- O que foi aquela simpatia que evocou para procurar o isqueiro dentro da bolsa?
Levei alguns segundos para assimilar a que Sara se referia, e ao dar-me conta, sorri como uma tola lembrando o quão desnecessário talvez tivesse sido aquilo.
- Ah... - Arfei. - É só uma coisinha que minha mãe me ensinou quando era pequena, para achar brinquedos perdidos. Você não conhece?
Sara respirou fundo, olhando ao redor da cela, tentando recordar-se de algo similar e voltou a me olhar.
- Não, não conheço. Você pode dizer de novo?
Novamente sorri, relaxando os ombros percebendo a tensão sobre eles.
- Tá bom. É mais ou menos assim: "São Longuinho, São Longuinho... Se o objeto aparecer dou três pulinhos."
- Então é uma simpatia cantada?
- Exatamente.
- Bom, vou aguardar.
Olhei para Sara sem saber do que exatamente ela falava.
Não me mexi ou pronunciei qualquer palavra, apenas tentava desvendar pelo o q
Ao retornar para casa, deparei-me com Camille no hall do hotel.Sentada, ela segurava a caixa de doze kgs com Athos dentro.Foi então que me dei conta, que havia deixado meu gato lindo e branco para trás, pois com a correria da mudança não havia me dado conta do que fizera. Contudo, sabia, que ele estava tão seguro e bem cuidado, pois Cida estaria diariamente suprindo suas necessidades.Mesmo assim, uma ponta de culpa me atingiu em cheio e rapidamente fui até ele.Athos foi um presente de Joaquim em meu aniversário, embora logo depois ele fosse assassinado.Athos chegou em uma caixinha ainda mamando no bico da mamadeira e desde então passou a fazer parte da minha vida incondicionalmente.- Athos !!! - Exclamei amorosamente, vendo o quanto ele estava confortável na sua caixa.Peguei-o no colo e fiz um carinho em sua cabeça e tão logo, o bichano est
Como combinado, comprei a bíblia que Sara havia pedido. Não sabia ao certo qual a utilidade do manuscrito em suas mãos e quis acreditar que era apenas um meio de passar o tempo ou refletir sobre suas ações, mesmo após tantos anos do crime. Eu tentava não perder tempo pensando em perguntas e respostas que não me levariam a lugar algum, certamente dentro de nosso acordo, cumpriria meu combinado. Levar até ela, o que dentro de minhas condições, era desejado. Sara sabia que meu interesse era único e exclusivamente por sua versão da história. Na loja, quando a vendedora veio ma atender, fiz questão de frisar o tipo de bíblia cristã que procurava, ou seja, uma que tivesse o antigo e o novo testamento. Com simpatia de quem adora uma boa comissão, rapidamente, a vendedora me mostrou algumas que me chamaram a atenção. Folheando cuidadosamente, pensei no quanto de tempo Sara teria para ler tudo aquilo. Avistei uma bíblia co
Foi nesse momento, que interrompi Sara, pois precisava entender o que estava ouvindo. Essa invasão de privacidade, o espaço em um momento íntimo invadido me deixava em dúvida se o que ocorria é um excesso de zelo ou realmente de controle. Fosse qualquer um dos dois motivos, o incômodo logo se tornava visível. - Carla, você por acaso esté me escutando? - Ela disse impaciente. - Eu tinha dezenove anos e isso não parou até meus vinte e oito. O humor da Detenta 682, começou a mudar sutilmente. Recordar tais situações lhe causavam irritabilidade e eu não podia arriscar que ela se negasse a falar mais sobre o cotidiano que tinha com a mãe. - Qual era o nome da sua mãe? - Perguntei. - Regina. - Arfou cansada. ... "Não adiantava pedir. Eu chegava do trabalho sempre as dezenove horas, implorando por um banho após um dia inteiro na rua. Tudo o que eu queria, era uma longa e boa ducha. A primeira cois
Eu ouvia consecutivamente no gravador, a conversa que tivera com Sara horas antes. A respiração mudava quando falava da mãe e o aparente controle em sua vida. Ela se remexia na cadeira, ao relatar como a invasão materna lhe causava um sentimento enfastiante. No entanto, não podia deixar passar absolutamente nada e através das informações que havia me fornecido sobre o ex-namorado, cabia a mim correr atrás desse homem, que sem dúvidas alguma, me ajudaria a entender ainda mais essa relação conturbada que Sara tinha com a mãe. De repente com sua percepção de namorado, a pesquisa que em breve se daria também com os familiares, poderia ajudar a criar veracidade no material que eu produzia. Uma grande aliada, com certeza foi a internet, pois com ela tudo se simplificava. Certamente não voaria para outro Estado a procura de um ex-namorado de Sara, embora a ajuda de Camille fosse tão necessária quanto o wi-fi. Era apenas um quest
Sara - Manhãs Indigestas Minha mãe, durante a vida cozinhou para quatro pessoas. Eu, ela e meus dois irmãos mais velhos: Raul e Anderson. Devido a fome gigantesca que ambos tinham, mamãe preparava porções de comida pela manhã e como eles trabalhavam fora, tudo era preparado muito cedo para os dois homens da casa. Com isso, passei a maior parte da vida, acordando de manhã, sentindo cheiro das refeições. No entanto, esta va tudo tudo bem, porque aquilo não me incomodava quando mais nova. O problema começou quando Raul e Anderson saíram de casa. ... Na casa em que vivíamos, tinham três quartos, dois banheiros, uma cozinha e a sala. Mamãe dormia na suíte, eu dormia no quarto que ficava na frente do dela, e os meninos dividiam o maior quarto, que ficava de frent
Saí do presídio com a cabeça latejando, o que estava se tornando comum. Sara se mostrava cada vez mais aberta ao falar da mãe, mesmo tendo nos conhecido há pouquissimo tempo. Sua confiança em mim, parecia surgir a cada encontro. Era incrível, aquela mulher irônica e debochada havia desaparecido. O que encontrava diariamente, era outra pessoa. A voz de uma mulher que precisava se livrar de seus próprios fantasmas. No entanto, quando começava a falar da mãe, não parava. Parecia estar em transe. Focava o olhar em um ponto cego e me deixava em dúvida, no que era imaginação ou o que era real. Algmas vezes precisei respirar fundo. Sara, narrava tudo de maneira fria e constante. Contudo jamais terei a oportunidade de conhecer Regina, mas começava a ver que havia naquela mulher algum descontrole emocional, talvez um distúrbio psíquico. Evidentemente, no final da nossa conversa Sara abriu um s
A conversa com Raul, tinha sido muito proveitosa. Ele era um cara calmo, tranquilo e trouxe à tona alguns aspectos importantes que precisavam ser expostos, como por exemplo a sua rotina com a mãe e a irmã após o divórcio, quando morou com as duas por quase um ano. Ele falou superficialmente da briga que teve com Sara, sem citar o motivo da briga. Porém não demonstrava ressentimentos a esse episódio. No entanto, comecei a perceber que o amor que ele nutria pela irmã, ia contra o perdão que jamais concediria à ela. O arrependimento por ter sido omisso diante de diversas queixas da mãe, ficou evidente durante nossa conversa, e em alguns momentos precisei deixar que ele se recompuseste. Disse entre lágrimas que as duas brigavam, mas que nunca pensou que Sara fosse capaz de cometer tamanho desatino. A sensação que tive, foi que Raul ainda não acredita que a mãe foi morta por sua irmã, uma assassina completamente fria e calculista. Entretanto, após
A dinâmica da família era complicada, embora a conversa com os dois irmãos, tivesse me orientado em relação as partes envolvidas, principalmente sobre o que acontecia entre Sara e a mãe. Percebi que havia três modos diferentes de ver a mesma história. cada uma com seus pontos de vistas. De um lado, Raul, o irmão adorável, calmo e tranquilo que compreendia e amava a irmã caçula, sendo talvez manipulado, segundo Anderson. Do outro, o irmão do meio, Anderson. Ciumento, com o temperamento forte e agressivo, que via em Sara o que ninguém conseguia e por causa, não se deixava influenciar. E por fim... Sara. O centro disso tudo. Manipulável, rebelde, fria, antisocial e que era controlada pela mãe que depositava nela, suas compulsões. No entanto, mesmo que ainda fosse cedo para apontar qual era a direção correta, eu ainda não possuía o material necessário e isso me deixava com muitas dúvidas. Resolvi então, colocar uma lousa branca de sessenta