02

Kesie Ferraz

Desde ontem não consigo dormir bem, passo horas pensando no que fazer para desmascarar Maicon e pôr um fim nisso de uma vez. Desejo justiça, mas conhecendo bem ele como conheço, Maicon é capaz de desmentir nosso relacionamento e colocar tudo contra mim.

Comecei ontem a tarde a escrever meu novo livro, talvez o trabalho  me ajude a fugir um pouco da minha realidade. Sou tomada por uma explosão criativa e não consigo parar de escrever, porém, logo noto que a personagem da história, vive um relacionamento abusivo, que seu atual namorado não passa de um criminoso e de repente vejo que estou descrevendo momentos dos quais eu própria vivi. Não sei se é uma boa ideia, porém, depois de muita angústia, algumas coisas começaram a passar em minha mente e uma delas é usar o meu trabalho como ferramenta. Começo a relatar com riquezas de detalhes tudo. Violência, roubos e crimes, cometidos por Maicon, porém através de personagens fictícios. Há momentos no qual preciso parar, respirar fundo e conter as lágrimas

Passo horas escrevendo, e quando olho no relógio confirmo que já são quase dez horas, horário em que Maicon disse que mandaria Igor para me buscar. Como ele nunca aceita um "não ", certamente Igor já deve estar lá embaixo. Ouço o som da campainha tocar. Guardo dentro de uma pasta as folhas que estão em minhas mãos e jogo na mesa de centro da sala. Bruno está concentrado em um jogo de vídeo game já pronto para sair com sua mãe, eles vão ao aniversário de seus avós, os pais de Brayan.

Ele me olha e se comunica comigo em línguas de sinais, meu sobrinho é especial de todas as formas e não apenas por ser surdo, algo que herdou do pai. Bryan também era portador da surdez, o perdemos há cinco anos por causa de um câncer, foi tudo muito difícil pra todos nós, desde então Elizabeth está comigo, ambas nos ajudamos, há um elo forte demais entre a gente, minha irmã é o meu porto seguro, meu fôlego quando não consigo mais respirar, é a pessoa mais importante da minha vida.

— " Tia, você está linda."

Sorrio e lanço beijos no ar para ele.

Abro a porta ainda colocando os brincos na orelha.

Vejo Clemente, nosso porteiro bem na porta segurando um buquê de rosas "amarelas".

— Boa noite, senhorita, Kesie. Acabaram de entregar.

Estas flores sempre me deixam tensa. Sei bem de quem se trata, o maldito não se cansa.

— Obrigada, Clemente — Pego o buquê de suas mãos com um falso sorriso como se tivesse amado as flores.

— São lindas, senhorita — ele diz e quase não ouço. Estou dizendo vários insultos mentais.

Sorrio, ainda falsamente.

— Sim, são lindas. Obrigada por trazê-las.

Ele se despede e sai. Assim que a porta se fecha vejo Bruno.

— "Seu namorado está de volta?"— o garoto pergunta fazendo careta entre os sinais.

Bruno nunca foi de grandes amores por Maicon e o maldito tratava meu sobrinho com desprezo por sua deficiência, várias vezes tivemos brigas e discursõe quando eu precisava sair em defesa de Bruno.

Fico calada. Dou a volta na bancada da cozinha e lanço as flores na lixeira sobre o olhar do meu sobrinho. Ele sorri com o que vê.

Faço sinais em resposta:

— "Não, Bruno. Não voltei pra ele e nunca mais vou voltar."

Passo pelo meu sobrinho e lhe beijo a testa. Sigo para o meu quarto para calçar os sapatos. E ignoro o sorriso em seu rosto aliviado com minha resposta. 

Estou de costas quando Elizabeth entra enfurecida.

— Me diz que Bruno está mentindo quando disse que você está arrumada toda lindona para sair, não vai se encontrar com Maicon né?

Paro bem a sua frente, quando ela me vê vestida com um micro vestido de renda preto sensual e maquiada.

— Estou muito bem, Beth, obrigada — falo ainda passando meu batom cabernet.

— Kesie! Eu não acredito que você vai se encontrar com aquele monstro.

Me sento na cama para calçar meus saltos. Primeiro um e depois o outro.

Levanto e me aproximo da janela, dou uma leve olhada e vejo o Audi-A4 preto, estacionado em frente ao meu prédio.

— Vou sim — respondo secamente.—  Se o conheço bem, Maicon acredita que não irei, ele odeia falta de pontualidade. 

— Você só pode estar maluca. — Beth bufa inconformada.

Me aproximo de minha irmã e olho em seus olhos.

— Pretendo gravar minha conversa com ele. Vou fazer Maicon confessar tudo o que já me fez.

Elizabeth me olha incrédula.

— Não tenho dúvidas de que você está fora de sua sanidade. Isso é uma loucura.

Tento aquietá-la. Faço gesto para que se sente na cama.

— Eu sei que é perigoso. Mas não tenho outra alternativa. Preciso provar que Maicon é um maníaco possessivo. Preciso provocá-lo até que manifeste sua monstruosidade.

— Pare! Eu não vou deixar você fazer isso. Kesie da última vez ...

Eu o interrompo. Não quero que ela me lembre do que houve na última vez, ou não terei forças para fazer o que planejo.

— Elizabeth, eu preciso fazer isso. É minha única chance. 

Mesmo inconformada minha irmã se cala. Sinto ela apertar forte minha mão em sinal de apoio.

— E como vou saber que você está bem, promete que vai me ligar?

Eu suspiro mais aliviada com seu apoio.

— Sim eu prometo que ligo.

Elizabeth me abraça e eu correspondo.

— Mas agora preciso ir. Ou Igor o motorista dele vai acabar desistindo.

Minha irmã suspira.

— Que Deus te proteja, irmã.

Pego minha bolsa.

— Amém. Mande um abraço pra senhora e o senhor Miller.

Saio lançando beijos no ar.

*

A expressão de Igor é de completa surpresa. Certamente não esperava que eu viria.

Ele dá a volta e abre a porta do carro.

— Senhorita, Kesie... Boa noite.

Entro no carro rapidamente.

Ele é profissional como sempre. Igor é um homem alto de porte atlético e fica bastante sério em seu terno. É a pessoa de confiança de Maicon, está acostumado a me buscar.

— Boa noite, Igor.

Vejo ele pegar seu telefone e começar a digitar uma mensagem. Certamente deve ter dito a Maicon que eu não iria e agora está tentando avisar sobre minha ida.

Delicadamente seguro sua mão lhe impedindo.

— Por favor, não avise. Quero muito fazer uma surpresa. Afinal tem bastante tempo que não o vejo. Meu atraso é proposital, quero que Maicon pense que não irei.

Falo lançando um olhar malicioso. Na certa o convenço pois vejo ele guardar o aparelho no suporte e começar a dirigir.

Tento disfarçar o quanto estou tensa. Nunca fiz algo parecido. Não sei se irei me sair bem, pois durante todo esse tempo cultivei um ódio mortal por Maicon, uma sede de justiça pelo mal que ele me fez. Nosso relacionamento sempre foi conturbado, foram muitas brigas, porém, fui apaixonada por ele algum dia.

Quando nos conhecemos, ainda estava abalada com a morte do meu cunhado, carregava o fardo sozinha de consolar Elizabeth e Bruno que era apenas uma criança e sofria de uma forma dolorosa. Sim, eu estava vulnerável, fui uma presa fácil. Me entreguei a Maicon com todas as minhas forças. Focada em minha carreira profissional como modelo, e depois como escritora, não me dediquei a relacionamentos, minha experiência era quase zero. Por isso me apaixonei feito uma tola. A forma possessiva que ele me tratava sempre eram seguidas de justificativas que eu mesma criava.

Ele só teve um dia ruim…

Foi sem querer, ele não quis me agredir…

Desta vez foi porque ele bebeu um pouco a mais, não tem noção do que está fazendo…

Mas em algum momento eu despertei, e percebi que estava fazendo tudo errado. Que homem nenhum tinha direito sobre mim, ou meu corpo, de que eu não era objeto exclusivo de ninguém e que eu precisava me libertar. Maicon não aceitou o nosso fim. Foram ameaças, contra minha família, contra minha integridade. Porém, esta história de terror precisa ter um fim e agora meses depois, tenho a chance de conseguir uma prova de tudo que ele me fez. Pego meu telefone na bolsa e já o coloco no modo de gravador de voz, certa de que nesta noite conseguirei algo que possa me ajudar a fazer justiça e terei um novo rumo em minha vida, um novo capítulo da minha história que vai se iniciar. 

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