[Eliel]
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Agora os créditos passavam rapidamente na tela preta da televisão, o que me deixaria tonto se ficasse olhando por muito tempo.
Henri roncava ao meu lado e Lis ainda não havia saído do banheiro – fato que eu não estranharia nem um pouco, ela sempre fora do tipo que demora demais no banho, mas quase duas horas lá? A água já deveria até estar fria e ela entediada.
Bocejei e me levantei, desligando a TV e o DVD e me direci
Eu já sabia desde muito tempo que você viria para cá, afinal, eu sei de muitas coisas. E sabia que você era exatamente igual a mim.Você não seria como os outros, não teria medo de mim e acabaria fazendo as coisas somente por estar assustada. Eu sabia que você me entenderia, porque você é uma solitária, assim como eu, e sei que ambas de nós nunca vimos isso como algo poético ou como motivo de orgulho.Afinal, a solidão não é bonita quando presenciada em sua própria vida, não é Lis? Ela machuca, entorpece, te faz fazer coisas que você nunca quis – e eu nunca quis ser má, nunca desejei nenhuma das várias tragédias que aconteceram nesta casa fadada à desgraça.
23 de dezembro de 1963 ◈◇◈Os primeiros raios de sol do dia começavam a surgir e Eveline permanecia acordada, sentada na cadeira de balanço, acariciando sua barriga que carregava um pequeno ser já havia sete meses. Seus olhos estavam avermelhados e ardiam, deixando claro que não havia dormido nem um pouco naquela noite.John ficaria preocupado, ela sabia, mas não podia negar que realmente deveria. Ela mesma estava preocupada, por isso não dormira, sendo atormentada por pesadelos mesmo estando ac
[Lis] ◈◇◈Havia acabado de abrir os olhos mas ainda sentia como se estivesse dormindo e sonhando, grogue e com a mente presa sobre o que eu havia acabado de, de certo modo, presenciar.Agora eu sabia, definitivamente, que aquela garotinha era Abelle e que aquelas bonecas no sótão haviam pertencido a ela há muitos anos atrás, mesmo que ela não gostasse e temesse aquelas coisas estranhas.Abelle... O que faziam com aquela menina? Todo aquele medo não era norm
Eu ainda estava parada no corredor, encarando a pequena portinha quadrada no teto com os lábios cerrados e os dedos fortemente agarrados à duas pequenas chaves. Eu quase havia me esquecido da segunda chave que encontrara, e tinha certeza de que ela abriria alguma coisa escondida naquele sótão.– Quer mesmo voltar lá? – Henri perguntou em um tom quase cuidadoso e eu assenti, mesmo que hesitante sobre o que estava prestes a fazer.Com toda a certeza do mundo, eu estava com medo, mas Abelle havia pedido minha ajuda, e eu havia prometido ajudá-la, não podia simplesmente desistir como sempre fazia.– Eu ajudo – ouvi alguém dizer atrás de mim e me virei, vendo Eliel com o olhar meio baixo. – Eu... De
Eu agora estava sentada na cozinha de Dona Emy, perdida nos meus próprios pensamentos enquanto encarava a fatia de pão caseiro no meu prato e a senhorinha tagarelava sem parar sobre acontecimentos e momentos de sua juventude. Eu não queria parecer rude, então, mesmo que não estivesse lhe dando toda a atenção do mundo, concordava e dava uma risada sempre que possível.Quem parecia realmente entretido com tudo era meu irmão, que a respondia com a maior empolgação do mundo, falando sobre como devia ter sido legal viver nos anos setenta. Talvez eu realmente não devesse ficar tão preocupada e hesitante sobre deixá-lo passar a noite com ela.Claro que não havia perigo, eu sabia disso. Quero dizer, pelo menos não pela parte de Dona E
Me deitei no banco de madeira da praça onde eu e Henri estávamos, usando como travesseiro as pernas de Henri e observando as poucas estrelas que brilhavam no céu, a maior parte delas estando cobertas por espessas nuvens cinzentas.Já me sentia tonta e até um pouco desnorteada, minha boca inteira estava dormente e eu ria de qualquer coisa que Henri dizia, por mais aleatório que fosse, mas ainda assim eu sabia que não estava bêbada o suficiente, então peguei a garrafa de vinho batido com leite condensado da mão de Henri e tomei mais um gole.– Não é engraçado? Eu estou cheia de problemas, minha família está a maior merda possível, e, ao invés de tentar fazer alguma coisa para melhorar eu só... Eu só con
Depois de tomar um longo banho, cozinhar arroz e batatas e fritar frango para que eu e meu irmão pudéssemos ter um almoço decente depois de tanto tempo comendo pão, besteiras e macarrão, tranquei a casa – mesmo sabendo que aquilo não faria muita diferença por conta das janelas estouradas – e fui até a casa ao lado junto de Eliel, mesmo que morrendo de vergonha por saber que teria que falar com desconhecidos e ainda pedir um favor sem ao menos lembrar como se chamavam.Parei na varanda, toquei a campainha com a mão tremendo e respirei fundo, puxando meu irmão para que ficasse o mais próximo possível de mim. Sabia que gente de cidade pequena geralmente era um amor e, pelas flores na varanda, as cortinas coloridas que balançavam por conta da janela aberta e o tapete felpudo na frente da po
Acabei descendo em um ponto que era mais longe de casa do que eu esperava. A chuva continuava a cair e a rua estava escura e silenciosa, o asfalto molhado brilhando sob a iluminação alaranjada fraca dos postes.Eu estava encharcada e tremia tanto de frio quanto de nervoso e medo, imaginando que a qualquer momento eu deixaria de estar sozinha naquela rua e que isso não seria uma coisa muito boa. Já eram quase oito horas e Mary devia estar querendo me matar, mas eu só conseguia pensar no que eu havia lido no jornal e escutado daquela bibliotecária esquisita, fora que eu ainda me perguntava como o tempo havia passado tão rápido já que para mim, enquanto estava dentro da biblioteca, apenas alguns minutos haviam se passado.Aquela mulher da foto, Evelyn Rose... Eu estava mais do