O silêncio que reinava na noite foi quebrado e Tânia olhou ao redor assustada, em alguma rua não muito distante dali, uma viatura passava com sua sirene ligada. Depois de um tempo o barulho distanciou-se. A garota sentia-se indecisa, parte dela tinha ficado preocupada que a viatura estivesse indo para a clínica. Ela se questionava o que aconteceria se a polícia a encontrasse lá dentro, e o quanto aquilo poderia influenciar no seu futuro. Por outro lado, seria o fim do problema seu e de seus amigos. A garota suponha que, se a polícia os encontrasse e levasse para casa. Aquilo poderia ser até uma história engraçada para contar aos netos. A garota viu uma luz fraca que vinha da lateral do prédio, parecia a luz de uma lanterna, ela correu até o lugar encontrando Luiz e Sabrina. A dupla estava abaixada ao lado de uma cratera no chão.
— O que aconteceu aqui? — Tânia correu até onde os amigos estavam e abaixou-se para ver o que eles iluminavam.
No fundo do buraco, Jonathan estava sentado. Ele segurava um dos tornozelos enquanto choramingava de dor. Ao redor dele havia um pouco de mobília destruída pelo telhado que havia desmoronado, mas nada que lhes parecia útil para ajudar a tirar o amigo daquele lugar.
— O Jonathan estava conversando com a gente e do nada o chão estalou, abriu e o engoliu. Foi tão rápido que não deu tempo de ajudar. — Sabrina respondeu preocupada.
— Deveriam ter ligado para a polícia ou para os bombeiros, não para mim. — Tânia estava séria enquanto repreendia os outros.
— Já sou maior de idade, esqueceu? Se a gente ligar pra polícia eu me ferro legal por invasão de propriedade. Minha mãe me mata se eu for preso, você sabe muito bem disso! — Luiz protestou. — Além disso, depois de te ligar os celulares perderam o sinal. Para não variar, isso sempre acontece nessa cidade idiota!
— O que acontece com você não é problema meu. — Tânia deu de ombros. — Se querem a minha ajuda, vamos ligar para um adulto, um que tenha responsabilidades por seus atos.
— Eu falei pra não ligar para ela! — Luiz esbravejou olhando para Sabrina.
— Pessoal — Jonathan gritou do fundo do buraco chamando a atenção do trio —, eu acho que estou no porão, tem uma porta aqui e ela não está bloqueada pelos escombros. Vocês poderiam parar de brigar um pouco e entrar no prédio para me ajudar. Depois a gente vai pra casa e a Sabrina faz pizza. Que tal?
Os amigos, na superfície, se entreolharam enquanto Sabrina e Luiz concordavam. Aquela parecia uma solução mais prática do que chamar a polícia, que ligaria para os pais deles e ficariam todos em uma situação complicada. Tânia bufou, não queria estar ali, mas sabia que seria tachada de traidora para o resto da vida se não ajudasse a resgatar Jonathan e a ideia de comer pizza não lhe parecia ruim, pois ainda não tinha jantado.
— Vamos rápido com isso, quanto mais rápido entrarmos, mais rápido saímos. — Ela falou seguindo para a entrada do prédio, enquanto os outros avisaram para Jonathan que logo estariam lá para ajudá-lo.
***
Luiz lançou seu corpo contra a porta novamente fazendo um estrondo, mas a massa de madeira não se moveu do lugar, Sabrina mantinha-se por perto iluminando a porta para o amigo que praguejava toda aquela situação. O garoto afastou-se novamente correndo contra a porta que não parecia disposta a sair do lugar naquela noite. Tânia já havia, novamente, proposto chamar a emergência, o deixando ainda mais irritado. Porém, nem mesmo Jonathan, dentro do buraco, era a favor daquela ideia. A garota resolveu que talvez deveriam procurar por alguma outra entrada para o interior da Clínica, nenhum tipo de construção possui apenas uma forma de entrar.
Não demorou para ela estar do outro lado do prédio onde uma pequena porta estava escondida pelas trepadeiras que cresciam naquele lugar. Tânia segurou a planta arrancando-a parcialmente. A estrutura daquela porta parecia comprometida e possivelmente Luiz conseguiria romper a fechadura. A garota voltou chamando os dois amigos para verem a passagem que ela havia encontrado.
O trio parou em frente à entrada lateral e Luiz logo se jogou contra ela, a estrutura parecia ceder e ele continuou tentando. Pouco depois a maçaneta quebrou e a porta abriu lentamente, liberando o cheiro de mofo que estava preso lá dentro durante os anos. Os amigos se entreolharam, finalmente entrando no prédio abandonado. Tânia olhou para o exterior uma última vez antes da porta ser fechada, agora não tinha mais volta, não até encontrarem Jonathan. Sabrina foi a primeira a ligar sua lanterna iluminando o corredor empoeirado, o cheiro forte de umidade tomava conta do lugar. O ar pesado era difícil de respirar. Os jovens tentavam de alguma forma se proteger do cheiro forte cobrindo o nariz e boca com as blusas.
— Para onde vamos? — Luiz perguntou encostando o corpo na porta atrás deles enquanto esmagava uma barata que vinha em sua direção.
— Precisamos achar uma forma de ir para o porão! — Tânia seguia pelo estreito corredor. — Alguma dessas portas…
A garota parou de falar e sentiu seu coração travar por um momento, o som de alguma coisa caindo ecoou por todo o prédio vindo do segundo andar. O trio se entreolhou, o corredor escuro parecia ainda mais longo enquanto o som sumia no ar, Sabrina correu até a amiga apertando sua mão entre os dedos. O único som agora era o da respiração de medo dos amigos.
— Deve ser um gato! — Luiz afirmou tentando tranquilizar as duas garotas. — Vamos logo, ou vou acabar tendo uma maldita crise alérgica de ficar por aqui, minha garganta já está toda coçando.
O corredor estreito possuía algumas portas que davam para a cozinha, lavanderia ou outros cômodos que, no passado, tinham como função manter aquele lugar funcionando. No fim do corredor, a última porta finalmente dava acesso à recepção. O ar naquela parte do prédio parecia menos insalubre, as janelas quebradas serviam para trocar o ar não deixando que o mofo tomasse conta de tudo como estava acontecendo na outra ala. Apesar disso, a aparência da antiga recepção não era nada agradável. No chão, vários papéis estavam espalhados e algumas coisas que tinham pertencido a clínica estavam jogadas por toda parte, para piorar, sobre o carpete, desbotado pelo tempo, uma grande mancha marrom fazia a mente de Tânia ter devaneios sobre o que seria o líquido que havia caído ali. Ela olhou para a escadaria que se bifurcava no topo, a estátua de uma santa estava entre a bifurcação dirigindo seu olhar para a recepção. Tânia desviou o olhar da imagem sacra, alguma coisa dizia-lhe para sair de lá enquanto podia, sentia como se algo estivesse observando-os e não era a estátua.
— E agora? — Sabrina olhou as duas portas que poderiam levar para o porão.
— Vocês duas vão pela da direita e eu pela porta da esquerda. — Luiz olhou para o celular que ainda estava sem área. — A merda do walk talk ficou com o Jonathan.
— Separar não me parece uma boa ideia! — Tânia olhou para as escadas ainda com a estranha sensação de que alguma coisa a observava. — E eu duvido que o porão fica na ala infantil.
— Separando podemos ir pra casa mais rápido — Luiz cruzou os braços —, não é a senhorita que está doida para ir para casa?
— Pessoal, sem brigar. Vamos nos separar e em trinta minutos voltamos pra esse ponto achando o Jonathan ou não! E procuramos juntos caso não tenhamos o encontrado! — Sabrina falou tentando melhorar o clima entre os amigos. — Coloca seu celular para despertar Luiz, eu vou colocar o meu também.
O rapaz obedeceu a amiga e eles separaram-se. Daquela forma poderiam percorrer um caminho maior em menos tempo. Além disso, ele preferia ficar sozinho do que ter que ficar obedecendo a mandona da Tânia.
Tânia olhou para a porta ainda aberta, enquanto seguiam pelo corredor, tinha achado melhor deixá-la daquela forma para diminuir o forte odor de mofo que dominava no local. Além disso, a luz fraca que vinha do lado de fora da recepção servia para deixar o corredor mais iluminado, mesmo tendo pouco efeito, pouca luz era melhor que nada.
— Desculpa ter feito você vir aqui! — Sabrina murmurou enquanto iluminava o chão do corredor a sua frente.
— Não tem problemas! — Tânia desviou de um rato morto cobrindo o nariz na tentativa de amenizar o cheiro de podridão que vinha do animal. — Só quero sair logo daqui e nunca mais voltar pra esse lugar.
— Chegando em casa podemos comer…
Sabrina parou estática, fazendo com que Tânia trombasse contra ela, sua respiração estava ofegante enquanto erguia a mão que segurava a lanterna mostrando a placa sobre uma escadaria que seguia para o porão. As letras estavam velhas e parcialmente apagadas, mas ainda era possível ler o que estava escrito lá.
— Vamos descer para o necrotério? — Sabrina perguntou gaguejando e iluminando a pequena porta metálica. — Sério mesmo?
— Parece que sim! — Tânia respondeu tão incomodada quanto a amiga por ter que ir para aquele lugar. — Vai ser rapidinho, eu prometo. Daqui a pouco estaremos do lado de fora desse lugar, felizes.
Tânia respirou fundo dando a mão para Sabrina, juntas ficariam mais fortes. Além disso, precisavam encontrar Jonathan e sair daquele lugar que, cada vez mais, tomava uma aura fúnebre. Luiz tinha sido esperto de ter escolhido a ala infantil para explorar.
Luiz bufou impaciente, sua lanterna começava a falhar, o rapaz deu alguns tapas no objeto na tentativa de que ele voltasse a funcionar. A luz voltou a brilhar de forma fraca, mas não demorou a desligar novamente. Tomado pela raiva, ele lançou o aparelho contra uma porta entreaberta que, com um rangido desafinado, terminou de abrir. O garoto se aproximou enquanto tentava acostumar a visão ao escuro. No interior do cômodo havia uma cama antiga de metal e sobre ela um colchão velho e desgastado, nas paredes, apesar do mofo, era possível ver os desenhos feitos por alguma criança, eram traços que naquela escuridão o rapaz não conseguia distinguir o que representavam. Tânia subiu as escadas usando a lanterna do celular para iluminar o caminho. As pilhas de sua lanterna não estavam funcionando mais, na verdade, tudo naquela noite não parecia querer funcionar direito, era como um pesadelo onde você não tem controle de seu corpo. A garota ficou paralisada escutando o som vindo de uma das portas, ela aproximou-se tentando fazer o mínimo de barulho. A porta de metal estava gelada e Tânia sentiu queimando sua orelha enquanto encostava tentando escutar o som que vinha do outro lado. — Luiz é você? — murmurou pela fechadura — Jonathan, Sabrina?Segundo andar
A tempestade, que havia armado durante todo o dia, finalmente começou a cair. As gotas grossas de água batiam contra o vidro quebrado das janelas respingando para dentro da construção, era uma tempestade violenta como não ocorria a muitos anos naquela cidade. Tânia sentou-se ao lado de Luiz que ainda estava desacordado, tinha conseguido achar um quarto com alguns móveis e arrastou o amigo para colocá-lo sobre o colchão velho. Ele ainda não parecia bem e o fato de estar sem uma blusa apropriada para aquele frio só piorava a situação, estava apenas com um casaco de moletom, parcialmente molhado de sangue.O c&
Sabrina encolheu com medo e cobriu a boca com as mãos evitando que emitisse qualquer som, podia escutar o som dos passos que vinham do corredor, quem quer que fosse estava perigosamente perto, ao seu lado Tânia acordava ainda confusa. Sabrina tapou a boca da amiga temendo que ela fizesse algum barulho enquanto voltava à realidade e que com isso entregasse o esconderijo que até o momento parecia perfeito. As garotas ficaram quietas, Tânia tirou devagar a mão da amiga de sobre sua boca mostrando que já estava desperta, elas se entreolharam temendo quem poderia ser no corredor. Tânia fechou os olhos tentando concentrar na direção que os passos seguiam, assim que estivessem seguras fariam o caminho contrário, Luiz não estava bem o suficiente para sair andando por aí. Qua
Os primos pararam com as costas unidas, garantiriam que não seriam pegos de surpresa por nenhuma das direções, um protegeria a retaguarda do outro. Eles pararam e Luiz virou olhando assustado para Tânia enquanto escutavam o grito de Sabrina vindo de uma das portas. O grito estava tão perto que parecia que ela gritava ao lado deles. Os dois olharam para a porta metálica enferrujada pelo tempo, era de lá que parecia vir os prantos da amiga.— Isso é uma sala de cirurgia. — Luiz falou olhando o letreiro sobre o arco. — Segundo os filmes, a porta ao lado pode ser para os telespectadores. Eu não duvido que esse lugar teria
Tânia correu para o segundo andar constantemente procurando por qualquer coisa que pudesse usar para se defender, ela sabia lutar, mas jamais deixaria aquele homem chegar perto o suficiente para poder aplicar algum golpe. A garota entrou no quarto estofado, teria que pensar em alguma coisa rápido antes que ele viesse atrás dela. A porta abria para o corredor e tinha maçaneta apenas do lado de fora acompanhado de um mecanismo que a travava. Ela sorriu aliviada, pois sua memória não havia pregado-lhe uma peça. — Não me deixe na mão! — Ela sussurrou estudando o mecanismo para trancar a porta.
Tânia olhou enquanto os raios de sol tomavam toda a construção, não morreria naquele lugar. Ela caminhou sentindo o joelho que doía cada vez mais. Agora iluminado, ela conseguia ver mais nitidamente a decadência da estrutura da antiga clínica. As paredes já haviam perdido a tinta e os tacos, do piso, estavam descolando em muitos lugares. Por várias partes era possível ver pichações feitas por jovens que se aventuraram por lá antes deles. Tânia pensava se eles teriam passado por situações como a que eles passaram, ou se apenas suas imaginações lhes haviam pregado peças e por isso o lugar ficou conhecido como assombrado. Torres desceu do carro e acendeu um cigarro fumando-o até o fim, enquanto sua mente vagueava por lugares distantes. O homem jogou a bituca no chão pisando sobre ela. Lembrava-se da primeira vez que tinha ido até aquele lugar, na juventude, junto de sua namorada. Foi quando descobriram quem Maximiliano realmente era, semanas depois a garota foi encontrada morta e o assassino era o seu irmão. Depois daquele dia tinha se convencido de que jamais teria filhos para não correr o risco deles serem como o outro era. Assim foi feito, Torres era um solteirão de quase setenta anos que se recusava a se aposentar para não ter que ficar sozinho em casa. Mas além disso, ele havia se vingado do irmão, naquela noite em setenta e cinco, quando tudo aconteceu na clínica, ele encontrou Maximiliano. EstavRedenção