Cecília
Olhei em torno do cômodo minúsculo, a tristeza me invadindo mais uma vez. As paredes estavam úmidas e como estava chovendo muito naquela noite, temi pela minha segurança, pois parece que o teto pode cair a qualquer momento. Voltei a orar por uma ajuda divina.
Não havia muito a fazer além disso, afinal. Não estava conseguindo me concentrar na leitura de nenhum dos livros que eu trouxe na mudança, o que é absolutamente normal, considerando-se a minha situação atual.
Fui demitida do meu emprego e quando cheguei em casa e contei para a minha família, o meu padrasto me mandou embora de casa no mesmo instante. Lembrei das palavras de Jean e o meu peito doeu uma vez mais.
— Se não pode contribuir com as despesas de casa, também não vai ficar debaixo do meu teto — Ele disse com extrema frieza — Não posso sustentar mais uma boca. Já me basta ter que sustentar a sua mãe e os seus irmãos.
Eu poderia ter dito que os meus irmãos são filhos dele e que a minha mãe é a sua esposa, mas na situação atual, preferi tentar conversar com ele, explicar que não tinha nenhum lugar para onde eu pudesse ir, mas Jean sequer me ouviu. Saiu gritando e batendo a porta, após dizer que não queria me encontrar dentro da sua casa quando retornasse do trabalho na manhã seguinte.
A minha mãe, como sempre, não interferiu. Continuou assistindo TV como se nada estivesse acontecendo do seu lado. Os meus irmãos eram ainda muito pequenos para entenderem qualquer coisa. Jennifer tem apenas cinco anos; Jefferson sete e eu os amo loucamente, mas nada pude fazer após Jean ter me expulsado de sua casa.
Aproveitei que o dia ainda estava claro, eram dezessete horas ainda, e fui procurar alguma pensão onde eu pudesse alugar um quarto com o valor menor possível. No momento disponho de quase nenhum dinheiro, mas fui informada no RH da Laser Inc. que no dia seguinte pela manhã eu poderia ir assinar a minha rescisão e receber os valores pendentes. Porém, considerando-se que estava trabalhando na empresa há menos de seis meses, o valor não será grande coisa.
Tudo o que consegui foi um quarto úmido, cheio de infiltração e muito quente, sem janela alguma. Ainda assim, considerei muita sorte e com o dinheiro da Laser Inc. que recebi naquela manhã, foi possível pagar três meses de aluguel, como a dona da pensão exigia.
Alguém bateu à porta do meu quarto, o que me deixou bastante surpresa e temerosa.
— Oi, gatinha — Disse um homem muito musculoso e com o corpo coberto por tatuagens.
— Sim? — Optei por falar de maneira seca.
Não tenho a menor ideia do que ele pode querer, afinal, só o tinha visto uma única vez antes, quando me reuni aos outros inquilinos para o jantar daquela noite. Eu nem mesmo cheguei a trocar qualquer palavra com ele!
— O que acha de pegar um cineminha hoje? — Ele me surpreendeu ao convidar — Tem uns filmes bem legais em cartaz.
— Obrigada, mas eu não posso aceitar — Falei com a máxima cordialidade.
— E por que não? — Ele insistiu.
Eu o encarei surpresa com a pergunta e por alguns segundos tentei encontrar uma resposta que não o deixasse ofendido. Eu odiava magoar as pessoas.
— Estou muito cansada hoje.
— Então, amanhã?
— Amanhã eu já tenho compromisso.
— Marcamos para sexta-feira à noite, então — Dessa vez não foi uma pergunta.
— Eu não acho uma boa ideia — Eu não sabia mais o que dizer — Estou com alguns problemas, sem a menor vontade de sair. Você entende… Qual o seu nome mesmo?
— Você pode me chamar de Bobby. É assim que todos me chamam aqui no nosso pedaço.
Aquela informação me pegou de surpresa e a forma de falar dele também. Agora mais do que nunca eu senti a necessidade de não aborrecer o senhor Bobby.
— Talvez em um outro momento, então, Bobby.
— Vou cobrar, hein!
Sorri sem graça e aguardei ele caminhar pelo longo corredor para só então fechar a minha porta, usando-a depois como apoio para o meu corpo ao me encostar nela.
— Mais um problema? — Perguntei ao cosmos.
Claro, ele não me respondeu.
Acordei cedo no dia seguinte e depois de um café da manhã bem insignificante, apenas um pão com manteiga e uma xícara de café preto, que descobri ser o que a dona da pensão serve todos os dias pela manhã, eu saí à procura de emprego. Tenho experiência como faxineira e isso tem que servir de alguma coisa.
Odiei Liam Ricci com todas as minhas forças ao retornar a noite após andar durante horas e não conseguir nada. Tudo bem que eu fui uma grande intrometida ao sugerir que ele deveria procurar ajuda, mas ele também não precisava me demitir apenas por esse motivo.
Pensando melhor, eu deveria me odiar também. Liam era conhecido por sua arrogância e seu temperamento explosivo. Ele caminhava pelos corredores da empresa com passos firmes e olhar severo, sempre pronto para repreender qualquer pessoa que ousasse cruzar seu caminho. Sua postura intimidadora era suficiente para fazer até mesmo os funcionários mais experientes tremerem de medo. Eu não deveria ter me metido com ele.
Cheguei em frente a pensão decadente onde estou morando e suspirei resignada ao ver que haviam alguns homens parados bem no meio do caminho, em frente a porta de entrada. Eram ao menos cinco e eles pareciam bem intimidadores com suas expressões rudes e aspecto perigoso.
— Olha, gatinha nova na área — Um deles disse ao notar a minha aproximação.
— Hum, é uma delícia essa gatinha — Disse um outro, me deixando nervosa.
Fiquei indecisa sobre seguir em direção a entrada ou dar meia volta e fingir que não pretendia entrar na pensão ainda. Porém, logo uma voz conhecida me trouxe um pouco mais de tranquilidade.
— Deixem a gatinha quieta — Bobby avisou com voz firme — Pode passar, meu bem. Eu te protejo desse bando de urubus.
Eu aceitei a intervenção de Bobby e passei pelo grupo, meu corpo tenso pela inquietação e medo daqueles homens, mas cansado demais para recusar a oferta generosa de Bobby.
— Obrigada, Bobby — Falei de maneira quase inaudível e entrei na pensão.
A pensão estava silenciosa e mal iluminada, com um cheiro característico de mofo impregnado no ar. Caminhei pelo corredor estreito até chegar ao meu quarto modesto. Era pequeno e simples, mas era o meu refúgio naquele momento difícil da minha vida.
Deitei-me na cama, refletindo sobre as circunstâncias que me levaram até ali. Era doloroso admitir, mas eu estou me sentindo perdida e desamparada. Enquanto repassava em minha mente os acontecimentos do dia, lembrei mais uma vez do arrogante Liam e senti um misto de raiva e um outro sentimento que não consegui definir naquele momento e sonhei com ele quando enfim consegui conciliar o sono.
LiamEu não consigo entender o que está acontecendo com Marta ultimamente. Ela parece estar cada dia mais estranha e até mesmo com raiva de mim. Eu sei que não sou um chefe fácil de lidar, mas isso não justifica essa mudança de comportamento, afinal, ela já trabalha comigo há mais de cinco anos. Pensava sobre isso quando Caíque entrou na minha sala sem ser anunciado e logo Marta estava atrás dele, preocupada com a minha reação, como já aconteceu outras vezes.— O que está fazendo aqui, Caíque? — Perguntei furioso, ficando de pé por trás da minha mesa — Essa sala é minha e você não pode entrar aqui sem a minha autorização.Caíque não demonstrou preocupação alguma com as minhas palavras, sentando-se na cadeira em frente a mesa e cruzando as pernas sobre o tornozelo com tranquilidade. Ele demonstrou estar bastante à vontade.— Por pouco tempo, meu caro.Eu encarei o meu primo sem conseguir entender o que ele estava tentando insinuar com aquela frase, e quando o questionei, ele respondeu
CecíliaConsegui um trabalho como garçonete em uma boate na zona sul da cidade. Estou odiando, mas foi a única coisa que apareceu. Consegui através da indicação de uma das garotas que também moram na pensão. Na verdade, não é bem uma boate, percebi no meu primeiro dia de trabalho. Não sei como denominar o local, mas eles o chamam de Clube Sussex. A maioria do público é constituído de homens e em alguns locais mais reservados do clube acontecem shows de pole dance e outras coisas que eu realmente não tive o menor interesse em saber. Por sorte eu fui designada a ficar nos arredores do bar comum, a parte em que não acontece nada em especial. Apenas música e bebidas. — Essa noite está uma loucura! — Manuela comentou, quando chegamos juntas ao bar para pegar os pedidos dos clientes — Não consegui ir ao banheiro desde que chegamos aqui.— Sim, está bastante movimentado hoje — Concordei.Rapidamente o barman atendeu aos pedidos e nos afastamos.O clube estava realmente lotado, principalmen
LiamNo momento em que meus olhos encontraram os dela, reconheci a garota imediatamente. Era Cecília, a ex-funcionária de limpeza que eu havia demitido impulsivamente em um acesso de raiva. Um sentimento desconfortável tomou conta de mim. Evitei seu olhar, lembrando-me de que ela era apenas uma empregada.Pensar que Marta estava preocupada com a garota e na verdade ela já está trabalhando em um clube noturno, provavelmente ganhando mais do que quando estava na minha empresa, me trouxe um sorriso cínico no rosto.Estendi a mão para ajudá-la a se levantar, fazendo o máximo que podia por ela naquele momento. Porém, tão logo ela conseguiu ficar de pé, afastei minha mão rapidamente, sentindo-me incomodado.— Obrigada, senhor — disse ela com uma voz falsamente doce.— Não precisa me agradecer. Apenas vá embora daqui. Você já causou problemas demais para uma noite só — Cortei-a bruscamente.Cecília pareceu surpresa com a minha reação hostil. Seus olhos, que outrora demonstravam tristeza, ago
CecíliaEra final da tarde e eu estava caminhando para o ponto de ônibus com Manuela quando um homem estranho me abordou no meio da rua, segurando meu braço com força e me encarando com um olhar cheio de ira. — Você sabe onde está o Bobby? — Ele perguntou, seu olhar segurando o meu de maneira perigosa.Senti todo o meu corpo trêmulo, o pavor me deixando completamente sem palavras. Eu não consegui emitir nem mesmo um único som.— Responde, garota! — O homem mau encarado gritou dessa vez, chegando a cuspir em meu rosto.— Eu… eu não… — Gaguejei, simplesmente aterrorizada.— Não brinca comigo, garota! — Voltou e me pressionar.— Ela não sabe nada sobre o Bobby, Marcão — Manuela veio em minha defesa, sua voz trêmula, mas ao menos ela estava falando — Ela não tem contato algum com o Bobby!— Não se mete, Manu — O homem gritou para a minha colega — Eu tô falando com ela. O Bobby disse que ela é a gatinha dele..Bem, agora eu estou simplesmente em desespero com essa informação. — Eu não te
LiamFicava cada vez mais aborrecido com a teimosa recusa de Cecília em falar comigo. Ela estava se comportando como uma grande tola, desperdiçando meu precioso tempo. Entretanto, não tinha muita escolha a não ser aguardar. Eu tinha pedido a Marta para me levar na casa da família de Cecília, para buscar informações sobre onde poderia encontrá-la, mas a pessoa que nos atendeu foi o padrasto dela e depois de destratar a minha secretária e eu, acabamos indo embora sem ao menos uma pista sobre o lugar para onde Cecília. Meu pai estipulou um prazo rígido para que eu encontrasse uma noiva, e o tempo estava se esgotando rapidamente. Não havia um plano B. Eu sabia um pouco de sua história e seu passado, tanto porque ela já havia trabalhado em minha empresa quanto porque minha secretária a conhecia. Cecília era a única garota que eu conhecia e que estava em uma situação difícil o suficiente para considerar a proposta que eu estava prestes a fazer. Quando pedi meu terceiro drinque, aproveite
CecíliaNão tenho a menor idéia de por quanto tempo eu permaneci em silêncio, enquanto encarava Liam Ricci com uma mistura de choque e descrença.— Você… o quê!? — Minha pergunta saiu alto demais.— Eu entendo que isso é inesperado, Cecília — ele começou, sua voz cheia da mais completa arrogância. — Mas eu preciso me casar o quanto antes. E cheguei a conclusão de que você é a pessoa ideal para os meus planos.Eu o observei atentamente, tentando entender a lógica por trás desse pedido insano. Liam Ricci, o notório mulherengo, estava me pedindo em casamento? A ideia de que aquele homem egocêntri
LiamSegurar a mão de Cecília era algo que eu não havia planejado. Não naquele momento. O aperto de mãos ao selar nosso acordo era uma formalidade, mas acabei prolongando aquele contato mais do que o necessário. E, de repente, aquilo se tornou incômodo.Quando percebi que segurava sua mão por tempo demais, a soltei quase que imediatamente, como se o simples toque entre nós tivesse o poder de queimar. Ela também pareceu desconfortável com a situação, e isso me incomodou além do normal.Por outro lado, eu estava satisfeito por Cecília ter aceitado minha proposta maluca de um casamento por conveniência. Era um alívio saber que a solução para meus problemas estava bem diante de mim, mesmo que
CecíliaA sensação de acordar naquela manhã em um quarto incrivelmente bonito e uma cama absurdamente macia me deixou desorientada. Nunca na minha vida eu tinha dormido em uma cama tão confortável. Lentamente, as lembranças da noite anterior começaram a retornar, como flashes de uma história maluca que eu havia vivido. A proposta surpreendente de casamento de Liam, ainda ecoava na minha mente. E as notícias alarmantes sobre a pensão e Marcão, que me levaram a aceitar a ideia de ir para o apartamento de Liam, também ressurgiram.Tudo isso me deixou um pouco chocada, e levei alguns minutos para processar tudo o que estava acontecendo. Era como se minha vida tivesse sido virada de cabeça para baixo em uma única noite, e eu estava apenas começando a compreender a extensão das mudanças que estavam por vir.Decidi levantar-me, mas ao fazê-lo, percebi que só estava usando um roupão atoalhado que encontrei nos armários do luxuoso banheiro da suíte em que foi instalada na noite anterior. A ún