Capítulo 5

O dia seguinte amanheceu chuvoso e Ambhar acordou com os pingos batendo em sua janela. Com preguiça e vontade de ficar na cama aquele dia, simplesmente virou de lado e cochilou mais um pouco. Cochilou e acordou diversas vezes embalada pelo barulho da chuva. Era a primeira vez que chovia ali, não se lembrava de ter visto ao menos chuviscar. Não fossem pelas árvores aquosas, não haveria água para as plantas. Será? Se levantou e correu para se arrumar, para descer. Saiu e não encontrou ninguém. Estava com um sono impossível ainda. Havia tomado banho, o que estava acontecendo? Parecia se arrastar pelos degraus até lá embaixo. Não havia visto ninguém no caminho. Para onde foram todos? Que estranho. Nem Kasphio que costumava esperá-la para o café da manhã estava por ali. Estava ocorrendo algo. Ela ouviu um barulho de porta abrindo e olhou atenta para cima. A bruxa Filanthe e Saphyre desciam as escadas, uma segurando na outra.

- O que está acontecendo? - perguntou

- É a chuva sonífera - falou Filanthe. - Eu odeio essa merda. Todo ano essa chuva vem e adormece todo mundo.

- Por quê? - perguntou Saphyre.

- Não sabemos, não realmente, mas me lembro de ouvir de minha mãe que tinha algo a ver com a recuperação do solo. Que a chuva vinha para ajudar o solo a descansar, e que era enviada pelo Deus da preguiça, chamado Aegion. Pelo menos era a lenda que minha mãe contava. Contava que nesse dia todos dormiam para recuperar suas forças. Sinto informar que vamos passar o dia assim. Aparentemente apenas nós três levantamos. - ela explicou.

As três caminharam até um sofá e se sentaram.

- Será que tem alguma comida? Estou com muita fome! - perguntou Saphyre.

- Não sei - falou Ambhar. - Eu não cheguei a ir até a o salão de refeições. Vamos ver?

- Sim, mas não podemos nos molhar com a chuva, uma mínima gota faz dormir por mais um dia. - Falou Filanthe.

- E sua filha Filanthe, como está?

- Ela desperta e grita, estou mantendo ela adormecida. Já tirei qualquer feitiço que ela tinha mas mesmo assim é difícil ela confiar em mim. Pensa que sou a bruxa que a sequestrou de Borag. Eu tô tão cansada disso tudo. - ela falou e levantou. - Eu pretendo realmente comer, estou com muita fome, só isso me fez sair da cama. Vamos?

- Claro, também me sinto com fome, vou aproveitar e levar para Kae, se ele acordar - respondeu Saphyre. - Venha Ambhar, vamos pegar algum alimento, com Filanthe. - As três foram juntas até a cozinha interna e encontraram parte da comida pronta. Algumas elfas e outros seres estavam sentados em cadeiras, espalhados pelo cômodo. Algumas panelas borbulhantes já com muitas comidas prontas.

- Mas como? As comidas não queimam? - perguntou Ambhar espantada.

- São feitiços, os fogões são enfeitiçados para não queimar a comida. Para não ter desperdício algum. - respondeu Filanthe

- Uau, bem útil! Isso devia ser vendido - brincou Ambhar.

Colocaram comida nos pratos, sentaram na mesa ali mesmo e se alimentaram. Haviam terminado já e Saphyre colocou mais uma rodada de comida no prato. Filanthe também encheu o seu. Tudo devagar. Ambhar pescava às vezes e resolveu que subiria logo para o quarto antes de cair de cara no chão. Parecia um feitiço do sono onde todo mundo dormia junto com a princesa que picou o dedo. Bizarro

Que sandice isso. Ainda tinha coisas para fazer, precisava treinar mais, se preparar mais. Agora que mais seres iriam na viagem, eles tinham mais preparativos ainda. Dois de três cestos estavam repletos de mantimentos, barracas, armas e tudo que precisariam. Elas subiram. Passaram por mais alguns que resolveram sair também para pegar algo na cozinha. Bêbadas de sono cada uma entrou em seus quartos, se despedindo. Filanthe dizendo que isso era apenas perda de tempo. Após ficar tantos dias presa em sua cabana, ela iria mesmo odiar ficar presa por uma chuva sonífera. O dia passou e a chuva não deu trégua, após ficar quase uma hora sentada, tentando anotar táticas de luta misturadas a suas explosões de fogo em um caderno, entre cochilos e sustos, ficou com medo de cair da cadeira e deitou na cama. Dormiu. Sonhou, no início, muitos sonhos desencontrados e malucos mas que faziam todo o sentido para ela no momento. Em um deles, ela voava, sim, com suas próprias asas, ela flutuava na brisa quente do mar, logo acima dele. Seu olhos percorriam encantados a vastidão de água, vendo os animais diferentes pularem para fora após sua passagem como se tivesse dando as boas vindas. E depois de tanto voar, por tanto tempo que suas asas rangiam com o esforço disso, ela se deixou cair na água, onde havia um monte de sereias diferentes das que ela havia visto nas viagens que fez. Elas não eram de aparência humana com rabo de peixe e se transformavam, tinham escamas no corpo todo, não havia cabelos ou pelos, seu olhos era redondos como os dos peixes e sempre abertos, sem pálpebras para piscar, suas orelhas nada mais seram que barbatanas pontudas. Suas guelras eram em suas costelas. Elas a acompanharam pelo caminho que percorria. Mas Ambhar precisava descansar. Então esperou e flutuou. Elas pareciam agitadas e com pressa, mas Ambhar precisava mesmo parar. Em poucos minutos, ouviu uma agitação no mar, as sereias a olhavam como se pedissem que saísse dali com elas, apontando o caminho, eu demorei um pouco para me mexer, as costas e pernas extremamente cansadas. Do nada, uma parede de água subiu, levando Ambhar para o alto, tão rápido que ela não conseguia se mexer. A parede ficou ali, suspensa no ar e ela percebeu, que se mexesse bem rápido, conseguia nadar por esta parede, se deslocando de lugar. A parede permaneceu ali enquanto ela esteve no sonho. E ela não conseguia sair, ou pular fora dela. Ela contornou toda a extensão da parede, suas mãos pareciam tocar vidro como se ela estivesse em um aquário, dos dois lados, olhou e viu em baixo as criaturas que tentaram tirar ela dali e não conseguiram a tempo. Elas continuavam a acenar para ela. Ela desceu para atender as sereias-peixe e descobriu que a parede de água descia até mais abaixo da faixa de mar e que não era contínua, havia buracos feitos por pequenos redemoinhos. Uma das sereias-peixe mergulhou pelo redemoinho na água e passou para o outro lado, me deu um riso macabro de peixe e eu fui fazer a minha tentativa, finalmente havia conseguido passar para o outro lado por um redemoinho, até que bem grande.

Subindo, subindo e subindo até chegar à superfície eu olhei o muro do lado de... dentro dele? Aparentemente ele formava um círculo que espelhava o mar. Espelhava. Como se ali não houvesse nada à vista, porque simplesmente mostrava o que estava atrás, como um espelho! Que boa forma de esconder coisas, pensou. Nadou mais um pouco rodeando o muro de água e viu uma ilha, não, não era uma ilha, era muito grande para isso. Resolveu olhar de cima, sentia que suas costas já estavam descansadas. Refez suas asas e subiu conforme as batia.

As terras eram impressionantes e as sereias-peixe lá embaixo faziam círculos sobre si mesmas, como se estivessem felizes. Eu vi ao longe aquela faixa de terra que se estendia a perder de vista dos quatro lados, cheia de árvores e construções parecidas com as dos outros seres das cidades que foi, mas ao mesmo tempo diferentes. Haviam árvores enormes, de caule avermelhado, com milhões de galhos extremamente fortes e grossos e em todos eles se viam casas de barro ou algo parecido, bem arredondadas, construídas. Não tinham telhados, lembravam apenas bolinhos de barro moldados com janelas e portas coloridas. A mata embaixo era super fechada, parecia que nunca, ninguém passara a pé por ali. Ela viu águias voando ao longe, ou algum outro tipo de pássaro. Eles chegaram mais perto e ela percebeu que tinham pernas iguais às dela e braços. Eram anjos? Suas asas eram de cores diferentes, cada um deles tinha uma cor exclusiva. Eles chegaram perto dela batendo suas potentes e enormes asas emplumadas, carregavam lanças brilhantes na mão. E as feições deles não eram muito amigáveis.

- Sua gente não é bem vinda aqui!

E eu acordei. Fiquei deitada alguns segundos e percebi que queria e deveria escrever o sonho com todos os detalhes. Havia sido muito nítido. E agora que ela estava acordada havia percebido ainda mais coisas nele.

Detalhes que lhe haviam passado despercebido no momento mas que agora, acordada, pensando sobre, ela relembrou. Levantou ainda grogue. A chuva havia cessado. Pegou uma folha e começou a anotar com um lápis tudo que podia. Pensou em chamar alguém que sabia desenhar para que fizesse um mapa do lugar, podia estar sendo maluca em querer anotar tudo de um sonho, mas neste lugar, aprendeu que nem tudo é o que parece e que algo bobo podia ser algo importante. Seguiu sua intuição e continuou a escrita. Passou tanto tempo escrevendo que quando ouviu a batida em sua porta se assustou. As mãos todas borradas e milhares de papéis na escrivaninha e no chão, de desenhos que ela não conseguia fazer e descartava. Levantou e atendeu a porta. Era Kasphio.

- Olá. Boa noite. Você soube de suas irmãs? Alguém veio falar algo?

- Não, não, o que foi? Estou um pouco ocupada. - ela mostrou o quarto e as mãos sujas.

- Oh meus deuses! Você também teve os sonhos premonitórios! Saphyre também os teve, e Sírius chegou agora há pouco falando que Emeraldy está escrevendo e pintando algo sem parar.

- Sírius? Ele estava com ela? Oh meus deuses, nós três tivemos sonhos? - Ela virou caminhando com cuidado em pequenos espaços que não tinham papel. Foi juntando maços de folhas, uma em cima das outras. Kasphio fez menção de ajudar e ela apontou para ele. - ah ah ah, não toque, apenas pare e segure os que eu te der, sem mexer na sequência. Por favor. Desculpe, mas preciso que isto fique do jeito que eu colocar. - ela falou, olhando com olhos meigos para ele.

- Eu mais que entendo, sou um bibliotecário, esqueceu? Manterei do jeito que você me falar! - Ele piscou pra ela e sorriu meio de lado. Ela foi e deu um beijo nos lábios dele. Era a primeira vez que ela mesma tomava a iniciativa de fazer algo que a levava em direção a ele. Eles estavam progredindo, pensou Kasphio.

- Oh, isso sim é um bom começo de dia, um beijo doce e papéis para ler e ajudar a catalogar! - disse ele animado.

Ela riu e continuou a pegar as folhas juntando em um braço e quando ficavam cheios, ela colocava em cima da pilha que estava nos braços dele.

- Deuses eu não sabia que havia escrito e desenhado tanto! Se estiver pesado coloque naquela mesa ou na cama. Por favor.

- Não, não está. Isto é normal, dormimos e acordamos energizados, é como se a própria chuva nos desse um descanso para podermos repor as energias, então somente nos deixamos dormir. A explosão de Energia após isso é renovadora. Você logo verá. Disse ele sorrindo.

Ela terminou de pegar os papéis espalhados um em cima do outro e colocou nos braços dele. Foram andando pelo corredor e entraram na biblioteca do castelo, onde Saphyre estava com mais um pilha gigante de coisas. Atrás deles, havia sido disposta uma mesa recheada de comida e Ambhar mal cumprimentou todos e foi direto nos pães, estava com muita, muita fome. Comeu mais pães do que ela geralmente comia de manhã, tomou sucos variados e frutas. Após o surto de fome, ela limpou a boca calmamente. Só então ela se virou para eles. Estavam olhando para ela e rindo.

- O quê!? Eu estava com fome. - Ela falou caminhando até a mesa cheia de papéis. Ela viu o que Saphyre havia feito, parecia com o seu desenho. Só que mais nítido, Saphyre desenhava melhor que ela.

- Eu fiz isso também. Olha. - buscou na pilha que Kasphio havia colocado, separou cuidadosamente. Puxou sua folha. - Isto. É o mesmo que o seu, só que desenhado de forma grotesca. Desculpem. Não desenho nada bem.

- Era uma parede de água, como se fosse um aquário dos dois lados de fora, não tinha como sair de dentro, só nadar ao longo dela, entendem? - falou Saphyre.

- Sim, e era reflexiva, como um espelho. - respondeu Ambhar

- Viu os anjos? - perguntou Saphyre.

- Sim, ele me disse que minha gente não era bem vinda. E eu acordei - contou Ambhar.

- As sereias-peixe, elas te ajudaram a passar?

- Sereias-peixe, como assim? - falou Tarwin surpreso. - Elas são lendas para nós. Dizem que descendemos delas. Como eram?

- Como peixes, mas com corpos de sereia, com a cauda, mas coberta de escamas, com olhos de peixe, boca, sem pálpebras, sem orelhas, mas tinham pescoço, tronco, braços com dedos com uma membrana entre eles.- explicou Saphyre.

- Um minuto. - Tarwin andou pela biblioteca, procurando pelas sessões e Àsgar, Faleey e Kasphio foram ajudar. Voltaram com um livro pesado. Na capa está escrito: Lendas de Kalimares de Gwenelly Grovery.

- Aqui. Este era um livro que líamos quando crianças, nossos pais nos mostravam. Aqui está concentrado todas as lendas. A escritora documentou as cantigas e as histórias passadas de pais para filhos.

Abriu a página e foi passando em vários desenhos. Chegou na parte de sereias, ou Seirến como estava escrito no texto. A imagem era parecida com a que ela haviam visto no sonho.

- Era essa aparência, bem parecida. Só que elas tinham seios grandes, bem maiores do que aqui no desenho, não vi nenhum macho. Você viu Saphyre?

- Não vi. Apenas algumas pequenas e delicadas fêmeas, muitas estavam com seus ventres dilatados, como se esperassem um bebê. Eu acho.

Sírius entrou neste instante, carregando uma pilha de papéis escritos, acompanhado de Emeraldy que parecia bem aterrorizada.

- Soube que vocês também tiveram um sonho parecido com o meu. Trouxe o que escrevi e tentei desenhar. Igual a vocês. Onde posso pôr?

Os rapazes arrastaram uma mesa maior e colocaram ao lado da que eles estavam usando. Era muita coisa.

- Vocês não estão com dor nas mãos? Desenharam e escreveram muito! - Falou Sírius com sua voz rouca e grossa.

- Sim! - disseram as três.

- O que é isto? - perguntou Emeraldy, chegando perto da mesa. Virou para Sírius. - É a fêmea daquele que me atacou no sonho. Sírius veja isto.

- O quê, o macho delas te atacou?

- Sim, primeiro vieram duas e me levaram pelo buraco no aquário gigante e depois ele apareceu e ele era duas vezes o tamanho delas, alto e largo, musculoso, quis me submeter a ele. Eu consegui fugir por um tempo, até chegar à terra e quando me virei, estava cercada de seres. Todos armados e alguns eram anjos e eu acordei.

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