Era uma vez, num país distante há milhares de anos...
–Não pode estar falando sério... – Mateus sentou-se pálido sentindo as pernas fraquejarem.
–Eu sinto muito, mas não posso fazer mais nada. –anunciou o médico de estatura pequena, careca e de rosto marcado pelo tempo.
–Isso significa o quê? Que devo deixar minha filha morrer? – o pai indagou num desespero de dar dó.
O velho homem não sabia o que dizer. Tratava-se da vida de uma menina de apenas seis anos de idade que deveria estar brincando, correndo, vivendo saudavelmente, e não prostrada em cima de seu leito de morte.
–Fiz o que pude, pois, desconheço essa doença. Não sei como lutar contra ela. Eu lamento muito.
Derrotado, o velho homem saiu da sala, atravessando a imensa porta, deixando Mateus a olhar em volta em busca de respostas para tamanha dor. Seu olhar parou na longa escada de mármore que levava até o quarto da pequena Ester. Subiu-a de três em três degraus, seu coração galopava, seu rosto estava transtornado e em seus olhos brilhava a fúria da impotência. Era rico, poderoso, o homem de confiança, chefe da guarda do reino, tinha tudo que poderia desejar. E de quê adiantava tanta fortuna, se nada disso devolveria a saúde de sua pequena Ester? Abriu a porta do quarto dela e paralisou. O pânico o invadiu. E se ela já estivesse morta? A empregada, Gertrudes, que tomava conta da pequena desde seu nascimento, chorava aos pés da cama em clima de antecipado velório. Um arrepio percorreu sua espinha.
Respirou fundo, e lentamente, se aproximou da cama. Fitou o rostinho pálido, adormecido num sono profundo. Ajoelhou-se e pegou a mãozinha delicada.
–Não faça isso comigo, Ester! O que vai ser de mim sem você? O que vai ser desse castelo sem a sua alegria, seu riso, o som da sua voz? – as lágrimas escorriam pelo rosto sofrido, a barba cerrada há dias sem fazer. – Por favor, filha, volte!
Tudo que ele queria era acordar daquele pesadelo. Gertrudes levantou o rosto banhado pelas lágrimas e em seu olhar havia desespero.
–Eu lhe imploro, meu senhor, procure a Bruxa de Negro, quem sabe ela possa curar nossa menininha.
Embora estivesse em choque, ele absorveu cada palavra dita pela mulher. Era sua última esperança. Tentou tudo que foi possível nos últimos meses. Mandou buscar os melhores especialistas para cuidar de sua filha, e nenhum deles tivera sucesso. Quem sabe a Magia Negra? Uma bruxa e sua feitiçaria! Seria capaz de qualquer coisa para ter sua filha de volta, nem que para isso precisasse vender sua alma. Seria capaz de qualquer coisa para vê-la correndo pela casa com os cabelos negros esvoaçantes, o brilho dos belos olhos de cor avelã, e o som do riso de um anjo ecoando por todos os cantos de seu palácio. Ali, prostrada naquela cama, sua menina com o rostinho encovado e pálido nem de longe lembrava a sua verdadeira imagem. O cabelo emplastado e opaco, emagrecera a olhos vistos, e parecia muito menor do que era em sua tão pouca idade.
Ela e ele não podiam desistir! Beijou a mãozinha delicada. Limpou o rosto de qualquer jeito e se ergueu num salto.
–Cuide dela até eu voltar com essa bruxa infeliz. Faça de tudo para que Ester suporte até eu voltar, entendeu?
Aquela ordem soou como uma ameaça. Mateus era um homem bom, justo, mas sabia ser duro, inflexível e às vezes até cruel quando ficava enfurecido. Naquele momento, era regido pela profunda dor.
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Montado em seu cavalo negro, num galope disparado pela relva, ele pensava em sua vida até ali. No casamento fracassado com Diana. Ah, a bela Diana! A vasta cabeleira negra, os olhos esmeraldas, o corpo curvilíneo. A mulher que o enfeitiçou, se apossou de todo o seu ser, e que por fim o apunhalara pelas costas. Apaixonou-se por ela à primeira vista, um namoro curto. Casaram-se em tempo recorde. Fez tudo para torná-la feliz, até que ela engravidou das gêmeas, Ester e Eisla. Na gestação Diana ficou agressiva, arredia. Ela sofria de constantes mudanças de humor que ele e nem ninguém entendiam, (que hoje é conhecida como bipolaridade) e no parto sofreu por dias a fio e o injuriou, prometendo nunca mais engravidar dele, pois sabia do desejo de Mateus em ter um filho homem. Diana criou certa resistência pelas filhas. Não chegava muito perto, chamou mães de leite para não ter que amamentá-las.
Dificilmente as pegava no colo. As pessoas não a viam como uma mãe. E com o passar do tempo, se afastou totalmente do marido, o fazendo dormir em quarto separado. Atitude que o deixou enlouquecido. Morria por ela! No começo da relação se davam muito bem, sexualmente. Diana era uma mulher fogosa, exigente na cama, tudo que ele mais gostava no sexo feminino. Mateus era um homem viril, com uma libido exagerada, atraía as mulheres como um imã e não precisava mendigar por atenção, quando eram elas que caíam aos seus pés, atrás de sua fortuna e de sua bela aparência.
No entanto, com ela, sentia-se fraco e impotente, mendigando por seu amor como um desvalido carente. Até que dois anos depois do nascimento das gêmeas, aconteceu o que ele mais temia lá no seu íntimo, a mulher o traíra e fugira com o seu amante na calada de uma madrugada fria abandonando a família. E o amante? O melhor amigo de Mateus, desde a infância, e que agora se perguntava, por qual razão uma amizade era destruída assim? Cobiça? Inveja? Queria matar os dois traidores! Ao invés disso, caiu numa profunda depressão. Com o passar do tempo, porém, percebeu, era preciso se refazer.
Mateus se esforçou para se recuperar do golpe, sem demonstrar sua dor profunda. Precisava cuidar de sua vida, seus afazeres e de suas filhas. Eisla se parecia demais com a mãe, arrogante, atrevida, teimosa e era má com a irmã. Afastou-se dela. Não conseguia ficar por perto sem ver a desgraçada que jogou seu coração aos leões e o traiu da maneira mais dolorosa. Já Ester era a candura em pessoa. O anjo que o fazia sorrir com a sua alegria, vivacidade, meiguice e doçura.
Ela era o presente de toda aquela infelicidade que experimentou em sua vida. Era bonito, rico, tinha um cargo excelente, no auge de sua vida, aos vinte e seis anos de idade e a maior lição que aprendeu, não confiar mais nas mulheres. Tratava-as como um objeto, deixando-as de lado, quando se cansava delas. Sua única preocupação real era Ester. O galope veloz, e perdido em suas lembranças, voltou ao dia em que a filha passara mal há alguns meses.
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–Olha papai! – Ester gritou rindo correndo de um lado ao outro com seu cãozinho de estimação com os dentes agarrados na ponta da saia longa.
Ele conversava com um de seus empregados, João, seu braço direito, e observou a cena rindo divertido. Ela usava um vestido rosa esvoaçante e de pés descalços, corria pela grama bem aparada num tom verde vivo que cercava a entrada principal do castelo. Eisla surgiu na imensa porta, usando um vestido azul tão lindo quanto ela. Tão pequena e tão soberba. Era o retrato de Diana, pensou Mateus desgostoso. O cãozinho saiu correndo em direção a Eisla que gritou exasperada:
–Saia, seu animal estúpido! – e o estapeou para que ele largasse a ponta de seu vestido. –Vai estragar meu vestido novo!
O animal fugiu assustado e aos gritos.
–Por que você fez isso, Eisla? – indignou-se Ester.
–Ora, não me amole você e esse seu cão idiota! Se ele chegar perto de mim, bato de novo!
Mateus veio a passos largos, e pegou-a pelo braço com força, quase a arrancando do chão.
–Por que você tem que ser tão má assim?
Ela enfrentou o olhar duro na mesma intensidade.
–Largue-me! O senhor está me machucando!
–É para machucar!
–Então me bata! Vamos! A "sua" Ester vai adorar, senhor Mateus!
–Você não me tire do sério ou eu... – Mateus levantou a mão para esbofeteá-la, queria arrancar aquela arrogância, impetuosidade, teimosia dos olhos dela nem que fosse no tapa, quando ouviu o grito agudo de Ester que desmaiou caindo sobre a grama. Mateus correu até ela e pegou-a no colo.
–Ester, minha menina, acorde! – batia suavemente no rosto dela. – Fale comigo, filha!
Eisla observava a cena em silêncio absoluto, agonizando de raiva e de ciúmes da irmã.
Ele se pôs a correr em direção a porta do castelo dando ordens a menina.
– Chame o João! Agora!
–Eu vou chamar senhor. –disse ela, calmamente, como se não estivesse acontecendo nada. – Mas antes quero que saiba de uma coisa...
Ele parou por um segundo com o coração aos pulos, em pânico com o estado inerte de Ester em seus braços.
–Eu o odeio! Com todas as minhas forças, eu o odeio!
Aquele olhar duro, vindo de uma menina, aquelas palavras cheias de verdade, ainda hoje ressoavam em sua cabeça como marteladas intensas que ele procurava esquecer.
Daquele momento em diante, por meses, começara o calvário de Mateus com sua predileta Ester, num coma profundo em seu leito. Saiu de suas lembranças ao reparar, o quão longe ainda estava do seu destino.
–Diabos de bruxa maldita que não mora, se esconde!
Tentaria sua última cartada com àquela que todos temiam e maldiziam. A bruxa tão horrenda que escondia o rosto atrás de um pesado véu negro. Ninguém vira a sua face até agora, e houve quem afirmasse, que quem a viu, não estava mais neste mundo para contar. Ela, a bruxa de negro, haveria de fazer algo por sua filha, ou ele acabaria com a sua fama numa imensa fogueira.
– “Ele vem vindo! Se prepare!” – sussurrou o vento balançando o pesado véu negro que se fundia na noite escura.O coração dela galopou, sua respiração acelerou, seu corpo estremeceu. Sua grande jornada estava para começar. A vibração de um novo tempo tomou conta do seu ser por inteiro. Queria rir, chorar, gritar! Virou-se aspirando o ar gelado e tomou o caminho de seu velho arruinado e "assombrado" castelo. Precisava se preparar.Não podia correr, sua perna esquerda era mais curta. Mas, ela tinha um pacto com o vento, quando estava agitada, apressada, podia flutuar a centímetros do chão. Esperou seus vinte anos por aquele momento. Sempre soube da chegada daquele homem e o propósito de sua vinda ainda lhe era um mistério. Sabia, porém, da transformação que ocorreria em sua vida rec
A "recepção" deixou a bruxa "sensibilizada"! Assim que atravessou os imensos portões, o povo fugiu, descaradamente, escondendo os rostos para não a olhar. Atitudes que só serviram para que ela se sentisse mais poderosa e dominante naquele lugar. No quarto em frente à cama da menina, a bruxa, com uma agilidade e habilidade assustadora, passou a fazer seus trabalhos. Daquele saco enorme, tirava poções, chás, ervas, e enquanto medicava a criança, ela falava baixinho, como se fizesse algum tipo de prece, deixando a empregada Gertrudes ainda mais assustada. Principalmente, quando ela pediu para acender muitas velas ao redor da cama, colocando pedras em volta do corpinho dela e por cima, em alguns pontos como o coração e o estômago. A bruxa já sabia qual doença acometera a criança, e sabia também, que s
Três longas noites e o povo do castelo estava assustado com os gritos e o choro da Bruxa de Negro. Mateus estava a ponto de arrombar aquele quarto trancado à sete chaves. Precisava saber o que estava acontecendo. Como senão bastasse os gritos dela, uma ventania que começou fraca, aumentou, azucrinando os ouvidos de todos nos arredores. Até mesmo dos animais que estavam inquietos e arredios. No entanto, a velha Olívia era uma guardiã e tanto, ninguém entrava e muito menos saía daquele quarto. Estava agoniado por notícias, e por conta de sua teimosia e orgulho, não queria admitir. Aproveitando a ausência do pai no quarto de Ester, Eisla resolveu fazer uma visitinha de boas vindas. Com uma elegância de dar inveja às meninas dos arredores, ela fez uma reverência assim que viu a irmã.&n
A bruxa foi jogada com estupidez, pelo homem, para dentro de um quarto, onde na cama se encontrava uma mulher muito doente. –Faça-a viver e eu a deixo partir. Caso contrário, será queimada em praça pública! – ameaçou o homem transtornado pela dor por ver sua mulher morrendo dia após dia. A bruxa se aproximou da cama, vagarosamente, com a certeza de que a doença que acometia aquela moribunda era gravíssima. Entre a vontade de chorar por estar à mercê daquele homem insano pela dor, e a determinação que se apoderava sobre ela, ordenou num tom áspero tudo o que precisava, e rapidamente. O homem praguejou, já que teria que mandar alguém ao castelo de Mateus buscar o saco "mágico" da bruxa.
Ele não queria nenhuma aproximação com a bruxa, contudo, seria no mínimo normal, vê-la perambulando pelos arredores do castelo, o que era nunca! Quando se pegava ansioso pela presença dela, relembrava todo o mal que Diana o fizera passar. Pronto, já nem pensava mais na bruxa, que procurava levar sua rotina, ou seja, sumia o dia inteiro e só saía à noite para colher suas ervas e quem sabe fazer seus feitiços na calada da noite, concluiu ele resignado. Não ia interferir, tinha uma dívida com ela e não poderia esquecer jamais. Não havia fortuna que pagasse a vida de sua filha. Numa tarde cinzenta e fria, Ester foi até o quarto da bruxa. A menina parecia triste e a bruxa através do véu, que não fizera empenho de erguer, perguntou o que houve. &ndas
–Nunca comi nada igual! O que havia naquele porco? –Hum... esse licor de... que mesmo? Violeta? Nunca imaginei! Dos Deuses! –Mateus! Cada dia o invejo mais com os talentos que você tem na cozinha! –A melhor cozinha das redondezas! –E as sobremesas? Ele estava zonzo com tantos elogios vindo de todos os lados. O salão abarrotado de gente. A entrada das filhas foi uma comoção. Estavam belíssimas! Eisla de lilás e Ester de amarelo. E não poderia negar sua decepção ao constatar, já no me
–Aonde você vai todos os dias?! Responde! – gritou Mateus sacudindo o braço delicado de Eisla que se contraía de dor. Contudo, ela não deixou por menos, revidou no mesmo tom. –Não lhe interessa, senhor! Cuide da sua pequena Ester que de mim cuido eu! Não devo satisfações a ninguém! Descontrolado, ele levantou a mão para esbofeteá-la. Nesse exato instante, Brisa entrou na extensa varanda que levava ao lindo jardim. –Não se atreva! Incrédulo com a intromissão ousada, Mateus soltou a menina de supetão, o que f&eci
Quando Mateus a viu descer a longa escada, ficou entre decepcionado e surpreso. Decepção por vê-la usando o véu como sempre, surpreso por dessa vez ela estar usando o vestido azul escuro, quase no mesmo estilo do preto, a diferença era que o véu e as luvas também eram do mesmo tom. Eisla não gostou nem um pouco, em saber que a bruxa participaria daquele piquenique estranho ao final de tarde, mas, uma vez que estava tão feliz, não ousou contestar. Pelo menos por hora. Ester não conseguia acreditar que o pai e a irmã estavam em perfeita harmonia. Estava entre feliz e um tanto enciumada. Sentimento que ele percebera e chegara a conclusão de que teria que se dar em qualidade e igualdade para ambas e acabar por vez com a rivalidade existente entre elas. Principalment