Segredos

Pov Elya

O crepúsculo tingia o céu com tons de violeta e dourado quando atravessei o pequeno portão de madeira que delimitava minha casa do resto do condado. O aroma de lenha queimando se misturava ao perfume suave das flores que cresciam desordenadas no jardim. Eu amava estar aqui, mesmo com todas as dificuldades. Meu lar era modesto, mas aconchegante, uma pequena casa de pedra com vigas de madeira aparentes, janelas estreitas e cortinas de tecido puído, bordadas à mão por minha avó antes dela partir. Minha mãe tentou aprender de toda a forma, mas mesmo fazendo peças para vender, sempre se comparava.

Entrei na cozinha e encontrei minha irmã, Irina, sentada junto à mesa de carvalho, escovando os longos cabelos castanhos com um pente de madeira entalhada, outro presente da minha avó. Ela conhecia a vaidade de cada uma, por isso me deixou um livro de histórias, aquelas que contava para nós quando eramos pequenas. Seus olhos brilharam quando me viu.

“Finalmente você chegou! Eu estava te esperando para conversarmos sobre o baile”, disse Irina, com um sorriso travesso.

Suspirei e joguei minha capa sobre uma das cadeiras, antes de me servir de um pouco de pão e queijo.

“Já conversamos sobre isso antes. Não tem nada para falar. Nenhuma de nós vai ser escolhida por um nobre.”

“Mas você não pode negar que seria maravilhoso! O palácio, os vestidos, as joias… Imagino que até o ar deva ser diferente lá.”, Irina girou o pente entre os dedos, pensativa. ”Já imaginou como seria poder viver sem se preocupar com comida, com trabalho duro, com nos esconder? Se não fosse por Ragnar, eu claramente tentaria me casar com um nobre.”

Cruzei os braços e olhei para ela, sentindo um aperto no peito.

“E também não precisaríamos nos preocupar em sermos caçadas, certo? Porque é exatamente isso que aconteceria se descobrissem o que somos.”

O sorriso de Irina desapareceu, e sua expressão ficou desanimada. Eu não queria ser dura, mas não podia alimentar sonhos impossíveis.

“Eu sei disso, Elya, mas…”, Irina hesitou. “Às vezes penso que não devíamos viver escondidas, sem poder fazer nada do que queremos, do que podemos. Afinal, somos poderosas. Se não tivéssemos medo, poderíamos mudar nossa própria sorte.”

Estendi minha mão, e, com um simples pensamento, uma pequena chama surgiu na minha palma, dançando com um brilho quente e laranja. A luz tremeluziu no rosto das duas.

“Veja essa chama, Irina. É pequena, fraca, inofensiva assim. Mas se eu quiser, posso transformá-la em um incêndio capaz de consumir essa casa inteira. Nosso poder é grande, mas é uma maldição se não soubermos controlá-lo.”

Irina pegou seu pente de madeira e o passou delicadamente pelos cabelos mais uma vez. Pequenas folhas brotaram entre as mechas, verdes e viçosas. Ela as tocou com os dedos, observando o brilho do orvalho que se formava nelas.

“Mas por que esconder? Se temos esse dom, devíamos usar para nos proteger. Para crescer.”

Suspirei, fechando a mão e apagando a chama. Caminhei até a lareira e me encostei no batente de pedra.

“Já falamos sobre isso inúmeras vezes. Nossa família foi abençoada pelos deuses há séculos. A magia era comum nessa terra e desde o início usada para proteger e prosperar. Mas o medo das pessoas fez com que destruíssem tudo. Eles caçaram aqueles que tinham dons como os nossos. Primeiro, eliminaram. Depois, passaram a escravizar. Os reis antigos queriam bruxas para servi-los, não para prosperar. O que acha que fariam se descobrissem que quatro irmãs têm o controle dos quatro elementos? Imagina em quantas guerras nós teríamos que lutar?”

Irina abaixou o olhar e brincou com as folhas que cresciam entre seus dedos.

“Eu só… fico cansada de me esconder. De fingir ser alguém que não sou.”

Me aproximei e coloquei a mão no ombro da minha irmã.

“Eu sei, Irina. Mas não podemos agir de maneira imprudente. Se soubermos jogar nossas cartas certas, então assim podemos encontrar outro jeito de mudar nossas vidas.”

Irina levantou os olhos para mim, incerta, mas pareceu aceitar a resposta. A conversa foi interrompida pelo som da porta se abrindo. Nossas outras irmãs, entraram rindo, trazendo consigo o aroma fresco.

“Estão cochichando de novo?”, Cione brincou, enquanto ajeitava uma mecha do cabelo preto atrás da orelha.  “É sobre o baile, não é?”

Cassandra, a mais nova, sorriu animada.

“Eu mal posso esperar para ver como é lá dentro! Sei que não tenho idade para casar, mas pelo menos vou comer bastante e me divertir. Obrigado por me levar, Elya.”

Olhei para minhas irmãs e senti um aperto no coração. Elas não compreendiam o perigo, a gravidade daquilo tudo. Se fossem descobertas, seríamos caçadas, vendidas ou mortas. Mas, ao mesmo tempo, entendia o desejo delas. O sonho de um futuro melhor.

Hoje a noite, o baile aconteceria. E tudo poderia mudar para sempre.

Naquela tarde, não consegui parar de pensar sobre o que aconteceria. O vento zunia do lado de fora, agitando as árvores e fazendo as sombras das folhas se moverem como criaturas sobre as paredes do meu quarto. Fiquei deitada, observando o teto de madeira, ouvindo o som ritmado da respiração de minhas irmãs no outro cômodo.

Por mais que tentasse afastar os pensamentos, a ideia de ser escolhida para dançar no baile não me deixava em paz. Eu sabia que não deveria sequer cogitar essa possibilidade, mas… e se um milagre acontecesse? E se Leon realmente me escolher amanhã na frente de todos? Sei que ele já disse que faria, mas ainda sim, não queria criar certezas. Viver as expectativas parecia muito melhor, no momento.  

Por um instante, fechei os olhos e imaginei a cena, eu, vestindo meu lindo vestido de seda azul, entrando no grande salão iluminado por milhares de candelabros. Meus passos ecoando no chão de mármore polido. E então, Leon estendendo a mão para mim, um sorriso suave nos lábios.

Bem, no fundo do meu coração, eu já possuia meu parceiro e tenho certeza que aquela noite mudaria o meu futuro para sempre. 

Pov Leon

Cheguei em casa ao entardecer com o coração batendo acelerado, como se cada pulsação anunciasse que algo grandioso estava para acontecer. O céu, parecia fazer um último tributo ao dia que passara, um dia repleto de sentimentos intensos e de expectativas que me faziam sonhar acordado com o baile. Eu suspirei, aliviado e, ao mesmo tempo, arrebatado pela emoção de ter passado momentos tão mágicos, imaginando com cada pensamento o instante em que, finalmente, dançaria com Elya pelo salão, deixando que nossos olhares se encontrassem e nossas almas se reconhecessem sem palavras.

Mal pisei na sala principal da casa quando encontrei meu irmão, Petrus, já à minha espera. Ele estava encostado na parede, com aquele sorriso maroto estampado no rosto e os olhos brilhando de diversão. Assim que me viu, não perdeu tempo e, entre risadas, soltou:

“Meu irmão, hoje você está mais apaixonado do que nunca, hein? Já se preparou para pedir a mão da donzela em casamento bem na frente de todo o baile?”

Eu não pude deixar de rir junto com ele, sentindo que aquela brincadeira era a maneira que Petrus tinha de mostrar o quanto ele torcia por mime, principalmente, pelo meu amor por Elya.

“Ah, Petrus, você sabe que não consigo evitar”, respondi, enquanto meu sorriso se alargava. “Eu mal posso esperar para ver os olhares de surpresa quando começarmos a rodopiar juntos pelo salão.”

Enquanto conversava animadamente, a empolgação tomou conta do meu corpo e, sem perceber, comecei a dar pequenos giros pela sala, ensaiando mentalmente os passos de dança que sonhava realizar com Elya. Num desses rodopios despretensiosos, perdi o equilíbrio por um breve instante e, de forma desastrada, bati com o braço numa garrafa de argila que repousava sobre a mesa central. O som seco do impacto ecoou por alguns segundos, interrompendo momentaneamente a nossa conversa.

Num misto de constrangimento e rapidez, consegui apanhar a garrafa antes que ela caísse no chão. Petrus soltou uma gargalhada ainda mais alta, como se aquele pequeno incidente fosse a cereja do bolo para a sua alegria.

“E aí, meu irmão, o que você vai vestir para essa noite de gala? Como é que você vai se deslocar até lá?”, perguntou ele, com os olhos cintilando de diversão e um tom de brincadeira em sua voz.

Respirei fundo e, tentando manter a compostura, respondi:

“Eu juntei dinheiro por meses para alugar um terno que, sem dúvidas, é um dos mais bonitos que já vi. E não se preocupe, eu vou com os meus amigos, William e Ragnar. Já acertamos tudo, vamos pegar uma carona juntos até o baile.”

Petrus riu novamente, dessa vez de forma mais calorosa, e, sem hesitar, levantou-se e me abraçou com força. Seu abraço, repleto de carinho e de memórias, me lembrou do quanto ele valorizava os momentos especiais da vida. Ele disse, com a voz embargada pela emoção:

“Lembro-me tão bem do dia em que encontrei minha esposa, Leon. Esperei meses pelo baile e, no dia, quase tive um infarto de tanta emoção, mas, te garanto, nunca fui tão feliz como hoje. Estou tão feliz por você, irmão. Sei que essa noite vai mudar sua vida para sempre.”

As palavras dele ecoaram em mim, aquecendo-me por dentro e fazendo-me acreditar que o destino reservava algo extraordinário. Ainda rindo e conversando, percebi como aquele simples gesto de afeto e confiança era capaz de dissipar qualquer sombra de dúvida que por vezes me assombrava.

Após os abraços e as últimas brincadeiras, decidi me retirar para o meu quarto. Aquele refúgio, onde sempre encontrava um pouco de paz, parecia esperar por mim com a calma de um porto seguro. Deitei-me na cama com um suspiro profundo, deixando que as lembranças e as expectativas se misturassem em meus pensamentos. Enquanto fechava os olhos, minha mente viajava por todos os momentos do dia, cada olhar furtivo, cada sorriso compartilhado e, principalmente, cada pensamento sobre Elya.

Lá estava ela, a donzela que transformava meus dias comuns em uma dança de emoções intensas. Eu imaginava o brilho dos seus olhos, o calor do seu sorriso e a suavidade do seu toque. Pensava em como seria maravilhoso rodopiar com ela pelo salão, deixando que nossos corpos se movimentassem em perfeita sintonia, como se o tempo e o espaço se curvassem à força do nosso amor. Cada detalhe daquele pensamento me enchia de uma alegria tão pura que, por um breve instante, pude esquecer dos medos que sempre insistiam em assombrar o coração.

Enquanto repousava, deixei minha mente divagar por devaneios de um futuro brilhante. Recordava as palavras de Petrus, que me lembravam de que, apesar de todas as adversidades, a felicidade era possível para quem se entregava de corpo e alma ao que realmente amava. Eu já não via a hora de ir ao baile, de enfrentar aquela noite encantadora e de transformar cada segundo em uma memória eterna. A ideia de estar ali, lado a lado com Elya, me fazia vibrar por dentro, e cada batida do meu coração parecia gritar que o destino tinha planos grandiosos para nós dois.

Fechei os olhos e deixei que a imaginação me envolvesse. Imaginei o salão do baile, repleto de luzes e cores, onde cada passo de dança seria um testemunho do nosso amor. Vi-me rodopiando com Elya, os nossos movimentos se entrelaçando num ritmo que só nós entendíamos, enquanto olhares de admiração e surpresa surgiam ao nosso redor. A cena era tão vívida em minha mente que eu pude quase sentir o perfume suave que emanava do vestido dela e o toque quente das mãos que se encontravam no compasso da música.

Minha mente divagava por todos os detalhes: as risadas contagiantes dos amigos, as palavras trocadas com os colegas de jornada, e até mesmo os pequenos tropeços que poderiam acontecer como aquele incidente com a garrafa de argila, que agora se transformava em uma lembrança divertida, uma marca do quanto eu estava nervoso e, ao mesmo tempo, feliz. Cada pequeno detalhe se transformava em um lembrete de que a vida era feita de momentos imperfeitos, mas que, quando unidos pelo amor, tornavam-se perfeitos.

Lá fora, o crepúsculo já se transformava em noite, e as sombras dançavam pelas paredes do meu quarto enquanto a lua se erguia no céu. Eu sabia que, naquela noite, tudo mudaria. A expectativa, a emoção, e até mesmo os medos se misturariam para formar um novo capítulo da minha vida. Enquanto me deixava levar por esses pensamentos, senti uma calma inesperada invadir meu ser, como se cada dúvida fosse substituída por uma certeza silenciosa: o amor de Elya era a força que me impulsionava, a luz que me guiava e a razão pela qual eu estava disposto a enfrentar qualquer obstáculo.

A lembrança do abraço de Petrus, de sua voz carregada de emoção e de sua confiança inabalável, continuava ecoando na minha mente. Ele sempre soube enxergar o que havia de melhor em mim, mesmo nos momentos em que eu duvidava de mim mesmo. E naquele instante, enquanto me deitava na cama, agradeci silenciosamente por ter um irmão tão compreensivo e por ter amigos que compartilhavam o mesmo sonho, um baile onde o amor pudesse ser celebrado sem amarras.

Lembrei-me também da conversa com William e Ragnar, que garantiram que a carona até o baile seria impecável. Imaginar a companhia deles me fazia sentir que, independentemente do que acontecesse, eu não estaria sozinho. Eles eram mais do que amigos; eram irmãos de alma, companheiros de uma jornada que transcendia as convenções e os medos do mundo. Cada risada, cada conselho dado entre nós era como um lembrete de que, juntos, seríamos invencíveis diante dos desafios.

Enquanto a noite aparecia lentamente, o silêncio do quarto me permitia refletir sobre as mudanças que estavam por vir. Pensei em como a vida, com suas voltas inesperadas, havia me levado àquele momento. Eu já não era mais o jovem que vagava incerto pelas ruas da cidade. Agora, cada passo era guiado pela certeza de que o amor verdadeiro, mesmo que proibido e repleto de obstáculos, tinha o poder de transformar tudo.

Levantei-me devagar, ainda embalado pelo resquício dos sonhos noturnos, e fui até a janela para ver o novo dia se formar. O sol, tímido, começava a aquecer o mundo lá fora, prometendo um recomeço e uma nova chance para que os desejos mais profundos se tornassem realidade. Olhei para o céu e sussurrei baixinho:

“Hoje, tudo mudará. Hoje, vou mostrar ao mundo o quanto sou capaz de amar.”

Com esse pensamento, vesti-me devagar, cada peça de roupa era colocada com o cuidado de quem sabe que está prestes a viver algo transformador.

Depois de me arrumar, fui até a cozinha pegar um último gole de algo quente e reconfortante, e quando voltei, senti que a noite já estava carregada de uma energia que somente a luz da lua poderia trazer. Cada detalhe, o aroma do café fresco, o som distante dos pássaros cantando, a luz hipnotizante que invadia os cantos da casa, me lembrava que a vida era feita de pequenos momentos que, juntos, formavam algo imenso.

Caminhei até a porta com o terno impecavelmente ajustado, o coração leve e a mente fervilhando de planos. Enquanto subíamos na carruagem que nos levaria ao castelo, senti que a jornada estava apenas começando. Cada rua, cada som, cada olhar trocado com os outros passageiros fazia parte de um roteiro que eu sabia que, no final, revelaria um destino surpreendente e repleto de possibilidades.

Ao chegar ao salão do baile, já sentia a eletricidade no ar, uma mistura de nervosismo, excitação e a certeza de que aquele era o início de uma nova era na minha vida. E, mesmo sabendo que os desafios poderiam ser grandes, naquele instante, tudo o que eu queria era viver intensamente, deixar que cada movimento, cada sorriso, cada palavra não dita se transformasse em um laço que unisse nossos destinos para sempre.

Enquanto me preparo para enfrentar o que o destino me reserva, sei que não há volta, só há o caminho adiante, onde o amor e a coragem serão os guias de cada passo. E, com o coração repleto de gratidão e a alma cheia de sonhos, sigo em frente, confiante de que, ao lado de Elya, serei capaz de transformar cada marca do tempo em uma história de paixão e felicidade eterna.

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