Acontece que Bernardo não me deu só mais um presente de Natal. Nem dois. Ele deu vários. Quando alguém como ele fala que quer te dar o mundo... bem, talvez não seja um pleonasmo. Mas o presente ao qual ele se referia àquela noite era algo que me deixava um tanto dividida. Bernardo havia conseguido a minha transferência para o Mercy Hospital, um renomado hospital privado, conhecido por seus recursos de última geração e atendimento a uma clientela de alto poder aquisitivo. Os recursos que eles possuíam eram infinitamente mais modernos que os do São Lucas, e meus plantões, segundo ele, seriam menos exaustivos. Mas havia um detalhe que me incomodava profundamente: eu não tinha conseguido essa transferência por mérito próprio. Era o nome e a influência de Bernardo que tinham aberto aquelas portas para mim, e isso me deixava com sentimentos conflitantes.No último dia de trabalho no São Lucas, senti um aperto no coração. Passei pelos corredores cumprimentando os colegas, e cada despedida pa
Liz e eu decidimos tirar o dia para ir ao shopping, levando Ian junto para o passeio. Eu estava determinada a comprar um vestido branco para a noite de Réveillon, já que íamos passar com a família de Bernardo, e queria estar à altura da ocasião. A ideia de tentar me encaixar em um lugar ao qual eu não parecia pertencer e de enfrentar lojas de luxo para isso, ainda me deixava bastante desconfortável. As vitrines reluzentes e etiquetas de preços exorbitantes não combinavam com minha realidade. Mas ter minha irmã ao meu lado, sempre tornava tudo, ao menos, mais divertido.— Vamos começar por aqui? — sugeriu Liz, apontando para uma das lojas mais chiques do shopping.Respirei fundo e assenti, tentando ignorar o nervosismo que crescia em meu peito. Entramos na loja e fomos recebidas por uma vendedora impecavelmente vestida, que nos cumprimentou com um sorriso profissional.— Boa tarde, senhoras. Em que posso ajudá-las hoje? — perguntou ela, seu olhar discreto caindo sobre o anel de diamant
Na manhã seguinte, enquanto Bernardo dirigia e Ian dormia tranquilamente na cadeirinha no banco de trás, eu tentava não demonstrar o quanto estava emburrada desde o encontro com Valentina. O sol matinal iluminava a estrada, mas meu humor estava longe de ser radiante. Ontem, eu havia mentido para Bernardo, dizendo que estava apenas nostálgica pela saída do hospital, mas ele já conseguia me ler muito bem. Sabia que havia algo mais me incomodando, mesmo que eu tentasse esconder.— Vamos lá, Alice, o que está acontecendo? Não é possível que minha família te assuste tanto assim.Respirei fundo e finalmente desabafei.— Mas me assusta. Eu não me encaixo no seu mundo.— Alice... — ele me lançou um rápido olhar antes de voltar a se concentrar na estrada à sua frente. — Você ao menos está tentando?— O quê? — Surpreendi-me. — É claro que eu estou! Estou aqui, não estou?— Nós somos três, dividindo um apartamento de cinquenta metros quadrados, em um canto distante da cidade, e pagando aluguel p
Quando chegamos ao casarão de praia da família Orsini, a diferença na recepção em comparação à calorosa acolhida que recebemos na fazenda dos meus pais era gritante. Em vez de rostos familiares e abraços aconchegantes, fomos recebidos por uma equipe de funcionários uniformizados, cujas expressões impassíveis e movimentos precisos criavam uma atmosfera fria e distante. Eles pegaram nossas malas com eficiência impecável e nos guiaram pelo imenso e luxuoso hall de entrada, onde cada detalhe parecia ter sido cuidadosamente escolhido para exalar sofisticação e riqueza.A cada passo, sentia a ausência do calor humano e da familiaridade que tanto me confortava na casa dos meus pais. As paredes decoradas com obras de arte, o piso de mármore polido e os lustres de cristal contribuíam para a sensação de opulência e formalidade que dominava o ambiente. Caminhamos em silêncio, acompanhados apenas pelo som suave de nossos passos ecoando pelos corredores amplos e bem iluminados, até que finalmente
Enquanto Bernardo ficou bebendo e conversando com o pai e o irmão, dei logo um jeito de subir para o quarto para ver Ian. A verdade era que estava preocupada com meu filho, mas também queria uma desculpa para escapar da companhia daquelas pessoas. Bernardo sempre dizia que os pais iriam me adorar, que eu era exatamente o que ele sempre quis para si. Porém, a frieza e os olhares avaliadores que recebi desde que chegamos deixaram claro que a aceitação deles estava longe de ser alcançada. Sentia-me deslocada e ansiosa, buscando qualquer conforto familiar, e estar com Ian era a maneira mais segura de encontrar um pouco de paz naquele ambiente estranho.Ao entrar no quarto, encontrei Ian dormindo tranquilamente no berço, e logo dispensei Rita com um sorriso agradecido. Aproximei-me e comecei a acariciar seu rostinho, sentindo uma onda de paz e amor. Seus traços delicados e a expressão serena enquanto dormia me faziam esquecer, ainda que por breves momentos, da tensão que sentia ao redor. D
Quando acordei naquela manhã, um sentimento de irritação pairava sobre mim. Talvez fosse o fato de estar em um ambiente onde tudo parecia fora do meu controle, ou talvez fosse simplesmente o cansaço acumulado dos últimos dias. De qualquer forma, o mau humor era inegável. Mas, antes que pudesse me afundar completamente na minha própria negatividade, senti as mãos de Bernardo acariciando meu corpo suavemente, seus dedos traçando linhas gentis pelo meu braço, e seus lábios depositando beijos suaves em meu pescoço. Automaticamente, senti meu corpo relaxar, a tensão se dissipando ao toque dele.— Bom dia — ele murmurou, sua voz baixa e rouca, ainda carregada de sono. — Precisamos nos arrumar. Minha mãe preparou um passeio de veleiro e um brunch para nós.Forcei um sorriso, tentando não demonstrar o quanto a ideia me desagradava. Não era que eu não gostasse da ideia de velejar, mas a perspectiva de passar mais tempo com os pais dele, que até então tinham sido frios e distantes, não era nada
~BERNARDO~Enquanto a lancha avançava pelo mar, senti uma onda de culpa começar a se formar dentro de mim. O vento salgado batia no meu rosto, mas não conseguia afastar a sensação de que talvez Alice estivesse certa. Na ânsia de agradar meus pais, de me mostrar presente e adequado ao que eles esperavam de mim, talvez eu realmente estivesse ignorando a forma como eles estavam tratando Ian e Alice. Talvez não tivesse prestado atenção suficiente no fato de que eles estavam evitando qualquer interação com nosso filho ou que, especialmente se essa interação fosse pública. De alguma forma, não aceitavam a nossa história como uma família.Prometi a mim mesmo que pediria desculpas a Alice assim que retornasse. Eu queria que ela soubesse o quanto eu estava comprometido em compreender, em estar ao lado dela na batalha para preservar o que estávamos construindo juntos. Mas ali, no meio do mar, cercado pelo peso das expectativas familiares e pela tensão crescente, me sentia impotente, incapaz de
~BERNARDO~Enquanto a conversa com Clarice fluía percebi que, apesar de tudo, ela não era uma pessoa tão desagradável quanto ela tinha parecido ser até então. Havia uma camada de humanidade por baixo de suas ações calculistas, uma motivação que, embora errada, fazia sentido em um contexto de desespero. Nós até tínhamos algo em comum: o senso de dever para com a família. Ela havia feito o que achava necessário para ajudar a mãe doente, e de certa forma, eu podia entender isso. Não que isso justificasse o que ela fez, longe disso. Mas se eu fosse obrigado a conviver com ela em prol do nosso filho, talvez fosse melhor encontrar alguma forma de paz entre nós.Clarice começou a falar sobre o ultrassom, sua voz assumindo um tom mais suave e até animado. Ela descrevia com entusiasmo como era ver o bebê crescendo pouco a pouco, cada detalhe que ela notava nas consultas. Enquanto ela falava, eu não pude deixar de pensar em como não tive a chance de viver isso com Alice e Ian. Toda a fase da gr