[Lis]
◈◇◈
Meu corpo parecia estar em chamas, tudo doía, ardia ou queimava. Grunhi com a dor e tentei me mexer mas uma mão me empurrou de volta.
Eu parecia estar em um sofá mas não sabia como havia ido parar ali. Não me lembrava de nada desde a maldita casa de espelhos. E aquela garotinha... Era a mesma com quem eu havia sonhado uns dias atrás, ela quem devia ser Abelle.
Estremeci com
Enquanto Emy e Henri preparavam algo na cozinha, pedi para ir ao banheiro e ali fiquei por alguns minutos, apoiada na pia cinzenta enquanto encarava meu rosto machucado.Haviam dois cortes pequenos na minha bochecha e mais um no queixo. Se juntasse isso mais as marcas roxas em meu pescoço pareceria que eu havia acabado de sair de uma daquelas brigas de bar horríveis – ou até mesmo de algum tipo de relacionamento com fetiches esquisitos.Meu cabelo estava novamente cheio de nós e mais bagunçado do que quando eu ficava dois dias sem pentear só porque achava legal. Eu duvidava que, na minha vida inteira, já houvesse ficado horrível até aquele ponto antes.Respirei fundo, tomando coragem para sair dali e fingir que estava
Henri e Eliel já me esperavam tranquilamente na frente de casa, meu irmão apenas um pouco corado nas bochechas, enquanto eu vinha morrendo – lê-se rastejando – até a entrada de casa.Meu peito doía e eu parecia uma asmática no meio de uma crise, respirando como se estivesse morrendo. Eu definitivamente não havia nascido para praticar atividade física.Eu queria muito tirar a blusa de frio mas apenas parei e me joguei na escada da varanda com as mãos apoiada no peito, ainda respirando com dificuldade.– Morta – Eliel disse mas apenas ignorei, sem energia ou fôlego para xingá-lo.– Meu Deus, é sempre assim? – Henri pergu
Eu ainda estava com mais sono do que jamais pensara ser possível quando, depois de muito esforço, abri os olhos e me sentei.Demorou alguns poucos segundos até que eu sentisse que havia alguma coisa errada, e mais alguns até que eu percebesse o que era.Cocei meus olhos que ardiam por conta da sonolência, em seguida encarando com um susto as minhas próprias mãos.Estavam pequenas demais, como mãozinhas de criança, e também estavam sujas e com as unhas quebradas e as pontas dos dedos manchadas com sangue seco.Ao olhar mais ao longe, entendi o porquê: em uma pequena portinha que quase se camuflava no chão de madeira, haviam inúmeras marcas de arran
[Eliel] ◈◇◈Agora os créditos passavam rapidamente na tela preta da televisão, o que me deixaria tonto se ficasse olhando por muito tempo.Henri roncava ao meu lado e Lis ainda não havia saído do banheiro – fato que eu não estranharia nem um pouco, ela sempre fora do tipo que demora demais no banho, mas quase duas horas lá? A água já deveria até estar fria e ela entediada.Bocejei e me levantei, desligando a TV e o DVD e me direci
Eu já sabia desde muito tempo que você viria para cá, afinal, eu sei de muitas coisas. E sabia que você era exatamente igual a mim.Você não seria como os outros, não teria medo de mim e acabaria fazendo as coisas somente por estar assustada. Eu sabia que você me entenderia, porque você é uma solitária, assim como eu, e sei que ambas de nós nunca vimos isso como algo poético ou como motivo de orgulho.Afinal, a solidão não é bonita quando presenciada em sua própria vida, não é Lis? Ela machuca, entorpece, te faz fazer coisas que você nunca quis – e eu nunca quis ser má, nunca desejei nenhuma das várias tragédias que aconteceram nesta casa fadada à desgraça.
23 de dezembro de 1963 ◈◇◈Os primeiros raios de sol do dia começavam a surgir e Eveline permanecia acordada, sentada na cadeira de balanço, acariciando sua barriga que carregava um pequeno ser já havia sete meses. Seus olhos estavam avermelhados e ardiam, deixando claro que não havia dormido nem um pouco naquela noite.John ficaria preocupado, ela sabia, mas não podia negar que realmente deveria. Ela mesma estava preocupada, por isso não dormira, sendo atormentada por pesadelos mesmo estando ac
[Lis] ◈◇◈Havia acabado de abrir os olhos mas ainda sentia como se estivesse dormindo e sonhando, grogue e com a mente presa sobre o que eu havia acabado de, de certo modo, presenciar.Agora eu sabia, definitivamente, que aquela garotinha era Abelle e que aquelas bonecas no sótão haviam pertencido a ela há muitos anos atrás, mesmo que ela não gostasse e temesse aquelas coisas estranhas.Abelle... O que faziam com aquela menina? Todo aquele medo não era norm
Eu ainda estava parada no corredor, encarando a pequena portinha quadrada no teto com os lábios cerrados e os dedos fortemente agarrados à duas pequenas chaves. Eu quase havia me esquecido da segunda chave que encontrara, e tinha certeza de que ela abriria alguma coisa escondida naquele sótão.– Quer mesmo voltar lá? – Henri perguntou em um tom quase cuidadoso e eu assenti, mesmo que hesitante sobre o que estava prestes a fazer.Com toda a certeza do mundo, eu estava com medo, mas Abelle havia pedido minha ajuda, e eu havia prometido ajudá-la, não podia simplesmente desistir como sempre fazia.– Eu ajudo – ouvi alguém dizer atrás de mim e me virei, vendo Eliel com o olhar meio baixo. – Eu... De