Ergui as mãos, sentindo a energia se acender na ponta dos dedos. Desenhei no ar runas flamejantes. O selo da luxúria invertida, o sigilo da inveja, o glifo da dor eterna.As runas arderam em chamas púrpuras antes de se projetarem como ganchos cortantes em direção ao caldeirão. Uma onde de expansão de poder ecoou nas paredes forradas de pergaminhos proibidos. O caldeirão latejou, e uma névoa negra subiu, envolvendo-nos. Senti o feitiço enraizar-se na minha própria carne. Um frio atroz, como as lâminas do submundo. Um sorriso faminto se abriu nos meus lábios.— Está feito — murmurei. — Marcel deixará de ver Ravena como fêmea. Ele a verá como rival. Como cadáver ambulante. E nada o deterá.Quando o feitiço findou, Cadmus ergueu-se com dificuldade. As mãos trêmulas repousaram no banco de pedra.— Há algo mais — disse ele, a voz ecoando como trovão contido. — Preciso te mostrar as visões da profecia.Ele puxou um amuleto de cristal negro, pendurado numa corrente de osso. Apoiado sobre a me
FrançoisO cheiro de sangue seco impregnava as paredes de pedra do calabouço. Havia umidade descendo pelas juntas das pedras, formando trilhas tortuosas como lágrimas antigas. A cela diante de mim permanecia escura, exceto pelo facho estreito de luz que atravessava a grade da pequena janela no alto, tocando o rosto desfigurado de Mercedes. Ela estava jogada no chão frio, os cabelos emaranhados, empapados de sangue, a respiração fraca, mas viva. Viva... por enquanto.Meus punhos se cerraram.Quantas luas se passaram desde que a encontrei naquele esconderijo lacrado por magia ancestral? Dezoito anos, era o que ela tinha. Uma criança aos olhos do mundo, mas uma bruxa selada pela própria anciã do seu clã, para protege-la. A última bruxa de um clã exterminado por traição das outras quatro casas. Ela um tinha o cheiro das folhas de outono. Eu só a encontrei porque meu lycan despertou ao sentir o cheiro dela. Não entendi o que estava acontecendo dentro de mim. Eu sabia que era híbrido, ma
O ar era denso na cela de pedra, saturado de magia estagnada, sangue seco e saudade crua. Eu me mantinha parado diante de Mercedes, as mãos cerradas ao lado do corpo, lutando contra o instinto que urrava dentro de mim.Felix, meu lycan, estava inquieto, desesperado, chamando pela companheira com gemidos ruidoso que ecoavam em minha mente. Mas sabia. Não podia tocá-la com a mesma urgência selvagem de antes. Desta vez, ela precisava ver quem somos nós, não o monstro que a tomou, mas o macho que agora ardia em arrependimento.Mercedes, pálida e exaurida, mal conseguia manter os olhos abertos. Suas mãos tremiam ao tentar se apoiar contra a parede fria, o corpo nu envolto apenas pela minha capa vermelha, que fiz questão de cobrir sua forma exposta, tão crua.Seus olhos, fundos e cheios de sombras, se encontraram com os meus, e o que havia neles era puro rancor... mas também confusão.— Você só quer me foder como um animal. — sua voz falhou, mas o veneno era nítido. — Porque é isso o que vo
CyrusO cheiro de ferro pairava no ar.A manhã era de um cinza lívido, e as ameias do castelo de Northshore se afogavam em brumas pesadas, como se a própria natureza pressentisse o que estava por vir. Eu estava parado diante do vitral da torre leste, observando a neblina se desdobrar sobre a floresta abaixo, quando senti. A marca.Não era qualquer vínculo. Não era um acasalamento por escolha, ou um selo mágico entre aliados. Era um elo de companheiros destinados.François.Fechei os olhos, sentindo o peso daquela revelação bater contra minha consciência como uma rajada de vento glacial. A mente dele tocou a minha, como se soubesse que eu havia percebido. Abri o canal mental entre nós com firmeza, sem sequer disfarçar a tensão na minha voz:— Você marcou alguém. — Minha mente bradou no silêncio absoluto da ligação. – Espero que eu esteja errado, e não seja Mercedes.Do outro lado, o general não hesitou. Sua resposta foi crua, firme e honesta.— Ela é minha companheira, Cyrus. Mercedes
Avisei Nathaniel e os sombras sobre nosso afastamento. Eu precisava falar com minha companheira a sós. Galopamos até o alto do penhasco de Varghast, o ponto mais alto da região, onde era possível ver o mar de árvores que compunham o coração do território. O vento aqui era feroz, mas límpido.- Cyrus? – ela chamou. – Por que nos afastamos dos outros? – ela perguntou, preocupada.— Ravena. — Desci do cavalo, estendendo a mão para ajudá-la. Ela a pegou, relutante.— O que foi? — sua voz soava desconfiada, mas doce e suave.Levei-a até a beirada do penhasco. As árvores salpicadas de branco, dançavam como sombras sob nossos pés. Os picos nevados das montanhas e a longínqua barreira me fizeram prender o fôlego por um instante.— Preciso que saiba de uma coisa. Algo que não era relevante, mas agora acabou se tornando importante. Independente do que eu diga, você precisa se lembrar que somos companheiros, e isso é imutável, e nada ficará entre nós.Ela cruzou os braços. Defensiva. Seus olhos
Continuamos seguindo o rastro de Ravena, ela havia parado em um antigo altar druida, onde a lua vazava por entre as copas das árvores como uma lâmina de prata. Ela arfava, parcialmente transformada, transmutando entre um ser e outro, os olhos completamente carmesins, os dedos com garras parcialmente expostas, o peito arfando em ondas de ódio e mágoa.— Fique longe de mim! — ela rugiu ao vê-lo se aproximar.— Ravena, ouça-me!— Por que agora?! Por que me contar isso agora, Cyrus? — O meu nome saiu como um açoite de sua boca, um insulto. — Você não me devia explicações? Ou pensou que eu seria tao idiota que não me importaria com isso? Que eu ficaria feliz em saber que o meu companheiro gosta de orgias depravadas tanto quanto aqueles alfas!Eu parei, a alguns metros de distância, cauteloso como se ela estivesse prestes a saltar, e de fato era. Mas mais que isso, era minha companheira, e o vínculo entre eles agora vibrava em dor, ressonante, quase insuportável.— Eu devia, sim — ele disse
RavenaMeus olhos mal conseguiam se manter abertos. Cada músculo do meu corpo doía, como se eu tivesse sido sugada para fora de mim mesma e moldada outra vez com fogo e gelo. Era como se algo antigo tivesse me rasgado por dentro… e deixado parte de si no meu lugar.Os braços de Cyrus me envolviam com firmeza, carregando-me para fora das ruínas. O corpo dele, totalmente vestido contrastava com o frio sobrenatural que impregnava minha pele nua. A floresta ao redor parecia sussurrar, os galhos das árvores vergando-se como se me reverenciassem… ou me temessem.— Ravena — a voz de Cyrus soou baixa, grave, quase cautelosa. — Você sabe o que aconteceu lá dentro?Virei o rosto lentamente em direção ao dele. Cada palavra que saía da minha boca parecia arrancada do fundo do abismo onde minha alma havia mergulhado.— Não… não exatamente. Mas eu ouvi uma voz… compassada e profunda. Ela veio de dentro de mim. Não era minha… mas era. — Pisquei devagar. A dor atrás dos olhos latejava. — Ela mandou q
CyrusAtrás de nós a sombra translucida de Aero, rosnou em sinal de alerta. Algo se aproximava. Puxei Ravena para mim, ignorando sua pouca resistência, ela também estava em alerta de repente. Um cheiro pútrido cortou a névoa.— Não estamos sozinhos — Aero sussurrou, em sua forma espectral.A floresta começou a pulsar. Ao longe, urros de criaturas que não pertenciam à natureza ecoaram como prenúncio. O grito aterrador de criaturas sombrias. As Fúrias.Ravena se amparou em mim, ainda abalada, mas o instinto lupino falando mais alto. Nesse momento senti o vínculo entre nós selar mais uma camada invisível. Ela estava comigo, apesar de tudo. E isso nos fortalecia.— O que vamos fazer? — Perguntou ela.— Vamos destruí-los. – Respondi, sentindo minha aura se expandir, a medida que Aero e eu nos uníamos, nos preparando para a batalha. – Ravena, você precisa se abrigar no manto de Aero agora. Ela apenas acenou com a cabeça, enquanto Aero e eu a envolvíamos no manto poderoso de meu espectro. E