Capítulo 7

Desde que chegara ao Vale Del Calca, Marcus tornou-se a sombra de Pedra Santa, nunca deixando o chefe desprotegido. Quando foi convocado para acompanhá-lo em uma reunião de negócios em Cali, sabia que seria uma ausência prolongada. Deixou a jovem aos cuidados dos homens encarregados da segurança da fazenda e da governanta da casa.

— Como vai o progresso com a garota, Marcus — Pedra Santa perguntou, entre baforadas de seu charuto.

— Teimosa e desafiadora, chefe. Mas está progredindo nos estudos e em breve a introduzirei aos negócios da família — respondeu Marcus.

— Ótimo. Faça o que for necessário, apenas certifique-se de que ela não me cause problemas. Ela será fundamental para nossa aliança com o russo nos negócios — concluiu Pedra Santa.

Marcus optou por não pressionar o assunto, sabendo que sua influência poderia impedir a união com o velho russo, algo que ele trabalhava arduamente para evitar. Ao chegarem ao local onde Pedra Santa era aguardado, ele se viu no centro das atenções. Marcus sentiu um profundo desprezo ao estar cercado por indivíduos tão desprezíveis, principalmente por não poder agir contra eles, sendo obrigado a sorrir e se conter diante de bandidos.

O jantar parecia interminável, e Pedra Santa sempre o mantinha ao lado dele, todos sabiam as intenções dele em transformar Marcus em seu sucessor. Marcus levantou o celular até o ouvido, enquanto Pedra Santa brincava que seu capanga tinha poderes telepáticos. Era como se ele sempre soubesse de tudo um segundo antes de qualquer outra pessoa. — M****a! — Marcus perguntou impaciente, ele mataria o desgraçado que a deixou escapar — Como isso foi possível? Como uma criança conseguiu escapar de homens treinados?

Pedra Santa ergueu os olhos, exigindo uma explicação para a interrupção. — diga-me a garota fugiu? Como isso aconteceu?

 — Sim chefe! E se me permitir ir, senhor, eu também gostaria de saber — respondeu calmamente.

— Então vá! Encontre-a e, quando a encontrar, traga-a até mim! Avise-me quando tiver ela sob controle — ordenou Pedra Santa.

— Sim, Chefe! — respondeu Marcus, pronto para iniciar a busca pela garota fugitiva.

Marcus retornou furioso, alguém pagaria por isso, e ele estava mais que disposto a cobrar a dívida, estava muito irritado com a garota por se colocar em risco maior do que os que já a cercavam. Sem se conter, ele fez jus a sua fama de homem mau ao encontrar os culpados, pela fuga da garota, embora desejasse dar fim a existência de mais alguns vermes ele decidiu entregá-los ao chefe, não era necessário sujar as mãos, até porque o destino daqueles dois estava selado.

— Marcus ela foi em direção à cidade, nós a perdemos na trilha do riacho. — Disse um dos homens coçando a cabeça sem entender como fora enganado por uma criança.

Marcus ordenou que os outros retornassem à fazenda, enquanto ele seguia sozinho a trilha deixada pela menina. — Hora da caçada fujona. Vamos ver quão longe você chegou e que artimanhas usou para enganar os homens de seu pai. Pelo menos esta parte será divertida — resmungou para si mesmo enquanto avançava decidido em sua busca.

Ao chegar ao riacho, Marcus examinou cuidadosamente todos os locais onde uma garota poderia ter atravessado durante a noite, beneficiado pela luz da lua cheia. Ele observou atentamente cada ponto, agindo com cautela enquanto buscava por qualquer pista que pudesse indicar o caminho tomado pela garota.

Marcus ponderou sobre as possíveis estratégias de fuga que a garota poderia ter empregado, questionando-se sobre como alguém tão jovem e aparentemente simples como ela poderia ter sido tão astuta. Ele reconheceu a abertura disfarçada que chamou sua atenção, refletindo sobre como ela conseguiu ocultá-la tão bem. A curiosidade misturada com o espanto o levou a se perguntar sobre os métodos que ela utilizou para evadir-se da vigilância, considerando a sua idade e origem aparentemente modesta.

Marcus recolheu cuidadosamente os vestígios deixados pela presença da garota na gruta, guardando as cascas de frutas e embalagens de chocolates que ele mesmo havia dado a ela na manhã anterior à sua viagem. Seguindo seus instintos, continuou na trilha, reconhecendo que provavelmente teria tomado o mesmo caminho se estivesse no lugar dela. Avistou o casebre e aproximou-se com cautela, iniciando uma conversa com a velha senhora que ali residia. A mulher, visivelmente assustada, negou ter visto qualquer pessoa, e Marcus, procurando tranquilizá-la, assegurou-lhe que ela não estava em perigo e que não seria prejudicada. Marcus observou o celeiro onde a garota se escondeu, impressionado com sua inteligência e discrição ao utilizar o local como esconderijo. Admirando sua astúcia, ele murmurou para si mesmo: — Então você se esconde durante o dia, por isso os idiotas não conseguem te achar. Muito bem, garota! Está tornando isso cada vez mais divertido.

Em seguida, Marcus chegou a um pequeno vilarejo algumas milhas à frente, composto por algumas residências isoladas e uma modesta capela. Após conversar com os moradores e vasculhar o local em busca de sinais da passagem da garota, dirigiu-se à capela e subiu diretamente até a torre do sino, atraído pela peculiaridade do lugar. Ele soube que ela esteve ali e pela primeira vez sentiu-se orgulhoso dela.

O padre local jurou que ninguém havia passado por lá, além dos homens de Pedra Santa que reviraram tudo e de seu sobrinho que estava só de passagem a caminho do porto. — Merda! Que horas ele passou por aqui? — Marcus perguntou irritado, assustando o padre.

— Ontem à noite, meu filho. Você sabe que Patrício gosta de viajar à noite. Ele já deve estar na metade do caminho.

Marcus gritou algumas ordens pelo rádio e saiu em disparada com seu jipe, torcendo para encontrá-la antes deles. Uma ordem foi dada para que nenhum barco saísse do pequeno porto. Ordenou também que ninguém falasse nada sobre o assunto. Ele não queria que ela percebesse que alguém descobrira seu plano.

Seguindo em alta velocidade, Marcus sabia que o velho caminhão de Patrício jamais seria páreo para o seu veloz jipe. Com um pouco de sorte, ele os alcançaria antes que chegassem ao porto. Pelo menos, era isso que ele estava torcendo.

Do alto da serra, Marcus pôde ver o caquético caminhão trepidando nas curvas lá embaixo. Ele parecia pequeno, mas Marcus o reconheceu com facilidade.

— Te peguei, garota! — Marcus sorriu triunfante, feliz por ela ter chegado tão longe e mais feliz ainda por tê-la encontrado a tempo. No entanto, não podia negar que estivesse admirado.

Marcus aguardou, seguindo de longe observou o caminhão parando num pequeno restaurante na estrada. Já estava escuro e ele a surpreenderia; afinal, ela só andava de noite, então em breve ela sairia da toca.

Encostado na lateral de outro caminhão, ele a observou descer, olhando atenta para todos os lados. Quando se sentiu segura, ela se esticou, espreguiçando.

Marcus bateu palmas, felicitando a garota, que caiu assustada de bunda no chão. Ela estava aterrorizada.

— Parabéns, menininha! Estou impressionado! Sério, eu jamais pensei que chegaria tão longe. E olha que eu já persegui muito marmanjo. Estou surpreso e, acredite, estou muito orgulhoso de você.

— Não! — a garota gritou, tentando fugir apavorada, mas Marcus a interceptou e, antes mesmo que ela desse conta, estava sentada no chão novamente. — Por favor, não me leve de volta. Eu faço qualquer coisa que você queira, mas não me devolva para ele! — implorou aos prantos.

— Menina, mesmo se eu te deixasse fugir, para onde você iria? Você está a quilômetros de distância da capital, e qualquer vilarejo ou sinal de civilização que você encontrar pelo caminho pertence ao seu pai. Até as crianças que você encontrar te entregariam a ele. Então, me diga, estou curioso: como você fugiria?

— Eu não sei. Minha mãe fugiu dele, e eu fugirei também. Cheguei até aqui, não foi?

— Ah, ponto para você. Mas sua mãe era nativa, ela conhecia o lugar, conhecia os homens do seu pai. E mesmo assim, ela só conseguiu fugir porque teve ajuda. Pobre menina, você tem ideia do que fariam com você se te pegassem antes de mim? Venha, vamos para casa. Você parece cansada e faminta.

— Por favor, você não parece ser como ele. Me deixe ir embora, eu te imploro!

— Acredite, criança, estou te protegendo. E não se engane a meu respeito. Eu não sou bonzinho. — rosnou, e seu coração doeu por ela e por sua sorte. Marcus ofereceu a mão e ela a pegou resignada, “pelo menos por enquanto” ela pensou. — e talvez não devesse me pôr à prova menininha.

— Analú! — ela corrigiu.

— O que disse? Eu não a entendi! — perguntou Marcus sarcástico.

 — Analú, esse é o meu nome, idiota! — protestou emburrada tentando seguir seus passos rápidos.

— Me-ni-ni-nha! — repetiu pausadamente bem perto da sua orelha. — Sorte sua que eu te encontrei, espero que não se repita, se tentar de novo vai descobrir uma nova definição da palavra maldade, entendeu? E, se quer um conselho bem útil, fique de boca fechada, menininha.

Ele abriu a porta do jipe e ela ajudou a entrar, ela parecia fraca, estava a três dias fugindo e Marcus percebeu que apenas algumas frutas foram as suas refeições. Chegando à fazenda, ele a empurrou em direção aos homens que aguardavam do lado de fora.

 — Levem-na para o chefe, agora! — ordenou e eles assentiram. Um dos homens a ergueu sobre o ombro quando ela protestou se negando a andar. 

—¿Cómo puedes ser tan malo? ¡Él va a hacerle daño!— a governanta com cara assustada  chiava atrás dele.

 — No me provoque Consuelo, salga de mi frente y vaya a dormir! — Marcus saiu irritado sabendo que a velha senhora tinha razão em temer por ela, Pedra Santa iria machucá-la, mas para mantê-la segura ela teria que aprender a confiar nele, só assim ele poderá ajudá-la.

Ele saiu indo em direção ao seu quarto, sabia que seria chamado em breve, e tinha certeza de que não iria gostar do que veria.  Marcus sabia como Pedra Santa reage quando suas ordens não são obedecidas e ele não a pouparia por ser uma garota e nem mesmo por ser sua filha. 

Marcus se sentia incapaz de protegê-la, e se sentia culpado por falhar com ela de novo.  Os responsáveis pela segurança dela e que por estarem jogando pôquer em vez de estar atento ao seu trabalho foram pegos no caminho de Marcus, foram os alvos de toda a sua fúria.

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