Às duas horas da madrugada, após ter tomado duas latinhas de refrigerante e ter dado pelo menos seis voltas na quadra, para não dormir, viu, enfim, o falso médico sair da boate, abraçado com um homem.
“O quê?!?”
Atônito, escondeu-se atrás de um carro e bateu as primeiras fotos. A imagem do nome da boate, atrás do falso médico, era visível. Depois, passou a filmar, enquanto os dois se dirigiam para o estacionamento.
Diante do Siena vermelho, aconteceu a cena inusitada, que não esperava fosse acontecer. O pastor Gutemberg — com certeza achando-se protegido pela privacidade do local —, beijou o parceiro na boca. Na boca, sim senhor!
Nossa!
Foi um
No domingo, depois que voltou da igreja católica, sentou-se no sofá e deu uma minuciosa e analítica olhada nas fotos e imagens. Horríveis! Nojentas! Porém nítidas. Sabia que qualquer pessoa que as visse e conhecesse (pessoalmente ou por fotos) o pastor Gutemberg, o reconheceria. E qualquer pessoa entenderia o significado delas. Como se dizia por aí, eram realmente fotos e imagens comprometedoras. → É o fim de sua carreira, babaca → murmurou, os olhos brilhando de ódio. Almoçou somente com os pais. Sua irmã havia ido à praia, com o noivo. → Tudo bem, filho? → sua mãe, curios
A semana demorou a passar. Na quarta-feira, Kleber o abordou: → E aí? Encontrou o falso médico? Seguindo seu instinto, decidiu não contar nada a ele. Seria seu segredo. Depois ele saberia de tudo, assim que o escândalo estourasse. → Não. Acho que irei desistir. → Isso! Eu sabia que ele não pertencia à nossa igreja. Não temos criminosos em nossos quadros. Largar isso de mão é a melhor coisa que você faz, amigo. Não se esqueça: Deus te ajudará a superar essas maledicências. Ore e serás recompensado. “Você é que pensa que ele não é da tua igreja, amigo. Logo terás um
No sábado à tarde, foi até a igreja. O pastor Gutemberg estava sentado à mesa, esperando a sua vez de pregar. Não quis ouvi-lo. Não valeria à pena ouvir tantas bobagens. Decidiu esperar no carro. Uma hora depois, a multidão começou a sair da igreja. Também saiu do carro e esperou, o coração aos saltos. Não demorou para ver a figura do pastor Gutemberg, elegante num terno azul-marinho, que acabara de sair. Nos degraus da igreja, ele conversou com algumas pessoas, enquanto cumprimentava as que passavam; sorrindo, a simpatia em carne-e-osso. Notou que algumas garotas o encaravam com admiração. Com certeza achavam ser ele um bom partido. Óbvio! Os car
Naquela noite, jantou bife com fritas no restaurante “Alvix”, seu preferido — localizado ali perto —, assistiu TV (ou tentou), navegou na internet (colocou os e-mails em dia) e, lá pelas onze horas, deitou-se na sua adorável e aconchegante cama de casal. Antes de desligar o aparelho, realizou uma importante tarefa. Pegou o celular e transferiu as fotos e imagens do pastor Gutemberg para o notebook. Alguns segundos e pronto. Para a pasta escolheu o título “Igreja Geral da Ressurreição”. Um título conveniente e objetivo. Deveria enviar as fotos e imagens para alguém? Por enquanto não. Acreditou que, no momento, não seria necessário. Desl
No domingo, fez o de sempre: assistiu à missa — como era bom estar num lugar sereno, em que a ausência de gritos e choros dava um ar celestial ao ambiente — e almoçou com os pais, a irmã e o noivo dela. Carne assada no forno. Delícia! Foi um almoço bem tranquilo, onde conseguiu disfarçar a ansiedade que o dominava, por dentro. → É aí, filho? Conseguiu prender aquele monstro? → sua mãe, que não havia esquecido o assunto do último almoço, o questionou, séria. → Não foi necessário, mãe → mentiu. → O casal entrou em acordo. Eles se separaram e ela foi embora para outra cidade, levando a filha de seis anos. O ex-marido pediu desculpas pela agress&
Kleber, o gordo, simpático e calmo Kleber — um verdadeiro poço de tranquilidade —, estava ali, diante dele, segurando uma pistola. Naquele momento os olhos do gordo brilhavam. Seria ódio? Ou apenas indiferença? Viu o diabólico e mortífero cano da arma apontado na sua direção. → Mas… por quê? Por quê? → indagou, atônito, ainda sem sentir medo. “Sou colega dele. Ele não vai ter coragem de atirar em mim. É calmo, é evangélico, é um homem de Deus. Provavelmente só quer me assustar, para proteger o amigo”, refletiu, esperançoso. Precisava dizer alguma coisa, para convencê-lo a desistir da ideia:
Vinte minutos depois, precisamente às 22h32min, dois carros pararam diante da cancela de saída do condomínio: um Siena vermelho e um Uno verde-escuro. Ambos os vidros insulfilm levantados. O pastor Gutemberg chegou a baixar o vidro — rapidamente —, para cumprimentar, sorrindo, o porteiro. O porteiro também sorriu e acenou com a mão direita. Já o Uno manteve-se discreto, com os vidros erguidos. O sonolento e cansado porteiro não viu, portanto, os dois homens no Uno, um deles aparentemente dormindo no banco do lado. Viu apenas o vulto do motorista. Tudo bem, o porteiro refletiu, era apenas o amigo do pastor, saindo, após uma rápida visita. Mais um de seus inúmeros e esquisitos amigos.
Tudo deu certo. Havia deixado o carro do pastor no aeroporto, atrás de um depósito, pois sabia que ali não havia câmeras. Andou uns 400 metros. Pegou, enfim, um táxi e voltou para casa. Sua esposa estava dormindo — ou fingindo — assim como seus filhos. Havia informado a ela que iria para a reunião de pastores e que o pastor Júlio decidiu lhe dar carona, ida e volta. Deixara, portanto o carro na garagem. Se ela perguntasse, o pastor Júlio confirmaria a inusitada história. Mas ela, inteligentemente, não perguntou. Boa menina! Jogou os celulares no mar, na noite seguinte. Sumiram para sempre. Dois dias dep