Ferman Aksoy Leyla. Sempre Leyla. A mulher era um enigma envolto em caos, e naquele dia, o caos parecia ter decidido se instalar no meu hospital. Desde a manhã, ela havia sido o tema recorrente na minha mente. E não por boas razões. As lembranças da nossa última discussão estavam frescas, cortantes. Eu tentava afastá-las enquanto analisava relatórios, mas a cada palavra que lia, sentia a irritação crescer como uma febre. —Ferman, estás sempre a complicar.— ela dizia, como se eu fosse o problema. Não importava que fosse ela a desafiar tudo, desde protocolos a bom senso, tinha nela como se fosse algo tão difícil e complicado se casar. O hospital estava cheio, mas não era só o movimento que me incomodava. Havia uma inquietação no ar, uma sensação de que algo estava para acontecer. Eu sabia reconhecer esses sinais, mesmo sem querer. Passei o dia com a cabeça cheia, tentando lidar com pacientes e ignorar o incômodo crescente que Leyla estava me causando com sua necessidade de não cas
Leyla Ylmaz Eu estava entre os bombeiros, ajudando os feridos a sair do prédio. As sirenes misturavam-se com gritos e o estalar das chamas, enquanto o cheiro de fumaça impregnava cada pedaço de ar. Nunca pensei que algo assim pudesse acontecer na minha empresa, e a culpa era como um peso nos meus ombros. — Mais um aqui!— gritei, apontando para uma mulher com queimaduras graves. Dois bombeiros correram para ajudá-la, e eu virei-me para procurar outro sobrevivente. O coração batia acelerado, mas mantinha-me focada. Foi então que o vi. Do outro lado do caos, a maca. Dois paramédicos carregavam alguém, e o mundo pareceu parar quando reconheci quem era. —Ferman! Não pensei. Larguei o que estava fazendo e corri até ele. — Não!— gritei, sentindo as pernas fraquejarem. Ele estava inconsciente, o rosto manchado de fuligem, o peito subindo e descendo de forma irregular. Atirei-me para o lado dele antes que o colocassem na ambulância. — Ele vai ficar bem, não vai?— perguntei aos
Leyla Aksoy Os dias seguintes foram um teste de paciência, mas também de fé. Ver Ferman tão vulnerável, dependente de máquinas e medicação, era um contraste com o homem confiante e teimoso que eu conhecia. Ele recuperava lentamente, cada dia uma pequena vitória. — Sabes, Leyla,— disse ele numa manhã, enquanto os enfermeiros ajustavam a cama. — Não gosto de depender de ninguém. Sentei-me ao lado dele, segurando a mão que já começava a recuperar a firmeza. — E achas que eu gosto de depender de ti?— provoquei, tentando aliviar o ambiente. — Mas estamos juntos para tudo e por tudo. Ele riu baixinho, mas os olhos dele estavam sérios. — Me salvou, não foi? — Os bombeiros que ajudaram.— Evitei o olhar dele, mas sabia que não conseguiria fugir por muito tempo. — Não estou a falar dos bombeiros.— A voz dele era mais firme. — Eu te ouvi Leyla. Mesmo quando estava inconsciente. Eu sabia que estava lá. As palavras dele fizeram-me engolir em seco. Não esperava que ele se le
Leyla Ylmaz A felicidade parecia ter alcançado seu ápice. Era como se todo o sofrimento e as batalhas tivessem ficado para trás. Mas, no fundo, sempre soube que a vida tinha uma maneira cruel de testar até mesmo os momentos mais doces. Estávamos no salão de festas do meu casamento, cercados de amigos e familiares, brindando ao futuro. Ferman estava ao meu lado, segurando minha mão como se nunca mais fosse soltar. Eu estava prestes a me levantar para cumprimentar uma amiga quando os oficiais entraram. A conversa no salão parou abruptamente, e todos os olhares se voltaram para eles. — Leyla Aksoy? — perguntou o mais alto, com uma expressão indecifrável. Levantei-me, ainda tentando processar o que estava acontecendo. — Sim, sou eu. — Precisamos conversar. É sobre o incêndio na sua empresa. Senti como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés. Ferman, ao meu lado, ficou imediatamente tenso. Ele deu um passo à frente, colocando-se quase como um escudo entre mim e os oficia
Leyla Ylmaz Aksoy A viagem até a delegacia foi um silêncio absoluto. Ferman segurava minha mão com força, como se temesse que eu fosse desaparecer a qualquer momento. Eu, por outro lado, estava tentando manter a cabeça erguida, mas a verdade era que meu coração estava um caos. Cada palavra dita pelos oficiais ecoava na minha mente como um sino insistente. Chegando lá, fomos levados para uma sala fria e iluminada por uma luz artificial que parecia drenar qualquer resquício de calor humano. O oficial que falara comigo no salão abriu uma pasta e colocou algumas folhas sobre a mesa. — Antes de começarmos, quero que saibam que temos motivos para acreditar que o incêndio foi premeditado e que o alvo era específico. Senti o corpo de Ferman enrijecer ao meu lado. Ele nunca fora um homem paciente, e o tom evasivo do oficial estava claramente testando seus limites. — Vamos direto ao ponto, então — ele disse, com os olhos firmes. — Quem foi o responsável? O oficial suspirou, como se
Leyla Ylmaz Aksoy Depois de uma dança que parecia interminável sob os olhares atentos dos convidados, Ferman e eu deixamos a festa. Subimos no carro decorado com flores brancas, o silêncio preenchendo o espaço entre nós. Ferman dirigia calmamente, mas eu sabia que ele estava esperando que eu quebrasse o silêncio. Finalmente, respirei fundo e falei: — Ferman, eu não posso ir para a lua de mel agora. Ele olhou para mim, surpreso, mas sem tirar os olhos da estrada. — Leyla, você precisa de descanso. Depois de tudo o que passamos hoje... — Não. Eu preciso descobrir onde está o filho da Eliza. Ela estava grávida, Ferman, e ninguém mencionou o bebê depois do incêndio. Eu achei que ela estivesse viajando, mas ela morreu, e o bebê dela pode ser o meu irmão, apesar de tudo que ela fez, eu não posso fingir que não me importo com o bebê. Ele apertou os lábios, claramente contrariado, mas não discutiu. Em vez disso, assentiu lentamente. — Certo. Já sei por onde começamos! Na manhã
Leyla Ylmaz Aksoy Só tinha um lugar que eu precisava ir, naquele momento, dirigi até lá sem pensar em nada. Assim que a porta se abriu, Kemal estava sentado em sua poltrona usual, o olhar frio e desconfiado. Não havia traço de arrependimento em seu rosto. Ele parecia mais irritado por eu estar ali do que preocupado com o que estava prestes a ouvir. — O que você quer, Leyla? — ele perguntou, a voz cortante como uma lâmina. Eu respirei fundo, sentindo o peso das palavras que estavam prestes a sair. Miguel estava em casa, sob os cuidados de Ferman, e seu sobrinho, e eu sabia que precisava de toda a coragem que tinha para enfrentar aquele momento. — Eu vim para te dizer que acabou, Kemal. Você nunca foi e nunca será meu pai. Ele franziu a testa, mas não disse nada. Talvez fosse a primeira vez que alguém ousava enfrentá-lo. — Eu descobri tudo. Seus segredos, suas mentiras... Tudo o que você fez para manipular minha vida e a de Nazli. Mas agora chega. Você não vai mais nos mach
Leyla Ylmaz Dois anos depois... A luz da manhã entrava suavemente pela janela da sala, iluminando a bagunça que agora era rotina em nossa casa. Brinquedos espalhados pelo chão, uma fralda esquecida sobre o sofá, e no meio de tudo isso, Marc, o nosso pequeno furacão de um ano e dois meses, e Miguel que já tinha quase três anos, rindo enquanto tentava alcançar o nosso cachorrinho que fugia dele com uma mistura de pânico e diversão. — Marc, não puxes o rabo do cachorro!— gritei da cozinha, mas sem conseguir segurar o riso. — Leyla! Ele está ganhando habilidade de estrategista!— A voz de Ferman ecoou pela sala enquanto ele entrava, carregando um copo de café e observando a cena com aquele sorriso de pura adoração que só um pai coruja consegue ter. — Estrategista ou terrorista?— perguntei, arqueando uma sobrancelha, mas não consegui manter o tom sério por muito tempo. A verdade é que a energia de Marc era contagiante, e por mais cansados que estivéssemos, ele e Miguel faziam