Na manhã seguinte, acordei com o flat lindamente organizado.
Dessa vez, Camille tinha se superado.
A secretária havia feito um grande milagre em pouco tempo.
A geladeira estava abastecida, a internet funcionava perfeitamente, minhas roupas sociais estavam separadas, e guardadas.
Meus sapatos organizados e o serviço de limpeza do hotel, agendado.
Sinal de que Abílio também havia pensado em tudo precocemente.
No entanto, a primeira coisa que fiz após o desjejum, foi parar em um botequim qualquer, desses que ficam abertos a noite inteira onde pela manhã é fácil encontrar alguns bebuns adormecidos e debruçados nas mesas.
Ao entrar, senti um cheiro repugnante de mofo misturado com cachaça barata.
Evitando encostar em absolutamente tudo, fui atendida pelo vendedor das drogas lícitas, um homem velho, de cabelo branco e blusa suja, que perguntou o que eu desejava.
No mínimo, acreditava que a mulher a sua frente de
- O que foi aquela simpatia que evocou para procurar o isqueiro dentro da bolsa? Levei alguns segundos para assimilar a que Sara se referia, e ao dar-me conta, sorri como uma tola lembrando o quão desnecessário talvez tivesse sido aquilo. - Ah... - Arfei. - É só uma coisinha que minha mãe me ensinou quando era pequena, para achar brinquedos perdidos. Você não conhece? Sara respirou fundo, olhando ao redor da cela, tentando recordar-se de algo similar e voltou a me olhar. - Não, não conheço. Você pode dizer de novo? Novamente sorri, relaxando os ombros percebendo a tensão sobre eles. - Tá bom. É mais ou menos assim: "São Longuinho, São Longuinho... Se o objeto aparecer dou três pulinhos." - Então é uma simpatia cantada? - Exatamente. - Bom, vou aguardar. Olhei para Sara sem saber do que exatamente ela falava. Não me mexi ou pronunciei qualquer palavra, apenas tentava desvendar pelo o q
Ao retornar para casa, deparei-me com Camille no hall do hotel.Sentada, ela segurava a caixa de doze kgs com Athos dentro.Foi então que me dei conta, que havia deixado meu gato lindo e branco para trás, pois com a correria da mudança não havia me dado conta do que fizera. Contudo, sabia, que ele estava tão seguro e bem cuidado, pois Cida estaria diariamente suprindo suas necessidades.Mesmo assim, uma ponta de culpa me atingiu em cheio e rapidamente fui até ele.Athos foi um presente de Joaquim em meu aniversário, embora logo depois ele fosse assassinado.Athos chegou em uma caixinha ainda mamando no bico da mamadeira e desde então passou a fazer parte da minha vida incondicionalmente.- Athos !!! - Exclamei amorosamente, vendo o quanto ele estava confortável na sua caixa.Peguei-o no colo e fiz um carinho em sua cabeça e tão logo, o bichano est
Como combinado, comprei a bíblia que Sara havia pedido. Não sabia ao certo qual a utilidade do manuscrito em suas mãos e quis acreditar que era apenas um meio de passar o tempo ou refletir sobre suas ações, mesmo após tantos anos do crime. Eu tentava não perder tempo pensando em perguntas e respostas que não me levariam a lugar algum, certamente dentro de nosso acordo, cumpriria meu combinado. Levar até ela, o que dentro de minhas condições, era desejado. Sara sabia que meu interesse era único e exclusivamente por sua versão da história. Na loja, quando a vendedora veio ma atender, fiz questão de frisar o tipo de bíblia cristã que procurava, ou seja, uma que tivesse o antigo e o novo testamento. Com simpatia de quem adora uma boa comissão, rapidamente, a vendedora me mostrou algumas que me chamaram a atenção. Folheando cuidadosamente, pensei no quanto de tempo Sara teria para ler tudo aquilo. Avistei uma bíblia co
Foi nesse momento, que interrompi Sara, pois precisava entender o que estava ouvindo. Essa invasão de privacidade, o espaço em um momento íntimo invadido me deixava em dúvida se o que ocorria é um excesso de zelo ou realmente de controle. Fosse qualquer um dos dois motivos, o incômodo logo se tornava visível. - Carla, você por acaso esté me escutando? - Ela disse impaciente. - Eu tinha dezenove anos e isso não parou até meus vinte e oito. O humor da Detenta 682, começou a mudar sutilmente. Recordar tais situações lhe causavam irritabilidade e eu não podia arriscar que ela se negasse a falar mais sobre o cotidiano que tinha com a mãe. - Qual era o nome da sua mãe? - Perguntei. - Regina. - Arfou cansada. ... "Não adiantava pedir. Eu chegava do trabalho sempre as dezenove horas, implorando por um banho após um dia inteiro na rua. Tudo o que eu queria, era uma longa e boa ducha. A primeira cois
Eu ouvia consecutivamente no gravador, a conversa que tivera com Sara horas antes. A respiração mudava quando falava da mãe e o aparente controle em sua vida. Ela se remexia na cadeira, ao relatar como a invasão materna lhe causava um sentimento enfastiante. No entanto, não podia deixar passar absolutamente nada e através das informações que havia me fornecido sobre o ex-namorado, cabia a mim correr atrás desse homem, que sem dúvidas alguma, me ajudaria a entender ainda mais essa relação conturbada que Sara tinha com a mãe. De repente com sua percepção de namorado, a pesquisa que em breve se daria também com os familiares, poderia ajudar a criar veracidade no material que eu produzia. Uma grande aliada, com certeza foi a internet, pois com ela tudo se simplificava. Certamente não voaria para outro Estado a procura de um ex-namorado de Sara, embora a ajuda de Camille fosse tão necessária quanto o wi-fi. Era apenas um quest
Sara - Manhãs Indigestas Minha mãe, durante a vida cozinhou para quatro pessoas. Eu, ela e meus dois irmãos mais velhos: Raul e Anderson. Devido a fome gigantesca que ambos tinham, mamãe preparava porções de comida pela manhã e como eles trabalhavam fora, tudo era preparado muito cedo para os dois homens da casa. Com isso, passei a maior parte da vida, acordando de manhã, sentindo cheiro das refeições. No entanto, esta va tudo tudo bem, porque aquilo não me incomodava quando mais nova. O problema começou quando Raul e Anderson saíram de casa. ... Na casa em que vivíamos, tinham três quartos, dois banheiros, uma cozinha e a sala. Mamãe dormia na suíte, eu dormia no quarto que ficava na frente do dela, e os meninos dividiam o maior quarto, que ficava de frent
Saí do presídio com a cabeça latejando, o que estava se tornando comum. Sara se mostrava cada vez mais aberta ao falar da mãe, mesmo tendo nos conhecido há pouquissimo tempo. Sua confiança em mim, parecia surgir a cada encontro. Era incrível, aquela mulher irônica e debochada havia desaparecido. O que encontrava diariamente, era outra pessoa. A voz de uma mulher que precisava se livrar de seus próprios fantasmas. No entanto, quando começava a falar da mãe, não parava. Parecia estar em transe. Focava o olhar em um ponto cego e me deixava em dúvida, no que era imaginação ou o que era real. Algmas vezes precisei respirar fundo. Sara, narrava tudo de maneira fria e constante. Contudo jamais terei a oportunidade de conhecer Regina, mas começava a ver que havia naquela mulher algum descontrole emocional, talvez um distúrbio psíquico. Evidentemente, no final da nossa conversa Sara abriu um s
A conversa com Raul, tinha sido muito proveitosa. Ele era um cara calmo, tranquilo e trouxe à tona alguns aspectos importantes que precisavam ser expostos, como por exemplo a sua rotina com a mãe e a irmã após o divórcio, quando morou com as duas por quase um ano. Ele falou superficialmente da briga que teve com Sara, sem citar o motivo da briga. Porém não demonstrava ressentimentos a esse episódio. No entanto, comecei a perceber que o amor que ele nutria pela irmã, ia contra o perdão que jamais concediria à ela. O arrependimento por ter sido omisso diante de diversas queixas da mãe, ficou evidente durante nossa conversa, e em alguns momentos precisei deixar que ele se recompuseste. Disse entre lágrimas que as duas brigavam, mas que nunca pensou que Sara fosse capaz de cometer tamanho desatino. A sensação que tive, foi que Raul ainda não acredita que a mãe foi morta por sua irmã, uma assassina completamente fria e calculista. Entretanto, após