CAPÍTULO UM

MEGAN

Era sempre assim. Conversas, cheirinho de café, gargalhadas de amigos, algumas trocas de beijos entre os casais que visitavam meu lugar preferido no mundo. Isso me rendia um sentimento quase nostálgico. Eu amava tudo o que via e sentia durante todos os dias da semana, as experiências que me proporcionavam alegrias. 

E também tinha certeza de que quem visitava o Delicatto – o nome que meus pais escolheram anos atrás para o café – saía daqui com as mesmas emoções que passavam por meu corpo e com os bons momentos que eu também apreciava na memória. 

Sempre estava cheio, a minha rotina era agitada, e eu até que gostava disso tudo, pois era o meu passatempo/trabalho predileto. No entanto, mesmo com os clientes fiéis e até mesmo os turistas, estava tudo completamente perdido. 

Olhei para a minha mãe que atendia no caixa, suspirando em seguida. Ainda não havia tomado coragem de contar para ela sobre a carta que recebi há três meses. Um pedaço de papel que poderia destruir o sorriso que via em seus lábios enquanto cumprimentava Emilly, uma das clientes mais antigas da casa. Um pedaço de papel que quase gritava para mim, que meu pai, que morrera há dois anos, havia nos deixado um problemão. 

Eu não era uma expert no assunto, mas desde que completei minha maioridade – e isso já fazia alguns anos – me foi informado que o nosso legado era o Delicatto, que a herança que meus pais me deixariam era aquela cafeteria. Tudo o que eu entendia era que aquele era o nosso bem mais precioso. Ele e a casa que morávamos, que ficava bem acima dele, em um pequeno sobradinho no bairro de Nolita. 

Então, eu não entendia como um café que tinha todas as suas pendências quitadas poderia estar com a hipoteca atrasada e com uma ordem de despejo, caso essa dívida não fosse paga dali a três meses. Claro que eles tinham dado seis meses ao todo, e eu estava até tentando juntar um pouco de dinheiro para fazer um acordo, porém, nem tudo na vida era perfeito, e o que ganhávamos dava para sobreviver, não para pagar uma dívida de anos, com multas e juros. 

— Querida, está tudo bem? — mamãe questionou assim que se aproximou de mim. 

— Claro, mamãe, só amanheci com um pouco de dor de cabeça — respondi tentando disfarçar a minha expressão de desespero, pois eu sabia muito bem que estava transparecendo isso. 

— Já tem algum tempo que estou te achando estranha, Megan, tem certeza de que não tem nada acontecendo? — Minha mãe nunca foi boba e sempre pegou coisas no ar, mas eu não queria lhe dar ainda mais preocupações. 

Ela era uma mulher sofrida, que amou tanto o marido que mesmo anos depois ainda não havia superado sua morte. Então, para quê sujar a imagem do homem que ela considerava como o ser mais perfeito do mundo? Até eu, que sabia que meu pai era o homem mais digno que já conheci, estava decepcionada, irada, imagina minha mãe se soubesse que ele mentiu para nós sobre ter quitado as dívidas do café? Não era uma opção contar para ela. 

Ia tentar falar novamente que não era nada, só a dor de cabeça me incomodando, quando escutei a porta do café sendo aberta e senti a leve brisa do ar gelado de Nova Iorque entrar no ambiente aquecido. Direcionei meus olhos para a entrada assim que vi o sorriso da minha mãe. Ela amava o homem que caminhava decidido até nós, e eu o adorava de uma forma quase inexplicável. 

— Bom dia, Megan — cumprimentou com uma leve piscadinha em minha direção, logo voltou-se para minha mãe e também pronunciou: — Dona Kristen, linda como sempre, como está? 

— Estou ótima, Alex, seu galanteador de meia tigela. — Alex fez uma leve expressão de choque, mas ele sabia que era tudo brincadeira, por isso, logo depois abriu um sorriso para a minha mãe. 

— Que culpa eu tenho se a senhora roubou o meu coração? 

— Ah, claro, fui eu que roubei — minha mãe comentou com ironia. Percebi quando Alex ficou um pouco sem graça, mas eu não tinha entendido o motivo. Minha mãe, por outro lado, teve que voltar para o caixa, pois mais um cliente queria pagar sua conta. 

— Não apareceu hoje mais cedo — comentei despretensiosamente, já que Alex tinha quase um horário marcado no café, e sua ausência não passou despercebida por mim. 

Ele fazia parte da minha rotina e era a parte que eu mais amava do meu dia. 

— Tive uma reunião bem cedo do outro lado da cidade, não deu para passar aqui antes — respondeu, encarando meus olhos. 

Eu o achava lindo demais, com sua barba cerrada, o cabelo alinhado para trás, sua boca desenhada a dedo, sua expressão máscula, seus olhos azuis… merda! Eu não podia ficar desejando tanto um dos melhores amigos que eu tinha. Não podia! 

Mas era meio inevitável quando ele me olhava daquele jeito que fazia até minhas pernas fraquejarem. Nossa, se Alex soubesse o poder que exercia sobre mim... 

— Vai querer o de sempre? — perguntei, tentando tirar os pensamentos conflituosos da minha mente. 

— Não. Já está quase na hora do almoço, eu vim te fazer um convite — comentou, sorrindo. 

— Que convite? — questionei, apoiando minha cabeça na minha mão, enquanto o observava. 

— Quer almoçar comigo? 

Olhei para ele por um tempo, tentando entender se aquilo era mesmo real ou se ele estava brincando com a minha cara, já que em todos os nossos anos de amizade ele nunca havia me convidado para nada, nem para um cineminha, que é um programa bobo entre amigos. 

— Sério? — tentei confirmar se eu tinha entendido certo. 

— Claro, acho que precisamos conversar — percebi que ele estava nervoso ao falar, mas não sabia dizer o motivo. 

— Tenho que ver se minha mãe não vai precisar de mim — murmurei ainda encarando seus olhos. 

— Ah, faz essa forcinha. Por favor, Megan. — Era aquela expressão que acabava comigo, uma que fazia ele parecer um menino desamparado, e eu era fraca para isso, meu coração era um bobo. 

— Tudo bem, mas você vai ter que esperar dar meio-dia — assim que respondi, ele abriu um sorriso gigantesco. 

— Espero o tempo que for. 

Assenti por um momento e logo comecei a atender alguns clientes que haviam chegado. Faltava meia hora para sairmos para o tal almoço, então, Alex ficou na sua cadeira habitual, e eu fui fazer o que sabia de melhor: preparar cafés para alegrar a vida de quem só queria um pouco de cafeína na veia. 

Estava terminando um frappé quando senti um cutucão na minha cintura. Olhei para o lado e constatei ser minha mãe. 

— Deixa que eu termino isso, querida. Você está fazendo o deus grego te esperar por tempo demais. — Dona Kristen era uma puxa saco de marca maior de Alex. Ela sempre gostou dele; como alegava ter um bom faro para pessoas, isso me fez confiar naquele cara rápido demais. 

E era engraçado, porque ela odiou Emmet, meu ex-namorado, de primeira. Mas  estava certa. Ele era um babaca, e eu deveria ter escutado quando disse que não valia nada. 

— Mas tenho que terminar de servir os clientes, mãe — respondi, tentando atrasar ao máximo o meu “encontro” com o deus grego em questão. 

— Querida, o café já esvaziou consideravelmente e já passou do meio-dia. — Olhei assustada para o relógio, constatando que  minha mãe estava certa. 

Voltei-me na direção de Alex e vi que ainda esperava no mesmo lugar com a cabeça baixa. Eu era uma péssima amiga. 

— Não vai ter problema mesmo se eu sair? — questionei, tirando o avental. 

— Claro que não, antes de você me ajudar no café, eu dava conta disso tudo sozinha. 

Sorri, assentindo. Depositei meu avental no aparador onde sempre o deixava, e mamãe pegou a bebida que eu estava quase terminando para finalizá-la. Entrei na parte interior, onde os clientes não podiam ultrapassar. Tirei minha touca, soltei o rabo de cavalo, deixando meus fios loiros ondulados caírem por minhas costas. Peguei meu casaco e minha bolsa, partindo para perto de Alex. 

— Desculpa a demora. — Ele levantou sua cabeça rapidamente assim que eu falei.

— Tudo bem! — Levantou-se da cadeira e me estendeu o braço. — Tem alguma preferência de lugar, madame? 

 Brincou, e eu neguei. Estava nervosa demais, sentia minhas mãos suarem, no entanto, não deixaria que ele percebesse meu nervosismo. Acenei para a minha mãe antes de atravessar a porta, com Alex ainda segurando meu braço no dele. Caminhamos lentamente pela calçada, enquanto conversávamos sobre amenidades. 

— Engraçado como eu nunca tive oportunidade de te chamar para almoçar — ele comentou, assim que entramos em um dos restaurantes mais bem conceituados da região. 

— Ainda estou estranhando essa sua atitude — respondi, enquanto tirava meu casaco e colocava sobre o encosto da cadeira, da mesa para a qual a hostess tinha nos guiado. 

— Não era pra estranhar, eu que fui um péssimo amigo esses anos todos. 

— Não era um péssimo amigo, só tinha uma noiva ciumenta a níveis extremos.

Alex me encarou assim que eu falei, mas ele só assentiu concordando. Afinal, eu não estava errada. Cameron uma vez foi ao café e só faltou me fuzilar literalmente, pois com os olhos eu tinha certeza de que ela havia me matado umas mil vezes. 

— Vamos falar de outra coisa, pois quero que Cameron fique onde está… no passado — Alex murmurou de forma categórica, sem deixar dúvidas de que realmente queria trocar de tema.

— Você está certo, desculpe ter entrado nesse assunto — pedi, arrependida, já que eu não queria trazer um passado que eu sabia que tinha sido um pouco difícil para Alex. 

O garçom se aproximou de nós e enquanto ele me entregava o cardápio, Alex murmurou:

— Não me senti ofendido, então, sem desculpas. 

Sorri para ele e voltei meus olhos para o cardápio. Alex aproveitou para pedir uma taça de vinho, e eu não quis acompanhá-lo, pois bebida alcoólica era algo que eu evitava quase sempre, por isso, preferi ficar no suco de laranja. 

Assim que o garçom se afastou, percebi que estava sendo observada, tirei meus olhos do cardápio e encarei aqueles olhos azuis que me fascinavam. 

— O que foi? — questionei, pois pela sua expressão sabia que queria tocar em algum assunto que seria considerado pesado por mim.

Eu conhecia Alex há cincos anos e sabia ler todas as suas expressões. Então, sabia que ele ia mencionar o assunto sobre o qual ele sabia que eu não queria conversar. 

— Nem precisa me olhar assim, Megan. Você sabe que eu preciso perguntar se já conseguiu dar um jeito na hipoteca. — Levantou uma de suas sobrancelhas grossas para me questionar. 

— Não quero falar sobre isso, Alex. Já disse que vou dar meu jeito — quase esbravejei, mas mantive a classe, pois estávamos em um ambiente lotado de pessoas. — Foi para isso que me convidou para almoçar, para interrogar sobre o que vou fazer? — perguntei olhando em seus olhos e por um momento pensei que ele iria confirmar, porém, me surpreendendo, negou. 

— Não! Chamei, pois queria almoçar com você. Adoro sua companhia, mas adorar tanto e me preocupar faz com que eu sinta necessidade de saber, Megan. Poxa! É seu ganha pão que está em risco.

Sabia que ele não estava falando por mal. Alex nunca me julgou ou criticou, ele só queria me ajudar. E eu estava desesperada, pois não sabia o que fazer. Não tinha dinheiro suficiente, e o meu tempo estava curto. 

— Ainda não consegui arrumar o dinheiro — respondi meio derrotada. 

— Eu já te ofereci ajuda, Megan, posso pagar… 

— Não! A sua mãe nunca gostou de mim, imagina se ela descobre que você está me emprestando dinheiro? — Quando minha amizade com Alex começou, ele levou sua mãe para tomar um café no Delicatto, pois ela estava de visita na empresa, e ele queria que a mãe fosse apresentada a mim. Nunca consegui esquecer como ela me olhou e depois ainda teve a coragem de falar na minha cara que eu não fazia o tipo para ser amiga de seu filho. 

Após ouvir o que disse, Alex tentou falar alguma coisa, mas o impedi com um gesto de mão. 

— Nem queira dizer que isso é bobeira da minha parte; eu tenho orgulho e nunca deixaria que ela me humilhasse se descobrisse algo do tipo. 

— Mas faltam poucos meses, Megan, e você nem contou para a sua mãe. 

— Como que eu vou contar? — questionei sem precisar de uma resposta para isso. Deixei o cardápio de lado, pois já estava sentindo meus olhos se encherem de água. — Como vou destruir a imagem boa que ela tem do meu pai? 

Alex segurou a minha mão por cima da mesa e começou a fazer um carinho leve em meus dedos. Sua expressão de compaixão acabava comigo. Não queria parecer a vítima, mas... porra… eu estava passando por algo que nunca imaginei que passaria. Nunca imaginei que poderia perder a minha casa e o meu café. 

— Só quero deixar claro, Meg… — Alex soltou um suspiro, após pronunciar o meu apelido —, que estou aqui por você, não vou te deixar na mão. Então, se precisar gritar socorro, saiba que venho correndo. Tudo bem? 

Voltei meus olhos para os dele novamente. Sentindo-me mais calma, eu sabia que podia falar sem perder a cabeça. 

— Claro, você é meu amigo, eu sei que sempre estará aqui por mim. Só tenho a agradecer por isso. 

Depois do nosso momento piegas, voltamos a olhar o cardápio e logo após  escolher uma salada – já que eu não estava com muita fome – e Alex escolher um risoto de shiitake, voltamos a falar sobre amenidades. 

Era muito bom conversar com Alex, ele me entendia, me fazia rir mesmo que eu quisesse chorar. Era um homem incrível, que vivia cercado por uma família intragável. 

Após almoçarmos, voltamos para o meu café, e antes que eu pudesse entrar, Alex começou a falar:

— Foi muito bom o almoço, que tal se estendêssemos para um jantar? — perguntou novamente, com a expressão de menino abandonado que fazia com que eu não conseguisse negar nada. 

— A que horas você me pega? 

Acho que o assustei por ter aceitado sem nenhuma objeção, pois ele pareceu espantado pelo meu questionamento. Mas, poxa, agora que eu podia ter o meu amigo todo para mim, eu deveria aproveitar. Só não podia dar moral para a minha a mente que gritava que não queria que ele fosse somente meu amigo. 

Que droga! 

Ele era só meu amigo, e continuaria sendo meu amigo.

— Passo aqui às oito da noite, tudo bem? — perguntou, abrindo um sorriso radiante. 

— Tudo bem! 

Assim que ele se afastou eu corri para dentro do café. Estava frio, e o quanto antes eu entrasse em um ambiente com aquecedor meus dedos agradeceriam. Vi que estava tudo calmo, já que na hora do almoço sempre diminuía o movimento. Minha mãe continuava no caixa e sorriu em minha direção. 

— Vou aproveitar que chegou para subir e comer alguma coisa, querida. — Antes de sair, ela questionou: — O almoço foi bom? 

Não entendia o interesse que ela tinha na minha amizade com Alex, por isso, evitei muitos detalhes e só assenti. 

Quando ela saiu, eu peguei meu celular e enviei uma mensagem para Katherine, minha amiga de longa data, e a única que sabia que eu tinha uma queda por Alex. 

Assim que ela visualizou a mensagem sobre o meu jantar com ele, respondeu:

Vou para sua casa mais cedo para te ajudar a se arrumar para esse jantar. 

Eu não queria que ninguém tivesse uma imagem errada da minha amizade, mas se até minha mente gritava sobre eu não querer que Alex fosse só meu amigo, imagina o que as pessoas de fora iriam pensar sobre isso? Eu estava completamente ferrada.

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