Capítulo VII - Luzes na Escuridão

Na manhã seguinte, minha amiga me ajudou a preparar o café e quando os meninos acordaram, sentaram para comer. Hoje, minhas consultas seriam apenas na parte da tarde, então estou tranquila na parte da manhã. Maurício e Rogério nos agradeceram e antes de ir, Maurício me convidou para sair com ele mais tarde e eu aceitei.

"Amiga, vocês super combinam, sabia?" – Rômulo diz e eu apenas dou de ombros.

Cibele e Rômulo foram para a organização, e eu fiquei em casa descansando. Me arrumei e desci animada. Acho que passarei em um restaurante para almoçar. Parei em um sinal vermelho e enquanto esperava abri, vi uma menina encarando uma doceria. A criança estava bem mal vestida e aquilo me fez voltar ao meu passado.

[Flashback On]

Minha barriga está doendo. Faz três dias que não como nada, estava me sentindo fraca e parecia que iria morrer.

"Filha, vem cá" – minha mãe me chamou, e quando me aproximei, ela olhou-me com ternura, o que era bem raro. "Você precisa ir para a rua ver se consegue algo para comer. Seu pai não volta pra casa há quase duas semanas."

Como ela me ordenou, fui para a rua, mas o que uma menina de seis anos poderia fazer? Parei em uma cafeteria e senti aquele cheiro maravilhoso de café e bolo. Minha barriga fez um estrondo. Uma senhora que estava passando se sensibilizou com o estado em que me encontrava e comprou algumas coisas para mim. Agradeci à bondosa senhora e corri para casa para mostrar à minha mãe. Entreguei a ela o dinheiro que a moça havia me dado, e assim conseguimos nos alimentar.

[Flashback Off]

O barulho das buzinas me trouxe de volta ao presente. Pisquei algumas vezes para espantar as lágrimas e estacionei o carro, desci e fui de encontro à criança. Após uma breve conversa, comprei algumas coisas e entreguei a sacola em suas mãos.

"Muito obrigada, tia. Será que você pode comprar fralda e leite pro meu irmãozinho? Ele está com muita fome."

Avistei uma farmácia e me dirigi até lá, comprei fraldas de tamanhos variados e algumas latas de leite.

"Meu amor, onde é a sua casa?" – Pergunto à menina que fica sem jeito.

"É longe daqui, tia."

"Vamos comigo ao mercado de lá, te levo em casa e aproveito para conversar com a sua mãe."

Liguei para o hospital e avisei que iria atrasar. Fui ao mercado, fiz as compras, chamei a menina, e fomos para sua casa.

A menina, que descobri se chamar Yasmin, me guiou até sua casa. Quando vi a ladeira, me arrependi. Espero que tenha um outro caminho para que eu possa subir de carro.

"Tia, os carros só sobem pelo outro lado, mas tem que pedir autorização."

Não demora muito, duas motos colam ao meu lado.

"Para onde está indo?" – Um deles perguntou, e abri a janela.

"Olá, rapazes. Estou indo na casa da Yasmin." – Abri a janela do carona para revelar a menina.

"Uma princesinha dessas perdida aqui." – O outro falou em um tom que não gostei, e logo senti vontade de matá-lo.

"Para de graça, babaca." – O outro diz enquanto liga no radinho. "Qual sua graça, princesa?"

Me apresento a eles, e logo uma outra moto aparece.

"Quando falaram seu nome, precisei constatar se era você mesmo. Como vai, doutora Ohana?" – Como está o seu filho Benjamin?  – Ele olhou para mim surpreso.

"Você lembra dele?" – Neste dia, quase perdemos mãe e filho, mas no final deu tudo certo. "Meu meninão está grande e daqui a pouco vai estar acompanhando o pai." – Ele sorri orgulhoso. "Seus filhos da puta, deixa a doutora passar. Vocês, pé de pano, vão fazer a segurança dela e avisem que quem mexer com ela vai se ver comigo."

Agradeci a ele e liguei o carro para subir.

Chegando à casa de Yasmin, ela entra correndo, e não demora muito, uma mulher com aparência cansada apareceu.

"Pois não." – Notei que seus olhos estão cansados. Acho que ela chorou a noite toda.

"Desculpa incomodá-la, vim entregar algumas coisas que estão…" – Ao ver o porta-malas aberto, a mulher começou a chorar, e aquilo me deixou um pouco emotiva. "Onde ponho essas coisas?"

"Eu te ajudo." – Pé de pano se oferece, e agradeço depois que descarregamos tudo. Ela sorri e me abraça.

"O senhor ouviu minhas preces e me enviou um anjo."

Se ela soubesse que o Diabo e eu somos praticamente um só, não me chamaria de anjo. Yasmin traz seu irmão para que eu o veja e percebi que há algo errado. O menino está abaixo do peso, assim como Yasmin. Vou até minha bolsa e lhe entrego um cartão.

"Vá até essa clínica e leve o pequeno. Chegando lá, avise que a doutora Ohana te enviou. Um amigo meu irá tratá-lo e a Yasmin."

"Nem sei o que dizer, dona Ohana. Meu marido morreu mês passado em um acidente de moto, e as coisas ficaram difíceis para a gente."

Ela abraça as crianças de forma protetora, e lembrei-me que minha mãe nunca teve esse gesto comigo. Acho que ela nem se importava comigo na verdade.

Depois de me despedir de dona Marina e das crianças, fui para a clínica e trabalhei com afinco até a hora de encerrar o expediente, durante o trajeto para casa lembrei-me da situação de dona Marina e sei que posso fazer mais por ela, enquanto esperava o sinal abrir liguei para uma amiga minha e pedi um pequeno favor a ela.

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