KIERAN:
Enquanto terminava de assegurar o passadiço do refúgio da minha mãe, uma sensação de incerteza enrolava-se nas minhas entranhas. Sabia, com uma certeza que roçava a obsessão, que nenhum inimigo, nem mesmo Sarah, seria capaz de encontrar este lugar. Este espaço era invisível até mesmo aos olhos mais atentos.
Dediquei tempo a recondicionar cada recanto do refúgio, preparando este espaço minuciosamente, consciente de que poderia tornar-se a nossa única garantia de sobrevivência se a guerra se tornasse mais brutal do que tinha temido. Observei o lugar pela última vez. Claris, a sua mãe e Clara estariam aqui com os filhotes, seguros, ou pelo menos era isso que eu queria acreditar. Confiava nelas. Mas, mesmo assim, essa certeza não aliviava o tormento. A simples ideia de me separar deles, mesmo por um breve instante, era uma ferida quVORN:Tínhamos conseguido libertar Sarah da prisão, um movimento calculado que, até aquele momento, tinha valido a pena. Tal como ela tinha dito, Sarah tinha a capacidade de rastrear não só o doutor Gael, mas também o próprio Kieran. Era quase irónico que ele tivesse cometido tal erro. Ao ligá-la pelo vínculo de irmãos, tinha aberto uma porta que não fechou a tempo depois de descobrir a sua traição. Uma negligência que agora jogava a nosso favor. Tínhamos enviado exploradores para inspecionar a antiga alcateia de Kieran e, de acordo com os relatórios, parecia habitada. No entanto, os arbustos que a cercavam continuavam emaranhados e selvagens, como se as garras dos lobos não os tivessem pisado há muito tempo. Não havia uma alcateia completa, mas sim um eco desgastado do que em tempos fora. —Parem! —ordenei com firmeza—. Vamos acampar aqui até que Sarah regresse. —Meu Alfa, acho que seria melhor continuarmos a avançar —disse a minha irmã, Chandra Selene, com impaciência e desafio no
VORN: Observei com atenção a velha casa da família do Alfa Theron. Havia uma atmosfera pesada, carregada com os restos de uma história de poder e dominação. O pai de Kieran tinha sido tão imponente como ele é agora. O Alfa dos Alfas, o líder supremo entre os alfas, indiscutível e, no entanto, fugia. Escapava com os seus sempre que nos aproximávamos, como se escondesse algo, algo que não queria que descobríssemos. Conhecia-o o suficiente para saber que não se tratava de simples cobardia. Não, ele não era um covarde; muito pelo contrário, era astuto e calculista. Então, por que não me enfrentava diretamente? Algo estava oculto nas suas manobras, mas ainda não conseguia descifrá-lo completamente. Sarah entrava e saía de cada divisão, deixando um eco de raiva e frustração em cada grito. Praguejava incessantemente, e era evidente que a situação a estava a superar. À sua volta, os restos do mobiliário destruído falavam do seu estado mental. Eu, por outro lado, permanecia imóvel, delinea
KIERAN: Tinha escapado mais uma vez dos meus inimigos, e essa realidade queimava cada canto do meu ser. Eu, Kieran Theron, o Alfa dos Alfas, o mais poderoso de todos os tempos, tinha fugido três vezes daqueles que ousavam desafiar-me. Eu sabia bem, reconhecia: fazia-o por eles. Pela minha Lua, pelos meus filhotes, pela alcateia. Eram a minha prioridade, a única razão que justificava aquilo que considerava intolerável. Mas, mesmo assim, a sensação de fragilidade, de perder as rédeas do meu próprio destino, corroía-me dia após dia como uma ferida que não parava de sangrar. Regressei à reserva, ao meu território decidido a impor-me. Sempre que chegava, corria para ver os meus filhotes. As suas gargalhadas enchiam todo o espaço, recordando-me que valia a pena continuar a lutar. Os meus gémeos eram a luz no meio desta escuridão interminável. Tinham crescido tanto desde a última vez que fui encurralado. Não os voltaria a expor. Nunca mais permitiria que qualquer ameaça nos alcançasse de
SARAH: Ao ouvir o terrível humano que era Ragnar tão perto, por instinto transformei-me em loba e corri a toda velocidade. Conhecia-o muito bem; era cruel e sanguinário com os da sua própria espécie. Nem conseguia imaginar o que poderia fazer connosco se nos apanhasse. Ainda me lembrava de quando tinha cruzado o caminho de Kieran. Tínhamos ido a uma reunião de negócios e ele interessou-se por uma das lobas da alcateia. Ao sairmos do clube, estava à espera dela com toda a sua quadrilha, querendo raptá-la de nós. Não podíamos revelar quem éramos; por isso comportávamo-nos como humanas. O meu Alfa tinha ficado dentro do edifício a conversar com os homens, enquanto nós nos dirigíamos aos carros. Detestávamos essas reuniões com os humanos, mas eram obrigatórias. Nós éramos belas e irresistíveis, e os homens humanos perdiam a concentração nos negócios ao fixarem-se em nós, o que nos permitia fechar bons acordos. — Ora vejam só quem finalmente teve a coragem de sair ao meu encontro —di
112. A NEGAÇÃO CLARIS: Fiquei a olhar para o meu alfa sem dizer nada de imediato, não entendia porque é que ele me estava a perguntar isso. Embora não me escapasse como a sua expressão mudou, como se lhe estivessem a enterrar uma adaga no peito. —E o que é que eu supostamente devo fazer? —disse finalmente, baixando a voz—. Tornar-me naquilo que esperas de mim? Passar cada segundo da minha vida a preocupar-me com uma alcateia que apenas te pertence a ti? —e foi então que disse algo que o deixou sem palavras—: Não gosto de ser uma loba! Não gosto! Não quero ser a Lua de ninguém! Depois de ter os gémeos, a minha vida girou completamente em torno deles. Não queria gastar energia com nada que não estivesse relacionado com os seus cuidados. O meu mundo era simples. Eles eram a minha prioridade e o meu único propósito. Desfrutava do amor e da proteção de Kieran, que tinha assumido o seu papel com a intensidade com que vive tudo. Ele era o Alfa dos Alfas, mas fugir das batalhas consum
KIERAN: Não podia acreditar no que tinha ouvido. As palavras de Claris atingiram-me com uma força que nunca esperei sentir. Ela estava a rejeitar-me! Será que ela entendia o que acabava de fazer? Talvez não tivesse pronunciado as palavras exatas do vínculo destinado, mas tinha-as dito com clareza suficiente para que o seu significado fosse indiscutível. Não queria ser Luna, não queria ser a minha Luna. Aquilo partiu algo profundo dentro de mim, algo que nem sequer sabia que podia quebrar-se. O meu mundo, construído ao seu redor, parecia desabar. Uma parte de mim queria gritar-lhe, exigir explicações, outra parte entendia que não havia palavras suficientes que pudessem reparar este abismo. O vínculo que nos unia pulsava com uma dor que não podia ser descrita. Era como se tudo o que pensava que era nosso se reduzisse, num instante, a cinzas. Atka rugiu dentro de mim. A sua fúria era palpável, assim como a dor dilacerante que o consumia. Ela era a nossa companheira escolhida pel
KIERAN: Lúmina não parou, continuou a avançar até estar mesmo em frente a mim. As nossas respirações chocavam, mas não recuei. Atka sustentou o olhar dela; continuávamos a ser lobos, ambos no controlo sem nos anularmos um ao outro. —A ti. A Kieran. —Disse com firmeza. A sua declaração direta deixou-me em silêncio, ligando pontos impossíveis. Ela não falava por Claris. Era a Loba Lunar, Lúmina, quem se dirigia a nós, e o peso dessas palavras não fazia mais do que confirmar que o que estava prestes a revelar-me ia mudar tudo. —Eu jamais voltarei a deixar que a minha humana os rejeite ou tome o controlo —continuou sem hesitar, com uma convicção que parecia escrita nas estrelas—. Esse será o seu castigo por sequer ousar tentar. Acabei de atingir a minha maioridade; já não tenho que me subordinar à minha humana. Olhava-me fixamente, de uma forma que me deixava sem fôlego. Não era algo que pudesse comparar-se com palavras simples ou gestos humanos. Ela não era simplesmente um
CLARIS: Não soube o que tinha acontecido. De repente, a escuridão envolveu-me, como se alguém tivesse arrancado o controlo do meu próprio corpo e me tivesse atirado ao abismo mais profundo das minhas memórias. Foi então que senti aquela dor atroz, a dor que reconhecia bem demais: a transformação. Os meus gritos ecoavam no vazio sem resposta, como se não pertencessem a ninguém. E foi ali, nesse limbo de impotência, que percebi. Não era simplesmente uma transformação. A minha loba, Lúmina, tinha despertado completamente. Assumiu o controlo de nós como nunca tinha feito antes e anulou-me por completo. A frustração cravou-se no meu peito enquanto sentia como Lúmina corria, imparável, até chegar ao lago onde se encontrava Atka. Podia vê-lo, podia senti-lo, mas não podia agir. Não podia falar. Era apenas uma prisioneira no meu próprio corpo, obrigada a escutar cada palavra da conversa que a Loba Lunar estava a ter com ele. Era o meu castigo. O castigo por ter ousado desafiar a nossa nat