Os primeiros dias na empresa sem a presença de Richard foram os piores em muitos anos. Foi difícil chegar pela manhã trazendo apenas o meu café, e ainda mais difícil não ter ninguém reclamando sobre o clima, independentemente se estivesse frio ou calor.
Para o meu alívio, as duas últimas semanas transcorreram sem a presença de Sean, que foi à Itália organizar tudo para se mudar de vez para Manhattan e assumir seu lugar à frente da Blue Earth. Mas, para a minha infelicidade, hoje ele retorna à empresa e tudo o que desejo é que ele pare de me enxergar como inimiga. Ou será difícil cumprir o último desejo de Richard.— Oh, você está aqui. — Ivy, do departamento jurídico, diz, abrindo um sorriso caloroso ao me ver sentada em uma cafeteria em frente à empresa. — Posso me sentar?— Claro! Fique à vontade.— Não sabia que você tomava café aqui. — ela comenta, sinalizando para a garçonete. Esboço um leve sorriso, levando minha xícara de café expresso à boca.— Estou tentando criar novos hábitos; tomar café na empresa parece ter perdido a graça.— Compreendo. Eu também estou me adaptando a esses novos tempos sem o Sr. Gallagher. Por falar nisso, hoje o filho dele assume a presidência. Como você se sente? — ela pergunta, abrindo um sorriso sem jeito logo após. — Me desculpe, eu não queria parecer indelicada. Mas estão comentando sobre o que aconteceu na leitura do testamento e…— Tudo bem. — digo, interrompendo suas palavras. — Sabemos o quanto o pessoal da empresa ama uma fofoca. Bem, estaria mentindo se dissesse que estou tranquila, mas o que posso fazer? Agora, preciso ir ou irei me atrasar. — Afirmo, pegando a minha bolsa para sair. — Tenha um bom dia, Ivy.Após me despedir dela, sigo em direção à empresa, ignorando o vento frio do inverno de Manhattan que balança meus cabelos. Adentrando o edifício, cumprimento as pessoas que encontro e em poucos minutos chego à minha sala, pronta para iniciar o meu dia de trabalho. Logo, uma notícia me faz soltar um suspiro aliviado, mesmo que momentaneamente. Sean só virá após o almoço.— Pelo menos terei algumas horas para me preparar psicologicamente. — murmuro, concentrando-me no notebook.Enquanto permaneço imersa em relatórios e e-mails, o tempo parece voar. A sensação de normalidade parece voltar gradualmente, apesar da tensão que ainda continua devido à presença de Sean na empresa.De repente, o telefone da minha mesa toca, atrapalhando a minha concentração. Com um suspiro apreensivo, atendo. Enquanto ouço as palavras da recepcionista, sinto um misto de confusão e curiosidade se instalar em mim, mas permito que a pessoa venha até a minha sala.Logo, um homem alto e forte, com uma expressão séria, usando um crachá da polícia, b**e à porta.— Zoe Adkins? — Ele pergunta ao entrar na minha sala.— Sim. Bom dia! Em que posso ajudá-lo?— Sou o detetive Elliot Smith, do departamento de polícia de Nova York. Estou conduzindo uma investigação sobre a morte do Sr. Richard Gallagher. Gostaria de fazer algumas perguntas.— Investigação? — pergunto, franzindo as sobrancelhas.— Sim, Srta. Adkins. Precisamos descartar qualquer hipótese antes de finalizar a ocorrência. Apenas formalidades.— Compreendo.— Você estava presente na festa, correto?— Sim, eu fui a responsável pela organização e estive presente na maior parte da noite.— Ótimo. Você teve algum contato direto com o Sr. Gallagher durante a festa? — assinto. — Notou algo incomum em seu comportamento?— Na verdade, sim. Notei que ele parecia um pouco lento e distante, mas atribuí isso à ausência do filho dele.— Entendo. E você viu alguém mexendo nas bebidas ou notou algo estranho acontecendo na área onde elas estavam sendo preparadas?— Não fiquei próxima a essa área, detetive. — afirmo, vendo-o anotar todas as minhas respostas. — Estava focada em garantir que tudo estivesse correndo conforme o planejado. Não notei nada fora do comum, além do que mencionei sobre o Sr. Gallagher.O detetive permanece fazendo uma série de perguntas, registrando cada resposta com uma expressão séria durante todo o tempo. Após longos minutos, ele agradece a minha colaboração e sai, me deixando completamente confusa.— Investigação sobre uma morte natural, que estranho. — murmuro, passando a mão nos cabelos, sinal claro do nervosismo que toma conta de mim.Após o almoço, com a agenda de Sean devidamente organizada, pego meu tablet e caminho em direção à sala da presidência. Ignoro as mãos trêmulas pela apreensão e elevo a mão, dando duas batidas à porta antes de entrar, exatamente como fazia com Richard.Ao adentrar a sala, encontro o novo CEO sentado em sua cadeira de couro preta. Virado em direção à janela, ele mantém o olhar focado na paisagem. Uma parte de mim perde alguns minutos admirando seus ombros largos e seus fios loiros perfeitamente arrumados, mas logo a outra metade me lembra do quão hostil e opressor ele foi.Balanço a cabeça rapidamente, afastando a confusão de sentimentos, e limpo a garganta antes de começar a falar.— Boa tarde, Sr. Gallagher. Seja bem-vindo à Blue Earth. — cumprimento-o, num tom profissional. Ele vira a cadeira abruptamente, me fazendo perceber que ele nem sequer se deu conta da minha chegada. — Vim passar seus compromissos.— Pelo visto, sua palavra é tão válida quanto o seu caráter, Srta. Adkins. Acreditei que não nos veríamos mais, visto que, no nosso último encontro, você estava determinada a juntar suas coisas e sair daqui. — Sean cospe suas palavras, entrelaçando os dedos em cima da mesa enquanto me dá um olhar carregado de desdém. — O que pretende? 10% das ações não foram o suficiente e está em busca de uma porcentagem maior?— Por que você insiste em me ofender? Já deixei claro que a nossa noite foi uma infeliz ironia do destino.— Quer mesmo que eu acredite nisso? Você, como assistente pessoal do meu pai, sabendo que eu estava na cidade, não sabia quem eu era? Ah, faça-me o favor! Não teste minha inteligência! Mas, vamos lá, mostre-me que estou errado.— Eu conhecia seu nome, não o seu rosto, Sr. Gallagher. — confesso, encarando meus pés. Nervosa, passo a mão nos cabelos antes de erguer o olhar para ele. — A única foto sua que vi foi quando o senhor tinha seis anos. Embora tenha sido essencial para o que sou hoje, Richard sempre foi bastante reservado em relação à sua vida pessoal.— Emocionante! — ele exclama, batendo palmas ironicamente. — Uma verdadeira atriz! Juro, quase me emocionei com esse discurso ensaiado. Peça demissão, Srta. Adkins. Pegue o resto da dignidade que deve haver aí, em algum lugar, e saia dessa empresa.— Não vejo motivos para pedir demissão, Sr. Gallagher. Amo o meu trabalho e estou adaptada a ele.— Como queira, Srta. Adkins. Quer permanecer aqui? Ótimo!— O senhor é o novo CEO e tem total autonomia para me demitir.— Quer saber? Isso pode ser divertido. — Sean afirma, abrindo um sorriso sádico. — Porque terei o imenso prazer de tornar a sua vida um inferno. Veremos quanto tempo levará para você sumir daqui.Nas últimas duas semanas, enfrentei a intensa pressão e hostilidade de Sean, que fez de tudo para me desestabilizar. Apesar disso, mantive-me focada no trabalho, recusando-me a ceder. Como consequência, trabalhei muito mais nestes últimos dias do que em anos ao lado de Richard.Sean não estava mentindo quando disse que tornaria a minha vida um inferno, mas o que ele não sabe é que vim de um e não estou disposta a ceder tão facilmente.Após essas semanas de intensa batalha, mesmo com a exaustão atingindo seu ápice e os sintomas de uma gripe se aproximando, dar o gostinho a Sean de me ver desistir está fora de cogitação. Afinal, meu futuro depende disso.— A sua cara está péssima. — Emily comenta, assim que nos encontramos na cafeteria em frente à empresa. — Você tem certeza que pode trabalhar assim? Você deveria ir ao médico.— É apenas um resfriado bobo, Emily. Tomei um remédio antes de vir trabalhar, daqui a pouco isso passa. Atchim!— Saúde! — ela deseja, entregando-me um guardanapo
As palavras do médico ecoam em minha mente imediatamente, fazendo uma onda de choque percorrer pelo meu corpo. Grávida? A ideia parece tão surreal, que é como se eu estivesse presa em um sonho estranho do qual não consigo acordar. — Isso é impossível, doutor. — murmuro, balançando a cabeça negativamente. — Este exame deve estar errado, estou apenas gripada, é isso. — Srta. Adkins, eu entendo que receber essa notícia não seja fácil, mas é altamente improvável que o exame de sangue esteja equivocado. A senhorita teve alguma relação sexual sem proteção nas últimas semanas? — Não, eu nem tenho um… — minhas palavras são interrompidas por uma lembrança. Em um dos poucos flashes que me lembro daquela noite, vi Sean colocar a camisinha. Mas do jeito que estávamos e da maneira como meu corpo amanheceu, percebo que um preservativo podia facilmente ter se perdido e nem sequer daríamos conta. Com um leve aceno de cabeça, peço ao médico que continue. Enquanto ele explica os próximos passos e
Com a presença de Ellie, que se mudou para o meu apartamento após conseguir uma excelente oportunidade de emprego em uma das subsidiárias da Blue Earth, parte do meu susto pela notícia se esvaiu. Ter alguém ao meu lado para dividir essa situação fez com que eu me acalmasse.Ainda assim, a notícia sobre a gravidez continua sendo digerida, mas sei que preciso me concentrar no trabalho que me aguarda. Infelizmente, isso inclui voltar à empresa para mais um dia ao lado de Sean.— Você tem certeza de que está bem? — Ellie indaga durante o nosso café da manhã.— Sim, fique tranquila. Além da possível gravidez, apenas os espirros estão me tirando do sério, mas logo passa. Sem dizer que não posso faltar hoje se planejo ir ao médico em breve. — Afirmo, respirando profundamente. — Ainda tenho esperanças de que esse resultado pode estar errado e que não há um bebezinho aqui dentro.— Mas não se esqueça, Zoe. Se tiver um bebê aí dentro, ele já é muito amado por mim e tenho certeza de que assim qu
“Por Sean Gallagher” Ao receber a notícia de que ela me acompanhará durante a viagem, quase posso ouvir as engrenagens de Zoe girando enquanto ela permanece imóvel. Apesar de suas tentativas de disfarce, a expressão de surpresa estampada em seu rosto me traz uma sensação de satisfação. — Comigo? — Ela sussurra para si mesma, mas o silêncio no ambiente permite que eu ouça claramente. — Disse algo, Srta. Adkins? — Não, senhor. Estava apenas… — É parte do seu trabalho. Por que está tão surpresa com a notícia? — pergunto, interrompendo suas palavras. — Afinal, você costumava acompanhar meu pai em viagens de negócios. — Seu pai não me odiava. — ela resmunga, arregalando os olhos ao perceber que seu pensamento escapou por seus lábios. — Olhe, Sr. Gallagher, eu tinha outros planos para a próxima semana e acompanhá-lo não estava entre eles. Mas como disse, faz parte do meu trabalho. — Ótimo. — afirmo, voltando ao meu lugar. — Preciso do relatório que será discutido na próxima reu
“Por Zoe Adkins”Meu corpo inteiro parece congelar enquanto as palavras de Sean ecoam na minha mente. Tento controlar a náusea que ameaça subir novamente, enquanto encaro a expressão indecifrável de Sean, esperando sua resposta.— É isso, certo? — insisto, após ver uma troca de olhares entre os dois. — Você só pode ser louco se pensa que eu conseguiria fazer mal ao Richard.— Meu pai morreu, você se beneficiou. Convenhamos que muitas coincidências envolvem o seu nome, não acha?— Eu nunca faria mal a ele. Richard foi um grande amigo para mim.— Que tal acalmarem os ânimos por aqui? — Stefano tenta amenizar a tensão, mas Sean o ignora, aproximando-se de mim. — Ouça, Srta. Adkins, — Sean começa, encarando-me intensamente —, por enquanto estou apenas tentando entender os fatos, mesmo que seja difícil ignorar as circunstâncias.— Circunstâncias que surgiu na sua cabeça por conta de uma infeliz coincidência. O nosso… encontro, foi um erro mútuo, mas não justifica acusações infundadas. —
“Por Sean Gallagher” A tarde de sábado começa com a mesma monotonia que tem marcado meus dias desde que cheguei a Manhattan. No quarto onde improvisei uma pequena academia, apenas o som da minha respiração corta o silêncio tenso, em contraste com a agitação que sempre esteve presente na minha vida em Milão. A necessidade de mudança me trouxe à cidade que nunca dorme, mas não contava que um encontro despretensioso com Zoe me faria reviver experiências que eu tanto lutava para esquecer. Aprendi da maneira mais difícil que confiar nas pessoas pode ser uma faca de dois gumes. Você se entrega totalmente e, no fim, descobre que o que realmente importa não são os sentimentos, mas quem você é e o que pode oferecer. Seja em Milão ou Nova York, sempre há algo que me lembra das cicatrizes que o passado deixou. — Por que estou com a impressão de que há algo errado novamente? — resmungo, enquanto forço meus músculos em mais uma série de flexões. — Falando sozinho… O auge da solidão. — a v
“Por Zoe Adkins” Acordo com uma sensação desagradável no estômago. Ainda meio sonolenta, antes de conseguir assimilar o desconforto, corro para o banheiro, mal chegando a tempo antes de vomitar. Segurando a borda do vaso, respiro fundo, tentando acalmar meu estômago revoltado. Depois de alguns minutos, o enjoo começa a diminuir e me sinto capaz de me levantar. — Mas o que é isso? — resmungo, pegando minha escova de dentes. — Então é assim que as grávidas são normalmente acordadas? Após fazer minha higiene pessoal, deito-me na cama novamente, na esperança de conseguir dormir um pouco mais antes de mergulhar nas tarefas impostas por Sean. No entanto, após rolar de um lado para o outro, acabo esticada na cama como uma estrela-do-mar, encarando o teto. — Droga! — resmungo, soltando um suspiro frustrado. — Voltar a dormir seria pedir muito, não é? Passando a mão no rosto, decido me levantar para iniciar o dia. Ao sair do quarto e passar pelo corredor, sinto o cheiro de café rec
Estreito o olhar imediatamente, torcendo para a visão ser apenas fruto da minha mente cansada. No entanto, logo confirmo que ele realmente está aqui. Sentado em uma mesa do outro lado do pub, Sean está ao lado de Stefano. Sem que eu tenha controle, um misto de emoções toma conta de mim, desde a raiva pelo que ele tem me feito passar até o desejo inegável que, infelizmente, ainda sinto por ele. Ao se certificar de que eu o vi, um sorriso sarcástico brota em seus lábios antes que ele leve seu copo de uísque à boca. — Oh, meu Deus… O que fiz de errado na minha última encarnação? — resmungo, desviando o olhar rapidamente. Ellie me encara, confusa. — Parece que você viu um fantasma. Você está bem? — Sim, tudo bem. — respondo, forçando um sorriso. — Vamos dançar? — E você pode fazer isso? — Ellie, pelo amor de Deus! — exclamo, virando meu suco em um só gole, como se isso fosse capaz de me acalmar. Nunca quis tanto um pouco de álcool como agora. — Estou grávida, não morta. É claro que