O tempo na lanchonete de beira de estrada parecia uma eternidade, o cheiro da gordura de fritura já começara a embrulhar o estômago de Arthur aumentando seu mal-estar psicológico e físico. O atendente se aproximou do balcão, Arthur estava de cabeça baixa, entretanto sentiu a presença do funcionário da lanchonete e antes que este lhe perguntasse o que iria comer ou beber ele se antecipou ao pedido.
_Uma dose de Whisky por favor. – Antes que o atendente se afastasse ele completou. _E sem gelo por favor.
_Bêbado!
A voz rouca e acentuada veio do seu lado esquerdo. Arthur já sabia a quem pertencia aquela voz funesta, ergueu os olhos lentamente para confirmar e constatou o que sua percepção já lhe antecipara, era o Chofer.
_Me de
Uma forte pontada no frontal de sua cabeça o faz acordar, era a ressaca de uma garrafa de whisky, estava deitado ocupando dois bancos do ônibus, por alguns momentos sentiu-se perdido até que conseguiu sentar-se e erguer a cabeça com sua visão alcançando a estrada pelo para-brisa. Para seu desespero, além daquele sentimento horroroso de ressaca que já não sentia há mais de quinze anos, percebeu que tudo seguia como antes, uma estrada úmida, escura e embrenhada em uma névoa sem fim. _Seja bem-vindo de volta meu caro. Aquela voz rouca parecia rachar seu cérebro ao meio, como quando se engole uma bola de sorvete inteiro de uma só vez. _Não enche.&
Sentindo sua energia se esvair, Arthur está exausto na plataforma de embarque da linha vermelha na estação Praça da Sé do metrô sentido zona leste de São Paulo. Esgotado, sem forças para se mexer, sente mãos rígidas o pegarem pelos dois braços e imediatamente ele percebe seu corpo ser erguido e em seguida é colocado sentado de volta em um dos bancos. Ao abrir os olhos, Arthur vê que se trata de dois seguranças do Metro. _O senhor está bem? – Um deles perguntou de forma simpática e preocupada. Buscando se encontrar nos fatos Arthur deixa escapar um sorriso amarelo. _Não sei dizer, acho que estou sim.&n
Uma semana antes da fatídica viagem de Arthur ao mundo sobrenatural, os dias seguiam insuportáveis, seu tédio e depressão o amarravam no quarto deixando-o isolado do restante do mundo em um profundo poço escuro e sem fundo. A imersão no silêncio caótico é quebrada pelo ruído de arranhões na porta de vidro da sacada, Arthur contrariado se levanta da cama e vai suportando a dor latejante de seu joelho direito atender a um pedido de socorro, se arrasta pelo quarto levando consigo as dores do corpo e a tontura de uma forte ressaca que por vezes o visitara nos últimos dias. Chegando próximo a sacada o som das arranhadas ficam mais intensos e um miado longo deixa claro quem está fazendo aquele alarde, era Baltazar, seu amigo cinza. Arthur abriu a cortina de cor vinho que deixava o ambiente da sala em penumbra, a claridade afetou-lhe os olhos.&n
Uma brisa gélida toca o rosto de Arthur que acorda preguiçosamente, sente as pálpebras pesadas e um sentimento de “ter que abrir os olhos contra a própria vontade”, o cansaço o dominava por completo adicionado a um amargor na garganta e um pontada sequencial na parte anterior da cabeça, metade de sua consciência insistia em despertar e seguir em frente a outra o forçava a fechar os olhos e continuar em sono profundo. A brisa se transformou em um vendaval repentino que assustou Arthur fazendo-o dar um salto e ficar sentado no banco de madeira, ainda sonolento e agora sentindo uma ansia, percebeu que estava em frente a um restaurante de beira de estrada, mais precisamente na saída da cidade de Barueri-SP, era fim de tarde no crepúsculo as nuvens do horizonte estavam pintadas com manchas escarlate, ele ficou ali contemplando aquele raro momento de paz quando um piar de gavião o trouxe para a realida
Fortes solavancos chacoalham os passageiros do Meteoro bruscamente de um lado para outro, o Chofer mantém sua total atenção na estrada com os olhos esbugalhados e o suor escorrendo em seu rosto; a tempestade os alcança e o vento por vezes tenta empurrar o ônibus para fora da rodovia, à frente troncos de árvores caem no meio da pista obrigando o Chofer a mostrar todo seu talento ao volante, suas mãos seguram o volante com firmeza e segurança e alavancado pelos longos braços que correm por cima da direção realiza curvas precisas de um lado a outro com a precisão de motoristas dublês em filmes de ação, desviando de um lado para outro, tirando fina dos obstáculos e do guardrail. Arthur apesar de estar em desespero assim como todos ali, ele fica por um momento paralisado, como se sonhasse acordado olhando para o nada, sua mente viajava por toda a sua linha tempora
Um espasmo vibrou o corpo inteiro de Arthur, seus olhos estavam pesados e aos poucos foi sentindo um amargo na boca que descia pela garganta através de um tubo, ao longe o som de um bip ia constantemente e gradualmente entrando em sua mente como se alguém estivesse tentando hipnotiza-lo com algum tipo de dispositivo mecânico. A visão embaçada lhe permitia ver apenas manchas e vultos em um ambiente pálido, em meio a um leve desespero não tinha forças para se mexer ou emitir algum ruído. Aos poucos a sensação de fobia foi lhe tomando, bem como a razão foi entrando nos eixos. Tentava se manter calmo para entender o que acontecera, ao passo que uma sonolência lhe tomara quase que por completo fazendo-o fechar os olhos e voltar ao seu estado de inércia. Vinte e quatro horas depois seus olhos voltaram a reagir, A
As luzes da cidade deserta distorcem seus reflexos por entre as águas da chuva que caem torrencialmente em uma noite fria de outono. Próximo ao centro, em uma esquina de construções do século XIX onde um dos prédios com três andares chama a atenção pelo seu estado de deterioração. No terceiro andar, em uma janela que tem a visão da avenida principal, um quarto escuro está iluminado apenas pelos flashes de ferozes relâmpagos e pelo neon do bar Trago Nosso De Cada Dia, dentro do cômodo é possível ver uma corda com nó de forca pendurada acima do batente superior da porta e apenas o vulto de Arthur Flammer sentado à beira da cama olhando pela janela a chuva cair incessante na noite fria com seu rosto paralisado recebendo as cores rosa, verde e branca do neon, um ambiente propício para executar seu último ato, aquele que en
Após alguns chacoalhões pelas estreitas ruas da cidade o antigo modelo Meteoro finalmente cai na estrada, ele segue a 100km/h cortando uma densa névoa que substitui temporariamente a chuva. Arthur sente as pálpebras pesarem, o cansaço da tensa noite anterior parece ainda estar massacrando seu corpo, sente dores e desconforto muscular principalmente ao redor do pescoço, por vezes se esquece de tudo quando fixa o olhar pela paisagem escura da noite e sua mente segue em viagem para outros lugares e épocas, neste momento de início da jornada seus pensamentos o remetem a uma lembrança ímpar com sua filha. Arthur se vê em um quarto de hospital com sua esposa Claudia, eles eram obviamente mais jovens e pareciam ansiosos, sua esposa sentada no leito ainda com a camisola que tinha o logo do Hospital e maternidade Santa Casa de Misericórdia, o casal conversa sobre um assunto qualquer sem importância