminamos o tour, Elô me passou uma lista do que eu devia fazer hoje. A primeira ação, passar no financeiro, obter um cartão de compras e ir até uma famosa loja de chás no bairro. A cliente das 11:00 era importantíssima e uma fã dos tais chás.

 Estagiária… eu não tinha muitas opções, saí em busca da aguardada encomenda, lamentando não poder ver cada joia nupcial que era guardada naquele antigo prédio francês.

 A casa de chás não era tão distante e não muito tempo depois eu retornei. Arthur estava na cozinha, preparando uma bandeja com delicadas louças de chá. Solicitou minha ajuda para o preparo e também para levar aquilo tudo à sala de provas. Assim foi feito, o aromático chá foi preparado, acompanhando sofisticados petit four.

 Pensei que a sala estaria vazia e que eu e Arthur teríamos tempo de preparar a mesa de chá de forma adequada. É claro que eu estava equivocada, senhor Kim já estava conversando com sua preciosa cliente e a única coisa que desejei era ser invisível.

 Bom, para meu chefe meu desejo funcionou, em nenhum momento ele dirigiu o olhar para mim ou Arthur, mas com sua cliente, foi diferente.

– Ela – Aquela senhora que parecia uma velha estrela de Hollywood, ao menos como eu imagino que elas ficam depois dos 70 anos, apontava para mim e sorria – Ela provará os vestidos em meu lugar.

 Olhei rapidamente para Arthur, tentando entender o que aquilo significava, ele nada disse, olhando para o senhor Kim que tentava dissuadir a exigente cliente. Congelei quando ela veio até mim, ignorando totalmente o que meu chefe falava.

– Ela se parece muito comigo quando era jovem, altura mediana, corpo voluptuoso.

 Senti todo o sangue deixar meu corpo e uma vontade avassaladora de sair correndo dali. Olhei novamente para Arthur, que sorrindo constrangido apenas fez um sinal de positivo com a cabeça. O que era aquilo, eu realmente teria que ser a boneca de vestir da versão idosa da Paris Hilton? A resposta era sim, mesmo que o senhor Kim parecesse contrariado.

 Quase imediatamente fui levada para uma espécie de quarto minúsculo ou provador enorme, dependendo do ponto de vista. Cheio de espelhos, luzes e cabides. Uma senhora vestida com o uniforme da Maison Kim aguardava. Me ajudou a tirar minha roupa e vestir um roupão de seda duas vezes o meu tamanho. Em seguida alguém bateu à porta, era outra mulher uniformizada, carregando uma quantia absurda de vestidos brancos e enormes.

 Eu amo vestidos de noivas, vê-los, desenhá-los, mas nunca senti a mínima necessidade de vesti-los. No entanto, era isso que eu estava fazendo naquele momento. Tentei pensar pelo lado positivo, era uma forma de conhecer a nova coleção.

 Fui posta sobre um pequeno pedestal em frente a um grande espelho. Enquanto uma das mulheres retirava meu roupão a outra erguia a peça para que eu a vestisse. Era uma obra de arte, o corpo ajustado e drapeado, a saia com volume exagerado, uma perfeição em cetim off white.

 Com o auxílio de minhas duas acompanhantes me encaminhei a sala de provas. Não cheguei a metade do caminho e ouvi a noiva gritar.

– Sexy! Quero algo sexy!

 Um outro vestido foi posto, a saia era menos ampla, marcando o quadril. Renda envolvia o decote e braços como tatuagens, era a roupa mais bela que eu já tinha vestido. Desta vez consegui chegar diante da cliente, ela sorriu e olhou para o criador. Olhou para mim, olhou novamente para ele. Se aproximou e com um sorriso sardônico encarou Vincent Kim.

– Lindo! Nela que é virgem… é o vestido de uma virgem, Vincent!

 Minha cara estava ardendo de tão quente, Arthur esfregou a testa de cabeça baixa, enquanto o chefe sinalizava para que eu fosse retirada imediatamente dali. Foi um desastre, devo ter experimentado uns quinze vestidos e nenhum alcançava as expectativas da exigente noiva.

 Fui deixada sozinha no provador, enquanto as mulheres carregavam as peças de volta aos seus lugares de origem. Quando voltaram não estavam sós, o próprio Vincent veio, trazendo o vestido que eu provaria. Não estava pronto e ele finalizaria alguns detalhes em meu corpo, eu queria morrer, mas também era empolgante ver uma peça como aquela em processo de criação.

 E era espetacular, eram joias, pedras e mais pedras presas umas as outras, formando a silhueta de uma sereia. Também era desconfortável, pesado e bastante revelador. Para o bem de minha ansiedade, meu chefe aguardou do lado de fora enquanto as mulheres me vestiam.

 Era magnífico observá-lo trabalhar, focado e sério, tão concentrado quanto eu imaginei que fosse. Era como um escultor, silencioso e dedicado, comecei a pensar que talvez fosse sorte ter sido selecionada para ser a modelo daquela excêntrica idosa. Foi uma experiência impressionante e eu só precisava ficar ali parada e aprender o máximo possível.

 É obvio que não fiquei ali parada, Vincent Kim abaixava e levantava diante de mim, ajustando os mínimos detalhes daquele vestido e foi em uma dessas que uma mecha do seu cabelo se soltou. Eu não aguentei e descaradamente pus a mecha atrás de sua orelha. Como ele estava focado no processo de criação, não imaginei que fosse se importar. Mas ele deu um salto para trás, como se algo o tivesse mordido.

 Olhei rápido para suas assistentes que baixaram a cabeça de imediato, eu devia então ter me calado e aguardado silenciosa terminar o ajuste, mas eu não fiz isso. Ele continuava me encarando e seu rosto pálido estava começando a ficar vermelho.

 Aproveitando o que parecia a primeira vez que ele realmente me viu, desde que entrou no provador, eu fiz uma observação. Eu não devia, mas senti que era preciso. Afinal o próprio Vincent não sabia como era vestir algo como aquele vestido.

– Desculpa, mas... O senhor já pensou em substituir por um tecido mais leve e reforçar o suporte das pedras com uma linha mais resistente? – Sorri amarelo diante das sobrancelhas franzidas dele, mas não me deixei intimidar - um tecido mais leve mas com bom suporte seria mais cômodo de vestir.

Senhor Kim nada disse, voltando a dar atenção a sua obra. Pediu que eu erguesse os braços para que ele trabalhasse na lateral superior do vestido. Obedeci, fiquei lá parada como se estivesse sendo assaltada, acho que ele só queria manter minha boca fechada e minhas mãos longe dele.

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