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O Lugar de Senhor Kim

Eu já havia me esquecido dela – Não acredito que continua aqui – Quanto tempo ela teve para sair discreta e silenciosa?

 Antes de entrar para o banho, pedi que se vestisse e a informei que tinha compromissos. Mas como as outras, ela simplesmente esperou. A mulher de cabelos longos e pele dourada continuava sentada no meu sofá.

– Querida… - Ela levantou, lindo sorriso e pernas esguias, realmente sexy – Que tal nos despedirmos agora? - Falei com certa ênfase. Ela fez um bico de garotinha e veio na minha direção, acabo de lembrar porque ela precisa ir embora – É o tipo carente.

– Que tal passarmos a noite juntos? - Propôs com voz melosa enquanto eu já a encaminhava para porta.

– Infelizmente… – Como eu disse antes, pensei com meu humor já azedando – tenho uma reunião essa noite, não poderei te dar atenção – Já com a porta aberta interfonei – Leo, minha convidada está descendo, pode providenciar um táxi, por favor?

 Não dei mais tempo para argumentos, me despedi rápido e fechei a porta. Eu detesto quando elas ainda querem me tocar depois do banho, não entendo porque as pessoas não percebem seu lugar, eu sempre soube qual era o meu lugar e nunca criei problemas com isso.

 Observei a vista através das grandes janelas em minha sala, a cidade iluminada lá embaixo enquanto eu desfrutava de minha tão apreciada paz e solitude. Como ainda era cedo, decidi cozinhar um pouco, nada melhor para relaxar depois de um dia como o que tive. Escolhi batata dauphinoise, perfeito e simples, principalmente se acompanhadas de um delicioso vinho rosé, afinal o verão estava começando.

- Perfeitas! - Falei em voz alta, já que era preciso expressar a maravilha que eu obtivera com uns simples tubérculos. Observar a mesa que preparei para mim, me fez sentir satisfeito e relaxado. Eu amo desenhar vestidos, apesar de detestar o exagero burguês de noivas coradas e desesperadas. Mas cozinhar, isso sim era prazeroso, e mais importante, era meu prazer particular. Meu doce segredo que nunca dividiria com ninguém, eu sabia que era infantil e superficial de minha parte, ainda assim, me fazia sentir bem.

 No mundo onde vivo, o luxo era essa exclusividade, estar só e satisfeito com minha própria companhia. Mas, no fundo de minha mente a realidade seguia chamando. A semana estava no começo, eu tinha milhares de encontros com clientes deslumbradas e ao ponto da histeria.

– Quando foi que elas começaram a me incomodar tanto? - As batatas não responderam.

 Antes de adormecer lembrei da mensagem que Arthur me enviou.

 “amanhã a estagiária nova começa, você não deve se exceder”

 Torci a boca com a advertência de meu preocupado assistente. Eu nunca me excedia, sabia muito bem quais eram os papéis de todos ao meu redor, principalmente o meu: manter a ordem geral e garantir que todos estivessem afinados com a proposta de meu atelier.

 Um pensamento estranho me assaltou, afinal era uma mulher a nova contratada e o aviso de Arthur começou a soar suspeito. Ele nunca me dava esse tipo de advertência para contratadas, apenas para clientes potencialmente atraentes. Aquele era o comportamento padrão seguido por ele quando eu conhecia uma mulher sedutora o bastante para desejá-la em minha cama.

 Arthur era injusto em seu julgamento, eu nunca me interesso pelas mulheres com quem eu trabalho. Normalmente não são as mais atraentes, mesmo que muito competentes. Faz um tempo suspeito que ele propositalmente só contrata às mulheres que não fazem meu tipo. Além do mais, eu sabia que não era muito popular entre meus colaboradores, na verdade eu era a nuvem negra em suas vidas, mesmo que eles se engalfinhassem para trabalhar comigo.

 Adormeci intrigado sobre a nova estagiária e sobre o motivo de tantos cuidados de Arthur. Fosse como fosse, seria mais uma estudante de moda entediante e vestida como alguém saído do Festival Burning Man.

– Senhor! – Lá estava Arthur, meu assistente – agora as 11:00, você tem um horário com Lady Leona.

 Olhei-o sério, meu humor já estragando. Lady Leona era uma das figuras icônicas do mundo da moda. Uma socialite na casa dos 70 anos que sabia os segredos de uma casta social inteira. Todos estavam no bolso de Lady Leona. Ter uma roupa usada por ela era como ter sua casa pintada por Picasso. Eu já tenho um nome, mas é sempre bom para a carreira afagar um oligarca europeu.

– É o segundo casamento em três anos – Comentei despreocupado enquanto o elevador chegava no andar de meu atelier.

– É o segundo em dois anos – Arthur cochichou.

 Era tão curioso a calmaria de todas as manhãs, todos ocupados com seus afazeres, em suas mesas e correndo com croquis e manequins de um lado para o outro. Ouvi risos vindo da cozinha, a garota de cabelos azuis que cuida do RH tomava café com o garoto do marketing digital e uma jovem com um rosto encantador.

– Por que tem uma cliente na área privada? - Eu detestava aquilo, volta e meia uma cliente mais empolgada invadia a parte interna de nosso estúdio. Mas Arthur olhou para os lados, confuso com minha pergunta – Ali! – sinalizei com a cabeça para a garota atrás do aquário que separava a cozinha – De vestido preto – completei já sem paciência, mas Arthur fez uma expressão de alívio.

– Aquela é a nova estagiária, Letizia – Ele sorriu demonstrando já ter simpatizado com a garota, Arthur era fácil de conquistar.

– Letizia… - Repeti baixo – Avise a senhorita Letizia que ela foi contratada para trabalhar não para utilizar a cozinha do estúdio como ponto de encontros. Meu assistente arregalou os olhos, ele não gostava de abordar os colegas daquela forma, principalmente porquê quanto mais próximo de mim, menos era convidado para o happy hour. Ainda assim, sem questionar, foi até o grupo.

 Observei a nova estagiária através das cortinas de meu escritório, alguém lhe apontava os lugares e departamentos, ela sorria com belos olhos amendoados. Era jovem, mas não contratávamos menores de idade, era exigência que todos tivessem concluído ou quase o curso de moda. Sem dúvidas já era maior de idade e muito atraente. Seus olhos brilhavam toda vez que um vestido passava rodando pelos corredores do atelier. Fascinante observar seu encantamento, assim como sua bela figura, admito.

 Cabelos castanhos e longos descendo em cachos até o meio das costas, a pele branca indistinta lembrava o orvalho da madrugada, um corpo lindo e lábios vermelhos tentadores.

- Toc-toc – A imagem fascinante desapareceu imediatamente com a entrada de Arthur carregando meu café.

– Por que é você que traz meu café? - Perguntei sério, sabia que o homem ficaria incomodado com isso, por tanto não me importei nenhum pouco. Eu gosto de atormentar Arthur, já que ele é a única pessoa que permito que me atormente também.

– Como… Como assim? - perguntou nervoso como eu imaginei – Eu sempre trago seu café…

– Ou a estagiária… - Lancei-lhe um sorriso malicioso. Era a primeira vez que uma jovem tão interessante se juntava ao grupo de trabalho e depois da advertência de Arthur, eu precisava ao menos me divertir com a situação.

 Meu assistente apenas me encarou, talvez pensando se era séria minha curiosidade sobre o porquê era ele e não a estagiária que me trazia café. Talvez tenha se dado por vencido, abrindo alguns desenhos sobre a mesa, respondeu em seguida.

– Lady Leona aprecia as misturas de chá de Mariage Frères, mandamos Letizia comprar um pouco, para seu compromisso logo mais – Era um homem bastante sério e seguiu me advertindo – Você sabe que…

– Não devo me exceder – Adivinhei as próximas palavras de meu assistente – Esqueça… Trabalhemos.

– Lady Leona – Lá estava ela, o baluarte da indústria nupcial. Sete casamentos, indo para o oitavo, quatro maridos mortos e só Deus sabe o destino dos próximos. Apesar de ter apenas dez anos na indústria do design, essa já era a quarta vez que faria um vestido para ela. É provável que eu tenha comprado meu apartamento graças a Lady Leona – Magnifica! - Festejei a futura noiva.

– Meu sedutor Vincent Kim… – A mulher enfeitada de joias estendeu a mão magra e com unhas vermelhas, prontamente a beijei – Vincent, que saudades estava de sua atenção – Ela falou de forma charmosa.

– Hoje, minha atenção é toda sua, minha querida… Mas, antes, o que é isso – Indiquei o braço esquerdo imobilizado em uma tipoia dourada.

– Aspen, meu bem – Falou despreocupadamente, sentando-se em seguida no confortável sofá que temos na sala de provas. “Aspen” era assim que ela dizia, sem confessar que talvez fora imprudente ao esquiar em tão avançada idade. Eu sorri condescendente para ela, sem deixar de galantear.

– Minha bela dama, Lady Leona, sinto que tenha sofrido alguma dor – Ela riu como uma adolescente.

– Vamos ao ponto – Ah Lady Leona… a bajulação tinha limites e ela costumava ser bastante objetiva quando se cansava de brincar. Eu sempre gostei disso nela.

– É claro que sim – Correspondi seu pragmatismo enquanto fingia diversão.

– Me caso em quinze dias – Aquilo me deixou boquiaberto. Quinze dias…

 O que eu faria em quinze dias? Encarei-a ainda sorrindo, precisava pensar rápido, tão rápido quanto aquela boda se daria.

 – Eu vim para experimentar vestidos, mas como vê, precisamos dar um jeito nesse pequeno obstáculo – apontou para o braço imobilizado.

 Inclinei a cabeça duvidoso, mas antes que pudesse falar, Lady Leona se distraiu observando Arthur e a nova estagiária que montavam uma pequena mesa de chá para nossa convidada. Tentando atrair sua atenção, fiz uma proposta.

– Minha querida? Podemos tirar suas medidas e você escolher vestidos exclusivos que ainda não foram para a loja, assim… - Ela sacudia a cabeça afirmativamente, mas continuava observando a garota.

– Ela – Apontou para a assistente de meu assistente, que ficou imediatamente pálida – Ela provará os vestidos em meu lugar.

– Lady Leona, não creio… – Insisti em uma tentativa já fracassada convencer alguém que nunca ouvia não – Ela não é modelo, podemos chamar uma modelo profissional e…

– Não! - A mulher caminhou até a jovem – Ela – pegou as mãos da garota e voltou a me encarar sorrindo – Ela se parece muito comigo quando era jovem, altura mediana, corpo voluptuoso… Modelos são irreais, ela será perfeita.

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