A DAMA DE VERMELHO
A DAMA DE VERMELHO
Por: Lika
PRÓLOGO

Era uma manhã conturbada na Las Vegas downtown, assim como todas as outras. Os arranha-céus sempre acordados na cidade que nunca dorme exalavam dinheiro e poder. Aquele era um lugar onde as pessoas jamais se sentiriam em casa, no entanto, também não teriam vontade de sair dali.

Ainda era muito cedo para o restante do mundo, mas não para a ambição dos cassinos e clubes que abriam as portas e mostravam ao público o melhor da vida; o prazer. Os prédios elegantes ao longo da avenida dispunham de escritórios, boates e residências. A mistura eclética era o que caracterizava a cidade do pecado, sua vastidão e amor pela novidade. O tédio jamais se instalaria em Vegas.

Dentre os incontáveis prazeres na cidade do pecado, os departamentos policiais também não descansavam. Os telefones tocavam incansavelmente na delegacia, principalmente nas manhãs de sábado.

E no meio do furacão que o departamento mostrava ser, Blair Collins caminhava pela recepção. Ela estava deslocada naquele ambiente conturbado, com pessoas se movimentando agilmente enquanto corriam contra o tempo para cumprir seus afazeres.

Blair aproximou-se da recepção. A mulher estava carregando consigo uma caixa, onde guardava alguns de seus pertences. Aquele seria seu primeiro dia de trabalho no departamento de polícia de Las Vegas, como assistente do inspetor. Não era um trabalho indispensável, mas ela estava feliz em poder ajudar, de alguma forma.

- "Oi" ela cumprimentou a recepcionista, que digitava rapidamente no teclado em sua frente.

- "Bom dia. Como posso ajudá-la?" a mulher respondeu, e sequer olhou para Blair.

- "Eu fui transferida, e tenho uma recomendação..." Blair começou a explicar, porém foi interrompida em sua fala.

- "Você chegou do departamento de Nova Iorque, certo?"

- "Sim"

A recepcionista ergueu os olhos para a mulher em frente ao balcão. Era inegavelmente bonita, e iria movimentar a parcela masculina da delegacia. Ela analisou as roupas de Blair também; parecia ser uma mulher simples, sem muitos caprichos em seu visual.

- "O inspetor Davis irá orientá-la. Me acompanhe, por favor"

O crachá da recepcionista informava seu nome; Eloise Donelle. Eloise circulou o balcão da recepção, e então guiou Blair para dentro do departamento, onde a magia do cumprimento de leis acontecia.

Enquanto elas caminhavam pelo departamento, os olhares seguiram a nova funcionária como gaviões. Alguns estavam curiosos, outros estavam interessados.

Eloise bateu duas vezes contra uma das últimas portas do corredor, onde havia uma placa intitulada com o nome do inspetor que ali trabalhava.

Blair suspirou. Ela odiava seu antigo chefe, e temia que Spencer Davis pudesse ser ainda pior. No entanto, a mulher não teve muito tempo para pensar sobre o assunto, pois a porta foi aberta, revelando um homem de meia idade, cabelos grisalhos e olhos azuis muito inteligentes.

- "Seja bem-vinda, Srta. Collins" Spencer cumprimentou, olhando diretamente para a moça ao lado da recepcionista.

- "Obrigada"

- "Entre, por favor. Eu estava esperando por você"

Spencer abriu espaço para que Blair entrasse, e então dispensou Eloise com um aceno sutil. Blair adentrou aquele pequeno escritório, repleto de caixas fechadas nos extremos e papéis acumulados sobre a mesa. Os armários estavam abertos, revelando os livros velhos que o inspetor guardava. Ela tentou ignorar a desorganização, mas foi impossível.

- "Eu recebi ótimas recomendações. Me diga, por que pediu transferência?" Spencer demonstrou interesse.

Ele caminhou até a mesa e sentou-se em sua cadeira velha, que rangeu ao receber seu peso. Blair tomou seu acento na cadeira em frente à mesa, e colocou a caixa que levava consigo no chão.

- "Eu decidi me mudar para Las Vegas, para morar perto do meu pai"

- "Você passou anos longe do seu pai" ele acusou, como o bom inspetor que era.

A mulher ficou estática, por um momento. Blair e Jean Collins, seu pai, não eram melhores amigos. Eles tiveram desavenças no passado, e Spencer parecia saber sobre elas. Contudo, pai e filha estavam buscando uma forma de se reaproximarem, embora fosse mais difícil para ela.

- "Isso é passado"

Spencer franziu o cenho enquanto pensava em algo. Ele era um homem muito centrado, e certamente sabia investigar a vida das pessoas para entendê-las. Não foi diferente com Blair. E quando Spencer preparou-se para dizer algo, a porta de sua sala foi aberta sem aviso prévio.

- "Bom dia, inspetor Spencer"

Um homem adentrou a sala do inspetor, levando consigo algumas pastas. Ele olhou para a ruiva instintivamente, e levou alguns segundos a analisando, mais do que seria ético. Seu nome era Colton, um agente operacional.

- "Bom dia, Colton. Me diga que trouxe boas novidades" Spencer disse, recostando-se em sua cadeira.

- "Eu trouxe os relatórios que você pediu"

- "Deixe comigo. Esta é Blair Collins, nossa mais nova colega de trabalho"

Colton manteve os olhos na mulher por alguns segundos, e então sorriu. Ele gostou da simpatia que o rosto angelical e bonito dela expressava.

- "Seja bem-vinda, Blair"

- "Obrigada, Colton"

Colton deixou as pastas sobre a mesa do inspetor e abandonou a sala. Spencer abriu os relatórios sem muita expectativa, pois sabia que nenhum de seus casos eram resolvidos com facilidade. Blair não entendeu aquela movimentação, e ficou confusa quanto a sua presença naquela sala.

- "Sim, eu investiguei sua vida. Eu sei que morou na Filadélfia, e sei que foi uma ótima funcionária no departamento de Nova Iorque. Também sei que é filha de um cineasta milionário" Spencer disse, displicente, enquanto começava a ler um dos relatórios abertos.

- "Imagino que seja seu trabalho"

- "Bem, é verdade. Mas existe outro motivo para que esteja aqui"

- "E qual seria?" Blair perguntou, franzindo as sobrancelhas com uma mistura de confusão e desconforto.

- "Seu pai, Jean Collins, é um homem muito influente na elite. Ele conhece pessoas que nos interessam. E a única forma de alcançar pessoas do topo é escalando até lá"

Blair não precisou de mais palavras para compreender a situação. Então o departamento de polícia usaria a posição social de seu pai para alcançar pessoas poderosas. No início, ela chegou a pensar que fosse uma bela piada, mas bastou olhar para a expressão séria de Spencer para constatar que não.

- "Eu entendi. Você quer usar a posição social do meu pai para alcançar pessoas como ele, e quer me usar para isso. Mas eu lamento, Spencer, não faço parte do meio social de Jean" ela explicou-se.

- "Eu sei. Você passou muitos anos longe dele, e a maioria das pessoas sequer sabe que Jean tem uma filha. Mas eu lamento, Collins, agora é hora de se mostrar ao mundo"

- "Você quer que eu trabalhe como uma agente disfarçada, ou coisa do tipo?"

- "Não. Não somos o FBI. Acontece que um bilionário surgiu em nossa lista de suspeitos, seu nome é George Banks"

Spencer abriu a primeira gaveta de sua mesa e dela retirou uma pasta. Ele a abriu e pegou a primeira foto da pilha, estendendo o papel para que Blair pudesse ver. Era uma imagem impressa de um homem conservado, em seus sessenta e poucos anos, bem vestido e acompanhado por uma mulher elegante.

- "Faz anos que eu investigo este homem, mas a ficha dele é mais limpa do que água destilada. A família Banks está acima de qualquer suspeita" ele continuou.

- "Então por que continua investigando?"

- "Minha intuição nunca falha. Eu sei que há algo errado. Mas a CIA nunca quis se envolver na investigação, porque se estivermos errados, esta família estará contra nós" Spencer comentou, olhando melancolicamente para a foto.

- "Eu preciso entender melhor"

- "Eu não quero que você seja uma espiã disfarçada, Blair. Quero apenas que compareça aos eventos com seu pai, e seja meus olhos e ouvidos na alta sociedade. Nunca terei uma chance melhor"

- "E se você estiver errado?" Blair questionou, nunca descartando a possibilidade.

- "Se eu estiver errado, então esqueceremos esta investigação e você voltará a ser uma simples auxiliar"

Blair deslizou as mãos pelo cabelo com nervosismo. Ela fora designada para imprimir papéis, fazer cafés, atender telefonemas e enviar recados. Este era seu trabalho em Nova Iorque. No entanto, do dia para a noite, a mulher viu-se tendo que espionar a vida de milionários.

- "Benedict Brian era um estilista parisiense. Ele foi assassinado brutalmente há cinco anos atrás, e seu corpo foi encontrado em um de seus ateliês, com facadas estratégicas e parte da língua decepada. É uma marca comum entre máfias tradicionais, que seguem protocolos restritos..." Spencer começou a explicar, vendo que apenas assim conseguiria convencer a mulher diante de si.

- "...Algumas testemunhas citaram o sobrenome Banks. Todos ignoraram, mas eu não. Quatro dias após o assassinato de Benedict, Ethan Banks assumiu os negócios da família. Minha mente explodiu, e eu tentei de todas as formas encontrar provas suficientes. Mas eles eram escorregadios..."

O inspetor inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos na mesa antiga. Ele olhou para Blair quase como se estivesse suplicando. Aquele caso, em especifico, era um que o homem não conseguia resolver. Mesmo após anos de tentativas, de noites mal dormidas e de pesquisas sem resultado, ele não desistiu. Para Spencer, o bem deveria sempre prevalecer, e se isso não acontecia, era sua obrigação intervir.

- "...Meu chefe ordenou que eu parasse com minha obsessão. Envolver a família mais influente do país em uma investigação seria como pedir para ser processado. Ele me deu uma última chance, e eu não posso desapontar. Se não conseguirmos sequer uma prova contra esta família, então acabou" ele completou.

Blair Collins não sabia até que ponto estava, de fato, convencida. Ela ainda não conseguia dissolver as informações que recebera. Todavia, a única certeza que ela tinha era de que ajudar Spencer poderia ser uma coisa boa e altruísta.

- "Eu posso tentar" Blair murmurou, um tanto quanto vacilante em suas palavras.

- "Eu espero que sim. Agora vamos conhecer seus colegas de trabalho, depois eu explicarei os próximos passos".

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