A Bruxa de Negro
A Bruxa de Negro
Por: Emiliana Vaz
Capitulo I

                         Era uma vez, num país distante há milhares de anos...

      –Não pode estar falando sério... – Mateus sentou-se pálido sentindo as pernas fraquejarem.

      –Eu sinto muito, mas não posso fazer mais nada. –anunciou o médico de estatura pequena, careca e de rosto marcado pelo tempo.

      –Isso significa o quê? Que devo deixar minha filha morrer? – o pai indagou num desespero de dar dó.

      O velho homem não sabia o que dizer. Tratava-se da vida de uma menina de apenas seis anos de idade que deveria estar brincando, correndo, vivendo saudavelmente, e não prostrada em cima de seu leito de morte.

      –Fiz o que pude, pois, desconheço essa doença. Não sei como lutar contra ela. Eu lamento muito.

      Derrotado, o velho homem saiu da sala, atravessando a imensa porta, deixando Mateus a olhar em volta em busca de respostas para tamanha dor. Seu olhar parou na longa escada de mármore que levava até o quarto da pequena Ester. Subiu-a de três em três degraus, seu coração galopava, seu rosto estava transtornado e em seus olhos brilhava a fúria da impotência. Era rico, poderoso, o homem de confiança, chefe da guarda do reino, tinha tudo que poderia desejar. E de quê adiantava tanta fortuna, se nada disso devolveria a saúde de sua pequena Ester? Abriu a porta do quarto dela e paralisou. O pânico o invadiu. E se ela já estivesse morta? A empregada, Gertrudes, que tomava conta da pequena desde seu nascimento, chorava aos pés da cama em clima de antecipado velório. Um arrepio percorreu sua espinha.

      Respirou fundo, e lentamente, se aproximou da cama. Fitou o rostinho pálido, adormecido num sono profundo. Ajoelhou-se e pegou a mãozinha delicada.

      –Não faça isso comigo, Ester! O que vai ser de mim sem você? O que vai ser desse castelo sem a sua alegria, seu riso, o som da sua voz? – as lágrimas escorriam pelo rosto sofrido, a barba cerrada há dias sem fazer. – Por favor, filha, volte!

      Tudo que ele queria era acordar daquele pesadelo. Gertrudes levantou o rosto banhado pelas lágrimas e em seu olhar havia desespero.

      –Eu lhe imploro, meu senhor, procure a Bruxa de Negro, quem sabe ela possa curar nossa menininha.

      Embora estivesse em choque, ele absorveu cada palavra dita pela mulher. Era sua última esperança. Tentou tudo que foi possível nos últimos meses. Mandou buscar os melhores especialistas para cuidar de sua filha, e nenhum deles tivera sucesso. Quem sabe a Magia Negra? Uma bruxa e sua feitiçaria! Seria capaz de qualquer coisa para ter sua filha de volta, nem que para isso precisasse vender sua alma. Seria capaz de qualquer coisa para vê-la correndo pela casa com os cabelos negros esvoaçantes, o brilho dos belos olhos de cor avelã, e o som do riso de um anjo ecoando por todos os cantos de seu palácio. Ali, prostrada naquela cama, sua menina com o rostinho encovado e pálido nem de longe lembrava a sua verdadeira imagem. O cabelo emplastado e opaco, emagrecera a olhos vistos, e parecia muito menor do que era em sua tão pouca idade.

Ela e ele não podiam desistir! Beijou a mãozinha delicada. Limpou o rosto de qualquer jeito e se ergueu num salto.

      –Cuide dela até eu voltar com essa bruxa infeliz. Faça de tudo para que Ester suporte até eu voltar, entendeu?

      Aquela ordem soou como uma ameaça. Mateus era um homem bom, justo, mas sabia ser duro, inflexível e às vezes até cruel quando ficava enfurecido. Naquele momento, era regido pela profunda dor.

                                ♥≈♥♥≈♥

     

  Montado em seu cavalo negro, num galope disparado pela relva, ele pensava em sua vida até ali. No casamento fracassado com Diana. Ah, a bela Diana! A vasta cabeleira negra, os olhos esmeraldas, o corpo curvilíneo. A mulher que o enfeitiçou, se apossou de todo o seu ser, e que por fim o apunhalara pelas costas. Apaixonou-se por ela à primeira vista, um namoro curto. Casaram-se em tempo recorde. Fez tudo para torná-la feliz, até que ela engravidou das gêmeas, Ester e Eisla. Na gestação Diana ficou agressiva, arredia. Ela sofria de constantes mudanças de humor que ele e nem ninguém entendiam, (que hoje é conhecida como bipolaridade) e no parto sofreu por dias a fio e o injuriou, prometendo nunca mais engravidar dele, pois sabia do desejo de Mateus em ter um filho homem. Diana criou certa resistência pelas filhas. Não chegava muito perto, chamou mães de leite para não ter que amamentá-las.

 Dificilmente as pegava no colo. As pessoas não a viam como uma mãe. E com o passar do tempo, se afastou totalmente do marido, o fazendo dormir em quarto separado. Atitude que o deixou enlouquecido. Morria por ela! No começo da relação se davam muito bem, sexualmente. Diana era uma mulher fogosa, exigente na cama, tudo que ele mais gostava no sexo feminino. Mateus era um homem viril, com uma libido exagerada, atraía as mulheres como um imã e não precisava mendigar por atenção, quando eram elas que caíam aos seus pés, atrás de sua fortuna e de sua bela aparência.

      No entanto, com ela, sentia-se fraco e impotente, mendigando por seu amor como um desvalido carente. Até que dois anos depois do nascimento das gêmeas, aconteceu o que ele mais temia lá no seu íntimo, a mulher o traíra e fugira com o seu amante na calada de uma madrugada fria abandonando a família. E o amante? O melhor amigo de Mateus, desde a infância, e que agora se perguntava, por qual razão uma amizade era destruída assim? Cobiça? Inveja? Queria matar os dois traidores! Ao invés disso, caiu numa profunda depressão. Com o passar do tempo, porém, percebeu, era preciso se refazer.

   Mateus se esforçou para se recuperar do golpe, sem demonstrar sua dor profunda. Precisava cuidar de sua vida, seus afazeres e de suas filhas. Eisla se parecia demais com a mãe, arrogante, atrevida, teimosa e era má com a irmã. Afastou-se dela. Não conseguia ficar por perto sem ver a desgraçada que jogou seu coração aos leões e o traiu da maneira mais dolorosa. Já Ester era a candura em pessoa. O anjo que o fazia sorrir com a sua alegria, vivacidade, meiguice e doçura.

      Ela era o presente de toda aquela infelicidade que experimentou em sua vida. Era bonito, rico, tinha um cargo excelente, no auge de sua vida, aos vinte e seis anos de idade e a maior lição que aprendeu, não confiar mais nas mulheres. Tratava-as como um objeto, deixando-as de lado, quando se cansava delas. Sua única preocupação real era Ester. O galope veloz, e perdido em suas lembranças, voltou ao dia em que a filha passara mal há alguns meses.

                                 ♥≈♥♥≈♥

–Olha papai! – Ester gritou rindo correndo de um lado ao outro com seu cãozinho de estimação com os dentes agarrados na ponta da saia longa.

      Ele conversava com um de seus empregados, João, seu braço direito, e observou a cena rindo divertido. Ela usava um vestido rosa esvoaçante e de pés descalços, corria pela grama bem aparada num tom verde vivo que cercava a entrada principal do castelo. Eisla surgiu na imensa porta, usando um vestido azul tão lindo quanto ela. Tão pequena e tão soberba. Era o retrato de Diana, pensou Mateus desgostoso. O cãozinho saiu correndo em direção a Eisla que gritou exasperada:

      –Saia, seu animal estúpido! – e o estapeou para que ele largasse a ponta de seu vestido. –Vai estragar meu vestido novo!

O animal fugiu assustado e aos gritos.

      –Por que você fez isso, Eisla? – indignou-se Ester.

      –Ora, não me amole você e esse seu cão idiota! Se ele chegar perto de mim, bato de novo!

      Mateus veio a passos largos, e pegou-a pelo braço com força, quase a arrancando do chão.

      –Por que você tem que ser tão má assim?

      Ela enfrentou o olhar duro na mesma intensidade.

      –Largue-me! O senhor está me machucando!

      –É para machucar!

      –Então me bata! Vamos! A "sua" Ester vai adorar, senhor Mateus!

      –Você não me tire do sério ou eu... – Mateus levantou a mão para esbofeteá-la, queria arrancar aquela arrogância, impetuosidade, teimosia dos olhos dela nem que fosse no tapa, quando ouviu o grito agudo de Ester que desmaiou caindo sobre a grama. Mateus correu até ela e pegou-a no colo.

      –Ester, minha menina, acorde! – batia suavemente no rosto dela. – Fale comigo, filha!

      Eisla observava a cena em silêncio absoluto, agonizando de raiva e de ciúmes da irmã.

      Ele se pôs a correr em direção a porta do castelo dando ordens a menina.

      – Chame o João! Agora!

      –Eu vou chamar senhor. –disse ela, calmamente, como se não estivesse acontecendo nada. – Mas antes quero que saiba de uma coisa...

      Ele parou por um segundo com o coração aos pulos, em pânico com o estado inerte de Ester em seus braços.

      –Eu o odeio! Com todas as minhas forças, eu o odeio!

      Aquele olhar duro, vindo de uma menina, aquelas palavras cheias de verdade, ainda hoje ressoavam em sua cabeça como marteladas intensas que ele procurava esquecer.

Daquele momento em diante, por meses, começara o calvário de Mateus com sua predileta Ester, num coma profundo em seu leito. Saiu de suas lembranças ao reparar, o quão longe ainda estava do seu destino.

      –Diabos de bruxa maldita que não mora, se esconde!

      Tentaria sua última cartada com àquela que todos temiam e maldiziam. A bruxa tão horrenda que escondia o rosto atrás de um pesado véu negro. Ninguém vira a sua face até agora, e houve quem afirmasse, que quem a viu, não estava mais neste mundo para contar. Ela, a bruxa de negro, haveria de fazer algo por sua filha, ou ele acabaria com a sua fama numa imensa fogueira.

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