Capítulo 6

Analú observava atentamente a movimentação tanto dentro quanto fora da casa. Ainda que confinada ao quarto, encontrava consolo na pequena sacada que lhe proporcionava vistas do sol poente e das estrelas despontando no céu noturno. Com um propósito determinado para aquela noite, ela fixou o olhar no carro que transportava seu guarda-costas e aquele homem que se recusava a chamar de pai. Notou que estavam de saída, acompanhados por pelo menos três veículos.

Analú calculou que, talvez, poucos homens permanecessem na propriedade naquele momento. Reunindo toda a coragem que tinha, ela saiu do quarto improvisando uma corda resistente com os lençóis da cama, amarrando-a firmemente na grade da sacada. Sentindo-se sortuda, quando ninguém apareceu quando se se desequilibrou e caiu, como uma fruta madura, no chão abaixo. O som das vozes masculinas vindas de dentro da casa, acompanhadas por risadas altas, denunciou que um jogo de pôquer estava em pleno andamento. Analú sabia que precisava agir rapidamente; em breve, alguém viria entregar seu lanche da noite e descobriria sua fuga. Era hora de correr.

Analú encarou a escuridão da mata à sua frente, sem nunca a temer. Inspirando profundamente, encheu os pulmões de ar e partiu em disparada. Os galhos das árvores chicoteavam seu rosto, mas ela erguia as mãos para se proteger e continuava a fugir, determinada a seguir os passos de sua mãe. Embora não pudesse sequer imaginar os meios que sua mãe usara para escapar daquele inferno, ela sabia que precisava conseguir. Era uma promessa silenciosa, ela devia isso a sua mãe. Uma dívida que Analú estava determinada a cumprir, custasse o que custasse. Ela percebeu o momento em que descobriram sua fuga e sabia que a caçariam implacavelmente. Correr continuamente só a levaria a ser capturada mais rápido. Analú ouviu o som reconfortante da correnteza de água e decidiu seguir naquela direção, na esperança de que isso confundisse seus perseguidores. Encontrando um pequeno riacho, ela seguiu seu curso, buscando apagar suas pegadas na terra. — Parece coisa de filme — pensou ela, mas os sons dos perseguidores pareciam cada vez mais próximos e ameaçadores. Em seu nervosismo, perdeu o equilíbrio e caiu, sentindo uma dor aguda na perna ao chocar-se contra as pedras no leito do riacho.

Sem tempo para se permitir sentir pena de si mesma, Analú se levantou, engolindo a dor e a vontade de chorar, e continuou sua busca por um lugar para se esconder e se acalmar. Sua alma ansiava por poder gritar pelo conforto de sua mãe; sempre que sentia medo, sua mãe estava ao seu lado. Mas desta vez não seria assim. Em um trecho que parecia estar a uma distância considerável de onde fugira, Analú avistou uma pequena gruta, formada pela erosão e pela ação das águas da chuva ao longo do tempo. Sem hesitar, ela se arrastou para dentro da pequena caverna, sem permitir que o pensamento de que o que encontraria lá dentro poderia ser tão maléfico quanto o que a perseguia do lado de fora tomasse conta de sua mente.

Analú se esconderia durante todo o dia e seguiria durante a noite. Ela não tinha tempo para ter medo, tampouco para ponderar sobre os perigos iminentes ou os cenários desconhecidos que atravessava. Seu único objetivo era chegar a um vilarejo, uma casa, um telefone, embora nem soubesse para quem ligar. Sua mãe era tudo o que ela conhecia, o seu mundo. — Ah, mãe, você me ensinou tanto sobre a vida, mas não me ensinou como viver sem você.

Analú não tinha para onde voltar, nem razão para continuar vivendo, mas não entendia por que não conseguia desistir. Embora desejasse, não podia; precisava sair dali e faria tudo o que estivesse ao seu alcance para alcançar seus objetivos. Ela precisava viver. Com o amanhecer, permaneceu na pequena gruta, escondida pelos arbustos que bloqueavam a entrada. Exausta, Analú recostou-se à parede da gruta, tentando organizar seus pensamentos e reconsiderar suas ações.

Analú tentava entender a verdade por trás da imagem que tinha de sua mãe. Se ela pertencia à máfia, o que isso significava para ela? E por que sua mãe nunca mencionara a existência de seu pai? Enquanto pensava em como tudo se encaixava, Analú lutava para reconciliar a imagem amorosa e altruísta de sua mãe com a ideia de uma vida ligada ao crime. Sua mãe era a personificação da bondade, sempre presente na comunidade, dedicada à igreja e às atividades escolares. Nunca, em toda a sua vida, Analú a vira expressar raiva ou agir de forma inadequada.

Dona Rosa era uma mulher serena e cortês, sempre falando com suavidade em seu portunhol, como se quisesse evitar chamar muita atenção para sua origem. Quantas vezes Analú se questionara sobre o motivo de sua mãe jamais mencionar seu país de origem? Era um mistério que a intrigava profundamente.

Analú costumava brincar quando era criança, tentando adivinhar a nacionalidade da mãe. — A senhora é do Paraguai? — perguntava Analú, curiosa.

— Se você quiser que eu seja, serei, minha filha. — respondia a mãe com um sorriso afetuoso.

— Então és da Bolívia! — tentava novamente Analú, com empolgação.

— Se você quiser que eu seja, eu serei, minha pequeña. — a mãe sempre brincava, mantendo o mistério. Analú se via atormentada pela pergunta mais difícil: por que sua mãe jamais havia mencionado aquilo tudo, especialmente sobre Pedra Santa? De alguma forma, ela sentia que já conhecia a resposta; sua mãe simplesmente tentara protegê-la de um verdadeiro monstro.

Analú não conseguia compreender como sua mãe, tão doce e simples, havia se envolvido com um homem como Mariano Pedra Santa. O que teria acontecido entre eles para que Dona Rosa se visse nas mãos de alguém tão perigoso?

Analú tentou recordar das últimas conversas com sua mãe e percebeu o quão paranoica ela parecia nos últimos meses. Dona Rosa estava sempre assustada, constantemente olhando para as estradas que levavam à cidade. O pequeno município, possuía apenas duas estradas de acesso, e de qualquer ponto da cidade era possível avistá-las.

Ela tocou seu pingente, a única lembrança de sua mãe, e chorou. Não queria mais entender o porquê de tudo aquilo; só desejava fugir dali. Sua mãe fugira, e ela faria o mesmo.

 Analú começou a cantarolar em sua mente as canções que sua mãe costumava cantar para ela. Repetia mentalmente as histórias, enquanto lágrimas escorriam por seu rosto. Sentiu-se reconfortada pela lembrança dos momentos felizes ao lado de sua mãe. À medida que a noite avançava, envolta pelo abraço reconfortante da escuridão, Analú adormeceu, sentindo uma ponta de esperança pela primeira vez desde que sua pobre mãe fora tirada dela.

Analú despertou com o coração acelerado no peito, alerta aos barulhos estranhos ao seu redor. Ela parou e tentou controlar sua respiração, concentrando-se para identificar os sons. Concluindo que nenhum deles parecia ser humano, ela saiu da gruta e prosseguiu em sua jornada pela liberdade. Sua reserva de água estava acabando e Analú sabia que precisava encontrar um lugar para abastecer, além de buscar algo para comer. Seu estômago roncava de fome, tornando ainda mais urgente a necessidade de encontrar alimentos. Ela ouviu o barulho de um carro ao longe, indicando que estava próxima de uma estrada. Com cautela, Analú seguiu paralelamente a ela, atravessando em alguns trechos quando se sentia segura. Mais adiante, uma pequena casa, ligeiramente afastada da estrada, chamou sua atenção. Observou-a de longe, atenta a qualquer sinal de cachorros ou movimento humano. Ao perceber que não havia nada disso, Analú se aproximou pela retaguarda e se escondeu em uma espécie de celeiro.

Agradecendo aos céus pela luz da lua cheia, tão clara naquela noite, ela avistou algo que parecia ser uma mina d'água, conectada diretamente ao cocho dos animais. Com cuidado, Analú retirou sua garrafinha de água e a encheu, bebendo mais do que o suficiente para saciar sua sede. Não sabia dizer até que ponto estava realmente com sede, mas bebia avidamente, pois a água parecia refrescante e revigorante. — O dia vai clarear logo. — pensou — preciso de um lugar para me esconder.

Analú encontrou uma pequena capela nas proximidades. Não tinha certeza até que ponto seu pai exercia controle sobre as pessoas da região, então decidiu não confiar em ninguém, nem mesmo no padre. Atenta a tudo ao seu redor, ela entrou na capela e se escondeu na pequena torre da igreja. Mais uma vez, agradeceu aos céus, pois o lugar era perfeito. Havia algumas sacas estranhas que proporcionavam um bom esconderijo, mesmo que o padre ou alguém da igreja entrasse no local. Além disso, pelos buracos nas paredes, ela tinha uma visão de toda a rua, o que lhe permitia detectar qualquer movimento suspeito de longe. Graças às bananas que havia roubado no casebre à beira da estrada, ela teria energia por mais algum tempo.

Analú sentiu um desejo avassalador de chorar, mas decidiu que faria isso em breve. Choraria por sua mãe, choraria por si mesma, mas, por enquanto, precisava engolir o nó que se formou em sua garganta. Jurou para si mesma que sairia dali e colocaria esse grito para fora. Engolindo a dor, ela adormeceu, determinada a enfrentar o que viesse pela frente.

Horas depois, sentindo-se alimentada e descansada, Analú ouviu o som de carros na rua. Pela fresta, avistou os homens da mansão andando de um lado para o outro e falando em rádios. Alguns paravam pessoas na rua, mas estas apenas balançavam a cabeça em negativa. Observou-os entrar em seus carros, alguns retornando pelo mesmo caminho e outros seguindo adiante na direção oposta.

Analú percebeu que precisava de um meio seguro de avançar e encontrou uma alternativa perfeita ao ver um caminhão repleto de sacas de café estacionado em frente à capela. Com a noite se aproximando, viu o motorista entrar na capela e ouviu-o chamar o padre de tio José, além da frase "venha comer, está pronto!". Seu estômago roncou, mas ela teria que se contentar com as bananas que carregava em sua mochila.

Analú desceu da torre e se escondeu entre as sacas de café, puxando algumas sobre si o melhor que pôde. Ela rezava para que fosse suficiente e para que não houvesse nenhuma serpente à espreita. Observando atentamente, seu coração se acalmou ao ouvir as palavras: "Vou até o porto, tio. Volto depois de amanhã!"

Analú sentiu-se incrivelmente sortuda. Se conseguisse entrar em uma embarcação, teria uma grande chance de escapar e talvez até mesmo chegar à embaixada do Brasil.

O caminhão rodou durante o que parecia ser a noite inteira, e já estava quase amanhecendo quando o motorista parou em um pequeno posto de gasolina. Analú ficou tensa por um momento, mas logo o caminhão continuou sua jornada, e ela respirou aliviada, sentindo-se forte e muito confiante. Com um sorriso de esperança no rosto, ela voltou a dormir.                                                

                      

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo