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Uma Grande Oportunidade

 Foi constrangedor e nada tranquilo ser modelo para Lady Leona. Eu nasci para desenhar, criar, satisfazer aquelas que sonham com algo assim. Mas me imaginar como uma noiva corada e emocional, definitivamente não se encaixava com minha personalidade. Assim como modelar como uma dessas garotas perfeitas e magricelas dos editoriais. Eu nunca estive tão longe de meu papel ideal como no dia que passou.

 Também foi estranho estar tão perto de Vincent Kim. Nada simpático e bastante frio, ainda que tenha sido um prazer observar seu método de trabalho. Sem mencionar o pior momento de minha curta carreira como modelo de noivas, não que não tivessem acontecido vários momentos constrangedores naquelas poucas horas, mas o fato de eu ter erguido a franja de meu chefe, sem sombra de dúvidas tinha sido o mais estranho.

 No fim, a única certeza que restou foi, não nasci para usar vestidos de noiva, mas será um prazer criar obras de arte como as que vi hoje. Também decidi que jamais me deixaria intimidar por uma cliente como vi acontecer com o senhor Kim. Foi bastante decepcionante, talvez essa fosse a verdade daquele mundo caro e glamouroso, mas não era realmente agradável.

 Elô queria sair para beber, mas eu e Theo tínhamos o jantar adiado da noite anterior. Ele me acompanhou até em casa, Tia Luísa e Paul já nos aguardavam. Acho que pior que o dia, foi ter que contar tudo o que aconteceu e lembrar de cada detalhe novamente. Modelar vestidos de noiva não era meu propósito, mesmo que fossem os mais belos designs que já vi.

 Fora que Theo fez questão de rir muito de mim. Eu acabo de chegar e já estou trabalhando lado a lado com o senhor Kim, claro que isso não é algo positivo. Quem quer trabalhar diretamente com ele? Na verdade eu quero, mas informar meu colega sobre isso não tinha razão de ser naquele momento. Aceitei o deboche com a dignidade que me restava.

 Apesar de o dia ter sido esgotador, a noite terminou de forma bastante divertida. Paul e Theo eram muito amistosos e abertos, não poderia esperar nada diferente de pessoas que tia Luísa conhece. Foi bom conhecer um escritor famoso, eu ainda não conhecia nenhum e ao contrário do estilista famoso que conheci mais cedo, Paul era nada vaidoso e muito gentil. Theo, minha tia estava certa, seria bom ter ele como amigo, ainda que seu humor ocasionalmente lembrasse o de um garoto de treze anos.

 Cheguei pontual na manhã seguinte, não sofri tanto com o que vestir ou que mensagem eu passaria. Fui disposta a aprender tudo o possível sobre desenhar vestidos de noiva e isso seria meu único foco. Infelizmente, mais uma vez, não era isso que a administração queria.

 Senhor Kim simplesmente não apareceu e não atendia ao telefone. Arthur estava em viagem e incomunicável. Cabia a uma das secretárias ir até o apartamento e checar o chefe. Ninguém queria essa tarefa, Vincent Kim era bastante selvagem com aqueles que invadiam sua privacidade. Adivinha? Sim, para o trabalho sujo, mandem a estagiária.

 Tinha algo errado, sem dúvida. A porta do apartamento não estava trancada e o silêncio era aterrador. Parei um tempo observando a sala, tudo era branco e asséptico, ordenado e frio. O sol iluminava a decoração em tons de branco, tornando tudo ainda mais cegante e desconfortável. Tentei me acalmar e resolver o que fazer, ordenar meus pensamentos totalmente ansiosos. Caminhei com cuidado na direção do que julguei serem os quartos. Uma enorme suíte com lençóis bagunçados me fez dar um passo para trás.

– Você não devia estar aqui Letizia… - Falei em voz alta o aviso que girava repetitivo em minha mente.

 Eu já estava dando a volta na direção da saída quando ouvi alguém gemer. Fiquei apavorada, ainda não sei como consegui caminhar até o banheiro, senti meu corpo inteiro adormecer. Não estava preparada para o que vi, abraçado ao sanitário, meu ídolo de adolescência balbuciava algo incoerente enquanto uma linha de baba grossa escorria do queixo ao peito. Vincent Kim estava nu no chão de seu banheiro, parecendo ainda mais magro e pálido que o habitual.

 Não tinha muita alternativa, sem me dar conta, o ergui com dificuldade e levei até a cama. Ainda não entendo meus movimentos, acho que agi conforme gostaria que agissem comigo, caso eu fosse encontrada assim. O lugar tinha um cheiro horrível, assim como o senhor Kim e nada mais me ocorreu do que pegar uma toalha, umedecer com a água quente da torneira e tentar amenizar a miséria em que o homem se encontrava.

 Tudo que aconteceu depois foi ainda mais desconfortável e esquisito. Enquanto corria até a farmácia, Arthur me ligou, depois de contar tudo o que vi, o homem agitadíssimo no telefone, me fez prometer de todas as formas não falar sobre o ocorrido. Vincent Kim já tinha feito o mesmo, porém de forma mais ameaçadora e rude. Tentei tranquilizar ambos, me parece que apenas Arthur confiou em mim.

 Me deu algumas instruções e avisos, o principal:

 “senhor Kim será intimidador, faça o que estou pedindo e saia assim que possível”

 Depois de tudo isso, ele não precisaria falar duas vezes, a única coisa que eu queria era sair dali imediatamente.

 De volta ao atelier informei o que eu e Arthur combinamos, a mentira que eu mesma criei.

– Senhor Kim tem uma agenda externa hoje, demorei porque tive que levar a roupa suja do chefe para a lavanderia – comuniquei em modo automático.

 Elô ficou indignada, eu não fui contratada para cuidar de assuntos privados de Vincent Kim. Tentei acalmar os ânimos, afirmei que aquilo não aconteceria novamente.

– Arthur garantiu, ele só não quis que eu perdesse a viagem – Eu realmente desejava que aquilo nunca mais acontecesse.

– Então hoje você vai beber comigo – A moça de cabelos azuis disse entusiasmada – pode trazer seu primo bonitão!

 Levei um tempo para me dar conta que o primo bonitão era Theo, não era meu primo de verdade, mas ao que parece era o que todos pensavam.

 Foi uma boa ideia sair com meus colegas de trabalho. Elô como era visível, é uma ótima companhia e Theo sempre gentil e de bom humor. Relaxar com meus novos amigos poderia me ajudar a esquecer a cena bizarra que vi pela manhã, se não eles, eu beberia para tanto.

 Não foi fácil esquecer o que vi, o maior design de vestidos de noiva da atualidade, o grande Vincent Kim, fragilizado. Doente e pálido além do normal, era como ver outra pessoa, não tinha nada em comum com o estilista que me vestiu no dia anterior. Mas somos humanos, é obvio que monsieur Kim tinha dores de barriga e momentos melancólicos. Agora esse era nosso segredo, pensar que o único segredo que quero dividir é como ser uma design tão boa quanto ele.

– O que há? - Theo perguntou com sua voz amistosa e sonora.

– Nada… cansada.

– Não foi nada justo Arthur te fazer levar a roupa…

– Está tudo bem, Elô. Foi só para não perder a viagem, não se repetirá – Tentei acalmar a chefe do RH ainda inconformada com minha incursão fictícia pelas roupas sujas de nosso chefe. Se ela soubesse…

– De qualquer forma não é justo – Theo falou sério – Você podia ter dito que não.

– Tudo bem, não se repetirá – Tentei sorrir o mais tranquila possível.

 Na verdade, eu usar a mesma frase mais de uma vez “não se repetirá” servia mais como um calmante para mim. A última coisa que desejo é repetir o evento de hoje, se minha vontade de aprender fosse menor, talvez eu desejasse nunca mais ver Vincent Kim. Esse pensamento me assaltou e me dei conta de algo mais preocupante.

 Eu o havia visto no máximo da exposição, ele podia inventar uma desculpa qualquer e me dispensar rapidamente. Eu perderia meu estagio e teria que voltar para casa, sem ter aprendido nada além do endereço da farmácia preferida do senhor Kim.

 A noite tinha acabado para mim, ao me dar conta que talvez no dia seguinte já não fosse estagiária na Maison Kim. Para minha sorte, já era tarde e minha proposta de ir para casa, foi aceita por todos.

 Elô tentou convencer Theo a acompanhá-la, mas ele simplesmente ignorou a sugestão, dizendo que estava cansado e que apenas me acompanharia porque tia Luísa pediu.

 Não era tão longe e o informei de que não precisava de acompanhante, mas ele se mostrou irredutível. Elô pegou um táxi em seguida, chateadissíma por voltar sozinha para casa.

– Ela queria que você fosse com ela – Olhei-o enviesado, já que caminhávamos lado a lado – Eu poderia ter pego um táxi se tia Luísa está preocupada que eu ande sozinha por aí…

 – Eu não quero… - Theo falou sério, tão sério que eu não tive coragem de perguntar se ele não queria acompanhar Elô ou se ele não queria que eu pegasse um táxi.

Eu também tinha outra preocupação no momento - Vincent Kim vai me dispensar... - e decidi apenas caminhar em silêncio ao lado de meu amigo.

 Eu e Theo chegamos praticamente juntos no dia seguinte, atrasados pela ressaca e a curta noite de sono. Ao menos chegamos antes do senhor Kim, que passou como um foguete direto para seu escritório, não sem antes me encarar por alguns segundos aterrorizantes.

 Não muito tempo depois fui chamada a sala dele. Era isso, minhas suspeitas se confirmavam, seria retirada de meu estágio e perderia uma grande oportunidade. Era uma lição, nunca mais entraria em apartamentos desconhecidos, mesmo que escutasse gritos de socorro.

– O que você quer?

 Vincent Kim me olhava de cima, direto mas não tão ameaçador quanto poderia. Na verdade a falsa postura relaxada dele, sentado na mesa diante de mim, entregava uma certa preocupação. No começo não entendi o que aquela pergunta realmente significava, ele repetiu.

 – Não quero cochichos sobre mim por aí – Que tipinho arrogante! – Por isso diga seu preço.

 Eu ia ficar ofendida, na verdade minha vontade era arrancar os olhos dele e sair correndo de volta para casa. Mas, apesar de chacoalhar por dentro, aquela era uma grande oportunidade. Sem titubear dei meu preço, o senhor Kim que se virasse agora.

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