Amara sentou-se obedientemente na cadeira, como uma aluna envergonhada do ensino fundamental. Seu rosto transparecia um misto de desespero e resignação.
Pitter a observava, apoiando a cabeça com uma das mãos. Na penumbra da noite, ele parecia ainda mais enigmático e perigoso do que seu habitual comportamento austero durante o dia.
— Você está com medo de mim? — perguntou ele, sem rodeios.Amara balançou a cabeça vigorosamente, depois assentiu de forma cuidadosa.
— Provavelmente ninguém na cidade deixaria de ter medo de você, certo?Pitter sorriu de leve, mas seus dedos continuaram brincando com a xícara entre suas mãos. Com a mesma serenidade de antes, ele disparou outra pergunta:
— Então você tem medo de mim porque os outros têm? Nesse caso, por que não se casa comigo, já que tantas outras mulheres querem?A pergunta fez Amara quase escorregar da cadeira. Ela achava que já havia escapado daquele tipo de conversa anteriormente, mas claramente tinha subestimado a determinação dele.
— Como... como posso responder isso? — gaguejou, com a voz entrecortada.
— Antes de responder, você pode fazer outra pergunta — disse Pitter, permitindo-a continuar.
Amara respirou fundo, tentando organizar as ideias.
— Por que eu? É por causa do Théo? Ele depende de mim agora, mas acredito que seja algo temporário. Quando as emoções dele se estabilizarem, ele ficará bem. Não acho que você precise... tomar uma decisão tão extrema por isso... — A tentativa de persuadi-lo parecia mais uma súplica para alguém prestes a tomar um caminho sem volta.Pitter colocou a xícara sobre a mesa e a encarou, os olhos fixos como se fossem capazes de decifrá-la por inteiro.
— Achei que já tivesse deixado isso claro da primeira vez, Amara. Mas, se não entendeu, eu explico de novo: quero retribuir o que você fez pelo Théo com o meu próprio corpo.Por um instante, Amara congelou. Seu coração parecia querer saltar do peito. Ela reuniu forças para protestar:
— É exatamente por isso que eu não posso aceitar!Ao perceber que a conversa não progrediria de forma lógica, ela tentou desviar:
— Senhor Pitter, sou grata por sua gentileza, mas sou totalmente contra o casamento. Então...Antes que pudesse concluir, Pitter arqueou uma sobrancelha e a interrompeu:
— Então você só quer dormir comigo? E depois fugir da responsabilidade de se casar?Amara arregalou os olhos.
— Sim, é exatamente isso... Espere! Não! Não foi isso que eu quis dizer! — protestou, quase se levantando de tão atordoada.Pitter continuou com o mesmo tom calmo, mas com um sorriso de canto nos lábios:
— Infelizmente, não aceito sexo antes do casamento.— Quem acreditaria nisso? — Amara murmurou para si mesma, sem perceber que ele a ouvira.
Ele desviou o olhar, observando a noite escura pela janela. Sua expressão assumiu um ar distante.
— O Théo foi um acidente. Nem sei quem é a mãe dele.A revelação pegou Amara de surpresa. Ela não conseguiu evitar franzir a testa, refletindo sobre a frase dita por ele.
— Então... você acha que isso importa para mim? — perguntou ela, sinceramente intrigada.— Importa? — devolveu ele, quase como se estivesse testando sua reação.
— Claro que não! — respondeu Amara, firme. — Como você mesmo disse, qualquer mulher na cidade faria fila para ser madrasta do Théo.
Pitter a observou atentamente por um longo momento antes de perguntar, em um tom mais sério:
— Então por que você não aceita?Amara suspirou profundamente, percebendo que ele não a deixaria em paz sem uma explicação satisfatória.
— Senhor Pitter, casamento não é um jogo. Nós mal nos conhecemos. Você sequer entende minha personalidade ou conhece meu passado. Como pode achar que isso funcionaria?Pitter a interrompeu novamente, sua voz firme e cheia de autoridade:
— Não estou interessado no seu passado. Quero casar com você como você é agora.A resposta, embora direta, incomodou Amara profundamente. Seu olhar esfriou enquanto ela dizia:
— Para mim, meu passado faz parte de quem sou. Não tenho como ignorá-lo ou fingir que ele não existe. Se não pode aceitar isso, então, sinceramente, sugiro que abandone essa ideia absurda.Um silêncio constrangedor tomou conta do ambiente. Amara quase podia ouvir a respiração pesada dele. Ela se preparou para o pior, certa de que ele ficaria furioso com sua rejeição.
Para sua surpresa, Pitter respondeu em um tom calmo e quase resignado:
— Entendido.O alívio foi instantâneo. Amara se levantou, já de costas para ele.
— Então vou dormir. Boa noite, senhor Pitter.— Boa noite — respondeu ele, sua voz carregada de algo que ela não conseguiu decifrar.
Assim que ela saiu, Pitter permaneceu sentado, seus olhos seguindo as costas dela até desaparecerem pela porta. Ele parecia imerso em pensamentos, e a profundidade de seu olhar refletia algo insondável, como as águas escuras de um oceano que guarda segredos jamais revelados.
Amara foi acordada pelo som grave e baixo da voz de um homem na sala de estar. Era manhã, e ela ainda sentia o calor dos cobertores enquanto ouvia o som abafado de uma conversa encerrada abruptamente.
Pitter desligou o telefone ao perceber os passos atrás dele. Ele se virou e, com um tom caloroso e educado, perguntou:
— Eu te acordei?Ao levantar os olhos para ele, Amara ficou estática. Pitter estava sem camisa, e sua presença imponente parecia preencher toda a sala. A pele nua refletia a luz suave que entrava pela janela, criando um contraste marcante.
Ela piscou, esfregando o nariz levemente. "Controle-se, Amara," pensou, aliviada por não ter feito nada embaraçoso.
Sem dar sinais de que notara sua reação, Pitter calmamente pegou sua camisa que estava dobrada no sofá e começou a vesti-la. Enquanto abotoava os primeiros botões, explicou:
— Surgiu uma emergência no trabalho, e preciso sair agora. Posso incomodá-la para acordar Théo?— Ah, claro! — respondeu Amara, quase engasgando com a própria pressa enquanto se virava para chamar o menino.
Mas, ao invés de encontrar Théo dormindo, ela deu de cara com algo inesperado: um pijama de Pikachu, um sorriso sonolento e um olhar fixo no pai. Théo estava em pé, observando Pitter com uma expressão abertamente desafiadora.
— Théo, vá trocar de roupa. — Pitter ordenou com firmeza, colocando o casaco.
A resposta veio na forma de um sonoro bang! A porta do quarto de Théo se fechou bruscamente.
Pitter ficou em silêncio por um instante, encarando a porta fechada, antes de respirar fundo.
— Théo... — Ele tentou girar a maçaneta, mas estava trancada. — Amara, por acaso você tem a chave?Amara sacudiu a cabeça, constrangida.
— Sim, mas ela está... no quarto dele.Pitter suspirou profundamente e, com um tom mais sério, chamou:
— Théo, você tem três minutos. Se não abrir a porta, não pense que voltará para cá tão cedo.Do outro lado, silêncio absoluto.
— Théo, se você me forçar a abrir essa porta, não será tão fácil lidar comigo depois.
Nada. Nenhum movimento.
Amara, que observava a cena à distância, segurou o riso com dificuldade.
— Por que você não o deixa ficar mais um pouco? Ainda tenho tempo antes de ir trabalhar.Pitter, visivelmente impaciente, ignorou a sugestão e pegou o celular. Para surpresa de Amara, ele estava ligando para um psiquiatra.
— Ei! — Amara interrompeu, quase indignada. — Não acha que isso é um pouco exagerado?
Ele hesitou, mas antes que pudesse responder, ela se ofereceu:
— Deixe-me tentar.Ele a analisou por um momento, depois fez um leve aceno de cabeça.
Amara se inclinou contra a porta e, com uma voz calma e carinhosa, começou:
— Théo, querido, eu preciso ir trabalhar daqui a pouco. Não vou poder cuidar de você. Que tal você ir para casa com seu pai?O silêncio permaneceu, mas ela continuou:
— Vamos fazer assim, trocamos números de telefone! Podemos nos falar o tempo todo. Até videochamadas, o que acha?De dentro, o som de passos hesitantes começou a ecoar.
— Meu diretor é muito bravo, sabe? Se eu me atrasar, ele vai me repreender... Eu sou tão azarada, wuuuuu...
A porta abriu lentamente.
Pitter, que estava preparado para uma longa batalha, ficou visivelmente surpreso. Ele lançou um olhar intrigado para Amara, como se ela tivesse acabado de realizar uma façanha impossível.
Para ele, era quase inacreditável. Na última vez que Théo se trancara, toda a família fora mobilizada, incluindo mordomos, psiquiatras e até especialistas em negociação. Após horas de tentativas frustradas, o resultado final fora derrubar a porta — e um mês inteiro de silêncio por parte do menino.
Mas Amara parecia alheia à dimensão do ocorrido. Para ela, Théo era apenas uma criança obediente. Sorrindo, ela se agachou para ficar na altura dele e acariciou seu cabelo suavemente.
— Que bom menino você é, Théo! Muito obrigado, querido!O garoto, visivelmente satisfeito com o elogio, entregou um pedaço de papel a ela com números rabiscados.
— Oh! — exclamou Amara, animada. — É seu número? Vou salvar agora! Prometo ligar quando estiver livre.
Ao observar a cena, Pitter sentiu que algo estava estranho. Théo não tinha um telefone, então de onde ele teria tirado aquele número? Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro de Amara e viu a sequência de números.
Era o número dele.
Um sorriso quase imperceptível surgiu em seus lábios.
"Nada mal," pensou. "Como esperado de meu filho."Pillar estava furiosa no escritório:— Amara conseguiu o papel de protagonista feminina coadjuvante!— Protagonista feminina coadjuvante? — Melissa franziu a testa. — Ela não estava apenas interpretando um papel irrelevante em algum filme desconhecido? Como é que teve tempo para fazer o teste para a protagonista feminina coadjuvante?— Também achei estranho. Descobri algumas coisas sobre a audição de ontem — respondeu Pillar, pensativa. — Os jurados estavam prestes a sair quando viram Amara por acaso. Decidiram ali mesmo que ela era perfeita para o papel. Parece que sua intuição estava certa: essa garota é perigosa. As audições já tinham terminado, e ainda assim ela conseguiu influenciar os jurados. Quem sabe o que ela fez para convencê-los?Pillar hesitou antes de continuar. Sabia que a aparência de Amara era uma arma poderosa. Não seria surpresa se algum dos jurados tivesse se encantado com ela.Inicialmente, Pillar planejava moldar Amara cuidadosamente quando a contratou. Mas, entã
Amara hesitou enquanto encarava o número salvo em seu telefone. Por mais que tivesse tentado evitar o momento, finalmente decidiu discar.Desde o incidente de cinco anos atrás, a ideia de interagir com crianças fazia com que memórias dolorosas emergissem. Era impossível esquecer o que havia perdido... a criança que carregava suas maiores esperanças e que agora representava seu passado mais sombrio.Porém, havia algo diferente em Théo. Ele não trazia consigo o desconforto ou as lembranças ruins. Ao contrário, a presença dele parecia aquecer sua alma. Era como se houvesse algo inexplicavelmente reconfortante nele.— Alô? — A voz do outro lado era um silêncio tímido.Amara sorriu, compreendendo imediatamente. — Théo? É você, não é? Desculpe a demora para ligar. A tia acabou de terminar o trabalho e lembrou de você!Sem resposta, ela continuou, conversando com suavidade:— Você já comeu? Espero que esteja se alimentando bem. Está muito magrinho, sabia? Crianças precisam comer para crescer
Théo amava o silêncio. Normalmente, depois de jantar, ele se retirava para seu quarto, isolando-se do restante da casa. Todos os funcionários precisavam finalizar suas tarefas e ir para seus próprios aposentos em silêncio absoluto. Qualquer som que perturbasse o ambiente o deixava irritado, ou pior, fora de controle.Certa vez, Madame Kléo enviou alguns lanches ao quarto dele, preocupada com a possibilidade de que não estivesse comendo o suficiente. Mas Théo, em resposta, simplesmente se trancou no sótão. Era um espaço onde ninguém ousava incomodá-lo.Apesar de todo o amor e preocupação de Pitter e Pietro, ninguém na casa se atrevia a forçar interações desnecessárias com Théo. Contudo, naquela noite, o inesperado aconteceu. O garoto, que sempre evitava companhia, tomou a iniciativa de sair do quarto. Mais surpreendente ainda: correu diretamente até Pitter, agarrando-se à perna do pai com determinação.Pietro não pôde conter o riso."Théo, o que está fazendo? Tentando me comprar com su
Amara estava vestida com calças de couro preto que destacavam suas curvas, uma escolha prática para pilotar sua moto. Quando chegou ao destino, arrancou o capacete e as luvas, revelando cabelos longos que caíam como uma cascata sobre os ombros. Sua aparência desenfreada e imponente parecia saída de um quadro.Pietro quase soltou um assobio ao vê-la entrar, mas conteve-se para evitar problemas.No entanto, a tensão reinava na sala. Pitter estava parado, firme e inabalável, enquanto segurava Théo, que lutava como uma fera enfurecida, seus pequenos braços agitavam-se desesperadamente, tentando escapar do aperto firme.“Pitter, você não pode fazer isso com ele!” Amara entrou rapidamente na sala e, em um movimento ágil, tirou o pequeno Théo dos braços do pai. O garotinho ficou atordoado por um segundo, mas assim que reconheceu Amara, seus olhos se encheram de lágrimas. Ele abraçou-a com força, como se ela fosse seu porto seguro, escondendo o rosto em seu ombro.Amara sentiu o coração apert
"Sim."Amara coçou a cabeça, sentindo-se estranha. “Isso... não é um pouco inapropriado? Posso vir a qualquer hora se Théo quiser me ver!”Pitter massageou a testa com cansaço. “Há muitos fatores desconhecidos, especialmente à noite. Seria perigoso se tivéssemos uma situação de emergência e você viesse aqui em alta velocidade na sua moto novamente. Com minha identidade, não é conveniente trazer Théo para visitar você com frequência. Sei que esse pedido pode parecer um incômodo, mas, como pai de Théo, estou sinceramente pedindo. Espero que possa considerar.”Amara sentiu uma dor de cabeça chegando.Ela teria recusado imediatamente se Pitter estivesse usando sua autoridade para forçá-la. Mas ele estava sendo honesto, quase implorando, e era difícil dizer não diante daquele rosto tão extraordinariamente bonito.Pietro, que assistia de canto, olhava para seu irmão com admiração.Incrível! Não esperava que Pitter usasse uma técnica tão refinada. Ele transformou uma desvantagem em uma oport
No canto da sala de estar, o velho mordomo observava atentamente a interação entre Amara e Théo. Ele notou que, durante toda a manhã, Amara não fez qualquer esforço para se aproximar deliberadamente de Théo. Em vez disso, manteve-se concentrada em seus roteiros, enquanto o garoto seguia sua rotina habitual, lendo livros ou desenhando.Apesar da aparente normalidade, o mordomo percebeu um detalhe: ocasionalmente, Théo lançava olhares discretos na direção de Amara. Havia uma expressão de serenidade e animação em seu rosto, algo raro de se ver.Embora essas interações trouxessem certa tranquilidade, o mordomo não conseguia afastar suas preocupações. Desde que soubera da confiança que Pitter depositava em Amara e da aparente aprovação de Pietro, o irmão de Pitter, ele mantinha sua guarda alta. Lembrava-se bem de como, há dois anos, um incidente terrível quase levou o pequeno Théo ao extremo. Desde então, tornou-se extremamente cauteloso com qualquer pessoa que tentasse se aproximar do men
Amara engasgou, incapaz de encontrar palavras.– Pitter! Seus funcionários sabem que você está usando a marca pessoal da sua empresa para ajudar artistas da concorrência?Era evidente que não. Lecks, o famoso maquiador, claramente não fazia ideia de quem ela era, dado o quão desconhecida Amara era no mundo artístico.Amara queria ajoelhar-se diante de Pitter. A Stellar Entertainment era, afinal, uma das subsidiárias da Riddel Corporation! Mesmo que Pietro estivesse atualmente gerenciando a Stellar e outras produtoras, o verdadeiro chefe nos bastidores era Pitter Riddel.A corporação havia se envolvido na indústria do entretenimento há cinco anos, adquirindo a Stellar Entertainment e transformando-a em um império capaz de rivalizar com as grandes concorrentes, incluindo a qual Amara pertencia, que até então era líder no setor. A competição entre as duas empresas era feroz. Seus funcionários, de artistas a maquiadores, raramente se misturavam. Em qualquer set que houvesse representantes
Edich olhou para os repórteres com um sorriso malicioso, deixando transparecer um ar de antecipação. "Esperem para ver", ele disse, com confiança.Assim que os jornalistas se voltaram para a direção indicada por Edich, o burburinho cessou. Todos ficaram paralisados, como se o tempo tivesse parado.Amara surgia no início do tapete vermelho, vestindo um deslumbrante vestido magenta de renda. O tecido abraçava sua silhueta com perfeição, destacando sua cintura marcada e uma gola que revelava graciosamente sua clavícula. A cor, tão ousada e difícil de ser usada sem parecer extravagante, tornava-se mágica nela. Era como se o vestido tivesse sido criado exclusivamente para realçar cada detalhe de sua beleza.Quando o estilista sugeriu o vestido, nem Amara acreditou que conseguiria usá-lo com confiança. No entanto, agora, caminhando pelo tapete vermelho, ela parecia uma verdadeira rainha. O estilista, conhecido como a "Mão Milagrosa" da Stellar Entertainment, tinha um talento inegável para e