A irmã de Consuelo chegou às sete horas. Esperança tinha setenta e um anos e morava em La Paz, na Bolívia. Estava com os três filhos. Ela foi recebida por Wesley e Vinícius. Os diretores e advogados da fundação estavam na primeira fila de cadeiras, junto às autoridades de Buenos Aires, em frente ao palco principal que receberia o caixão.- O telão vai começar a exibir as fotos.- Ainda bem, Apollo. Está um mercado de peixe, um falando mais alto que o outro.- Argentinos, Jheniffer. A maioria são descendentes de italianos, que falam alto e gesticulam por natureza. Assim que a música e as fotos começarem, o silêncio vai imperar. Assim espero.- Já não deveria ter chegado o caixão?- Pelas previsões, já era pra estar aqui. Certamente farão uma breve despedida, com o enterro a tardezinha.- No cemitério de Lá Recoleta, onde está a Manoela, sua ex esposa e filha de Consuelo?- Exato. No belo mausoléu da família Hermann, onde está o bom e velho Salomão. Que ironia, visitamos o túmulo de Ma
Algumas autoridades falaram ao microfone. Bianca foi a última a falar. Fez um discurso no improviso, tomada pela emoção.- Eu acho que todos já disseram sobre a grande pessoa que era a minha tia. Realmente era grande. Apollo fez um discurso lindo, muito propício e profundo. Obrigada, Apollo. Você e titia formaram uma dupla de sucesso na fundação. Eu a admirava muito mesmo, queria ser igual a ela. Se eu conseguir ser cinco por cento da empresária que era, serei um sucesso. Se conseguir ser cinco por cento da pessoa humana que ela era, serei muito feliz. Minha mãe sempre dizia que eu era filha dela, filha de alma. Realmente, ela me adotou, pagou meus estudos e me fez participante da fundação. Uma pena que seus tempos de descanso tenham sido tão curtos. Uma tragédia abateu-se sobre nós. Uma tempestade forte mas que vai passar. Nunca vamos superar essa perda, esse vazio enorme de chegar aqui e não a ver mais. Nome de rua, de praça, de escola será pouco pra homenagear essa grande mulher
- Demorei, querido?- Até que não. Renata e Humberto passaram por aqui e me cumprimentaram. Deixaram um abraço.Jheniffer sentou-se. O refeitório estava mais cheio. Apollo a encarou.- Você está diferente.- Estou é? Como assim?- Está com aquele olhar de suspense, não sei explicar. Parece que viu um fantasma no banheiro.- Mais ou menos isso.Ela reparou que Bianca e Velasco estavam lanchando numa mesa. Do outro lado do salão, Renata, Humberto, Estela e Júlio César terminavam a refeição.- Peguei um refrigerante pra você. Está geladinho, como você gosta.- Muita obrigada. Já estou satisfeita, aquele molho não caiu legal no meu estômago.- Entendo. Por isso demorou no toalete.- Adivinhou. Vou lhe poupar dos detalhes e odores.- Muito gentil de sua parte. - Alguma novidade?- Sim. A família definiu que o enterro de Consuelo será as 17 horas, no cemitério de La Recoleta, no mausoléu da família. O corpo passou por perícia, pelos militares da marinha. Foi conservado para a despedida aqu
Os funcionários da funerária entraram no salão da fundação Hermann. Os familiares se reuniram em volta do caixão de Consuelo. Bianca e Velasco olharam pela última vez para a ex presidente. Jheniffer e Apollo quiseram se despedir e conseguiram ficar alguns segundos ali, diante dela. - Adeus, minha amiga e conselheira. Vai em paz.Disse Apollo, emocionado. Jheniffer pôs a mão sobre o vidro do caixão e orou em silêncio. Os fuzileiros chegaram e colocaram o caixão nos ombros, deixando o prédio sob aplausos.- Ela está deixando a sua casa, Vinícius.- Sim, Wesley. Titia deixa a fundação como seu mais importante legado. Quatro ônibus da fundação estavam a postos, para levar as pessoas até o cemitério, longe dali. Jheniffer, Apollo, Hendrigo e Damiana entraram num dos ônibus. Renata e Humberto pegaram carona no carro de Olivares. Estela e Júlio César entraram no carro de Tomasella. A chuva recomeçou, gelada e fina. O cortejo atrás do carro funerário, com a coroa de flores enviada pela pres
- Vamos voltar a fundação ou direto para o hotel?Apollo cutucou Jheniffer.- Quem?- Quem, cara pálida? Nós dois, oras.- Eu estava no mundo da lua, viajando na maionese.Hendrigo e Damiana se aproximaram.- Queridos, que acham de voltarmos ao hotel, daqui mesmo? A fundação estará fechada, por tempo indeterminado e não há nada pra fazer lá. Tomamos um táxi e vamos ao hotel descansar.- Pode ser, Hendrigo. Sua mãe deve estar cansada.- Sim. Não querem mesmo ir conosco a Mendoza?- Fica pra outra ocasião, Hendrigo. Já abusamos da sua hospitalidade, da outra vez.- As portas da vinícola estarão sempre abertas a vocês dois.- Eu sei disso.Damiana abraçou Jheniffer.- Não só as portas mas também os nossos corações. Estão arreganhados pra vocês, lindos.- Mamãe. Que linguagem fuleira é essa? Arreganhados. Cruzes.- Não vejo nada demais em falar assim, Drigo. Está mesmo, oras. Quando eu morrer, e não vai demorar, vou deixar meus bens às pessoas que fizeram bem, independente de serem parent
Jheniffer e Apollo deixaram o quarto. Ao chegarem ao restaurante do hotel, Hendrigo e Damiana os aguardavam.- Pedimos um vinho, pra começar.- Certo, Hendrigo. Confio no seu bom gosto.- Bom? Só bom? Sou dono de uma vinícola e acha só isso? Caiu na minha consideração, Apollo.- Você venceu. Confio no seu altíssimo grau em conhecimento de vinhos, meu irmão Hendrigo.- Melhorou. Muito obrigado. Deixou ao lindo casal a escolha do cardápio.- Certo. Vamos tentar agradar os paladares de vocês.- Depois do dia de hoje, um arroz e salada é motivo de agradecimento, Apollo.- Tem razão, Damiana. Precisamos comer bem pra continuar a jornada. Que esse jantar seja abençoado e em memória dela, a saudosa Consuelo.- Isso. Vamos nos lembrar pra sempre dela. Sorridente, trabalhadora incansável e amante dos vinhos e da boa gastronomia.- Isso a define, Damiana. Aquela mansão já conheceu grandes festas e banquetes memoráveis.Damiana ergueu a taça.- E não sei disso, rapaz? Paquerei muito alí, naquele
Estela bateu no rosto do esposo.- Júlio? Querido?Ela sorriu, maliciosa.- Apagou mesmo.Ela fechou a garrafa de vinho, levando-a para a cozinha. Jogou a caixa de suco no lixo e voltou ao quarto. Amarrou o roupão e pôs um boné na cabeça. Ela saiu na penumbra da casa. A porta da cozinha estava apenas encostada. O extenso jardim a sua frente era iluminado pela lua cheia. Estela enveredou pelas cercas vivas e plantas, sempre nas sombras até chegar ao local combinado com seu amante. Olhou e não viu nenhum segurança. Ela suspirou. Certamente, Velasco devia ter dispensado a vigilância, ao menos nos jardins. Ela entrou por entre os galhos e se escondeu.- Nossa, estou pregada, querido.- Pudera, Bianca. Foi um dia pesado, triste. Ei ainda não acredito.Ela bocejou e pegou a garrafa de água. Deu um gole e se deitou.- Ainda estou sob efeitos de remédios, amor? Titia Consuelo, quando ela volta?Velasco a abraçou.- Ela está bem, amor. Está viajando.- Sempre viajando. Vamos dormir.- Vamos.
A mansão no mais absoluto silêncio. Apesar do frio da madrugada, o fogo da paixão ardia entre os dois jovens no jardim. Protegidos pela vegetação densa da árvore muito bem podada, Estela e Velasco trocavam beijos calientes, levados pelo desejo ardente e a saudade entre eles. Um casal inimaginável. Cada um no seu relacionamento, em países diferentes e sem nenhum laço, sequer de amizade. Quem desconfiaria da relação deles? Durante anos se falavam por códigos e se encontravam pouco, no mais absoluto sigilo.- Quanta saudades.- Eu havia até me esquecido de seus beijos, Velasco.- Em breve ficaremos juntos, eu prometo.- Não prometa o que não pode cumprir. - Nosso plano está na etapa final. Iremos para Dubai, viver no palácio do meu amigo Hassam.- E as crianças?- Deixe-as com Júlio César, afinal ele cuidou muito bem delas até agora. Até as registrou e as amou como pai.- Você não presta.- Eu?Eles se entregaram de novo ao amor, como se fosse a primeira vez deles. Realmente, Estela era