Renan Andreollo
Falta apenas dois dias para o natal e continuo aqui preso no hospital. Mas um paciente com a vida em minhas mãos, enquanto mantinha a sedação para que meus colegas realizassem o trabalho deles com destreza e perfeição.
Ser anestesista pode parecer algo sem importância alguma, mas sem o nosso trabalho e conhecimento jamais que os meus colegas poderiam iniciar qualquer cirurgia.
O fato de estamos passando por mais um feriado prolongado era o motivo de estarmos a quase vinte horas no bloco cirúrgico sem descanso, parece que todos que resolveram beber bateram os seus carros, bicicletas ou se jogaram de algum prédio.
Olho para o relógio novamente e estou com a paciente sedada há quase cinco horas, diminuo dois miligramas de midazolam e realizo testes de Ramsay, aviso meus colegas e olhamos para os monitores para ver os parâmetros da paciente que estava na nossa mesa.
Os monitores apitam assim que diminuo o midazolam, estímulo a sua cervical e observo quando as suas pálpebras tremulam em resposta ao estímulo motor. Volto a aumentar a sedação para que meus colegas voltem ao trabalho.
Continuo sentado na minha banqueta e começo a fazer a evolução da minha paciente aproveitando o momento tranquilo que estávamos, já que uma cirurgia pode sair da tranquilidade para o caos em questão de segundos.
Enquanto mantenho a cabeça baixa escrevendo, decidi não dar atenção ao que o Dr. Maurício falava com a colega que o auxiliava. Não posso evitar que a minha mente se volte à confusão que a minha ex-esposa está causando na minha vida, principalmente ao meu humor que já não é dos melhores.
— Renan, o que você acha? — Maurício consegue a minha atenção.
Olho para os dois que estavam conversando, sabe-se lá sobre o que, fico calado esperando que algum repita o assunto em questão, noto quando Maurício revira os olhos e se vira na minha direção retirando o cauterizador da cavidade abdominal da paciente.
— A festa de fim de ano, nossa equipe em grande maioria estará de plantão, então vamos fazer algo? — Deixo que um sorriso se forme no meu rosto.
— Sabe que não me importo com isso, mas posso contribuir! — Digo voltando a olhar para a papelada que estava na minha frente.
Realmente não me importo nas festas de fim de ano desde que descobri que nunca poderia ser pai, mesmo assim não larguei a mão da mulher com quem estava casado, podíamos tentar outros meios para conseguir realizar meu grande sonho.
Mas não era isso que a minha ex-esposa tinha em mente, ela confessou que ter uma criança não era o que ela desejava, já que seriam um empecilho para a vida que ela estava buscando. Por fim acabei cedendo, já que me recusava ao divórcio.
A gota d’água para o fim do meu casamento foi saber que a instituição do casamento só era sagrada para mim, mesmo após quinze anos de casamento. Para conseguir o divórcio ela me exigia mais da metade dos meus bens, mesmo que o nosso casamento seja parcial de bens.
Estou agora brigando na justiça para que ela não coloque a mão no que não pertence a ela, não me importo em entregar a metade do que construí nos últimos anos trabalhando em um ritmo frenético apenas para que ela não passasse por nenhuma dificuldade.
Mas pelo visto não é o que ela deseja, já que estamos há quase um ano nessa briga toda, não nego que ainda a amo, tivemos uma vida juntos, mesmo que não tenha conseguido realizar com ela o meu maior sonho, ainda, sim, amei realmente essa mulher de todo o meu coração.
Cinco horas e meia, foi o tempo dessa laparotomia exploradora, desligo lentamente a sedação enquanto a equipe prepara os curativos para levar a paciente para o pós-operatório. Quando a paciente já estava pronta para sair do centro cirúrgico, desligo totalmente a sedação e observo enquanto ela começa acordar.
— Bem-vinda de volta! — Digo enquanto passo a mão em sua testa.
Percebo a sonolência que ainda estava nela e permito que a equipe de enfermagem a leve para o pós-operatório.
Saio da sala assim que recolho meus pertences de cima da pequena mesa de mayo reservada para mim, meu celular tinha algumas notificações e ignoro todas elas. Já que é minha ex-esposa pedindo que deixe a casa livre para que ela possa realizar a ceia de natal com a família dela por lá.
Mas dessa vez bati o pé e não sairei de casa, já que foi ela que arrumou as malas e saiu de casa quando disse que aquela casa não entraria na partilha de nosso divórcio. Me recuso a me desfazer do lugar que tenho as melhores recordações do meu casamento.
Vou até o quarto reservado para os anestesistas de plantão e deixo meus pertences no meu armário e deito na cama para descansar um pouco, deixo a luz do teto desligada e apenas o spot no rodapé do quarto ligado para que a outra anestesista não tropece ao entrar.
Não demorou muito para pegar no sono, minha mente vaga para o período em que achava estar vivendo a melhor época da minha vida. Havíamos viajado para Montana, o clima de romance estava lá e desejava ter um filho, a via se justificando a cada dia, a cada ciclo e no fim, a criança que desejava não veio.
Acordo assustado com o barulho que vinha da porta, levanto a cabeça e vejo a Thalita entrando com uma cara de cansada, pelo visto o paciente dela deu muito mais trabalho que a minha. Olho para o meu relógio e passou da meia-noite, ou seja, hoje é véspera de natal.
Levanto da cama e saio de fininho do quarto, estou sentindo fome, talvez possa ir até a lanchonete que fica no saguão, pego a minha carteira e coloco no bolso do meu jaleco, olho mais uma vez pelos corredores e vejo que a maioria dos médicos estava procurando um quarto para poderem descansar.
Caminho com letargia entre os corredores do hospital general de Dallas, é um complexo enorme com várias entradas para funcionários, mas havia apenas uma porta de emergência. Atravesso as portas que separam a área restrita para funcionários de onde ficam as pessoas que aguardam por alguma notícia sobre seus entes queridos.
Caminho até a lanchonete, a atendente sorri com gentileza na minha direção, sento em um das banquetas e olho para a vitrine onde havia vários tipos de lanches naturais.
Posso ter 48 anos, mas garanto que ainda consigo fazer sucesso na pista, pena que apenas não tenho mais disposição para esse tipo de aventura na minha vida. Indico o lanche que quero e a vejo servindo em um prato com um suco de framboesa gelado.
Começo a comer enquanto olho para as notícias que passavam na tela atrás do balcão e me surpreendo o quanto a guerra da Ucrânia e Rússia se prolongava dessa forma. Tantas pessoas morrendo porque homens gananciosos querem ainda mais poder. Não conseguia entender isso.
Antes que terminasse de lanchar, olho para a entrada do saguão e pude ver que um carro se aproximava em alta velocidade.
Quando o carro entra pelo saguão, largo tudo o que estava fazendo e começo a ver se as pessoas que estavam sentadas espalhados pela recepção estavam bem. Apenas uma sofreu algumas escoriações e precisará de pontos.
Provavelmente o motorista deve ser algum alcoolizado irresponsável que além de ter provavelmente se matado, ainda quase levou outros com ele.
Com o barulho que houve, a maioria dos médicos da emergência apareceu assim que me aproximei do carro e para a minha surpresa era uma mulher que estava ao volante.
Ela é linda, porém o seu rosto estava cheio de hematomas que com toda certeza não foi da batida.
— Ravi… — Ela sussurra enquanto tenta esticar os braços para o pequeno garotinho assustado na cadeirinha atrás dela.
— Moça? Me ouve? — Pergunto assim que a vejo desmaiar.
Consigo abrir a porta e verifico os sinais vitais dela, estavam fracos, mas mesmo assim ainda havia vida ali. Olho para trás e os olhos do garotinho estavam assustados, respiro fundo e toco em seu rosto com delicadeza.
— Ei! Campeão! — Digo dando espaço para os médicos a retirarem do carro.
Dou a volta no carro, abro a porta que estava o garotinho e me aproximo devagar para que ele não se assuste ainda mais. Começo a examinar os seus bracinhos e pernas.
— O que será que aconteceu com eles? — Ouvia Mauricio perguntando.
— Acho que foi o desespero, a criança é bem cuidada! — Digo quando o ergo da cadeirinha e o pego no colo.
O choro do menino chama atenção da maioria dos médicos e enfermeiros que estavam por perto. Mas precisava entregá-lo para poder ajudar a mãe.
— Não. — Ele se agarra ao meu pescoço e não deixa que mais ninguém o toque.
Droga, agora terei que ser babá desse lindo menino.
Olho para onde eles levam a mãe de Ravi e os acompanho de perto para poder realizar um exame mais minucioso no pequeno que parecia um macaquinho agarrado ao meu pescoço.
— Vamos lá campeão, o tio precisa ver se está tudo bem com você! — Digo olhando para a mãe do garotinho que estava na sala da frente.
Finalmente a pediatra chega para olhar o pequeno que estava soluçando no meu colo, me sentia perdido, não sabia o que fazer com aquele garotinho desconhecido, enquanto deveria estar me preparando para alguma possível cirurgia.
— Renan, não vejo nada de errado com a criança, acho que ele deve estar apenas com fome! — A pediatra diz, como se fosse o responsável pela criança. — Ah! Pare de me olhar assim, o menino parece que confia com você.
Ela brincava com ele, fez um balão com a luva, o que fez ganhar um sorriso cheio de dentinhos brancos, o que me fez amolecer o meu coração.
— Fique com ele até que a mãe acorde e explique o que houve! — Nego com a cabeça.
— Está louca, para isso existe conselho tutelar… — Ela me olha feio e abre os olhos quase implorativos.
— É natal, cadê o seu espirito natalino? — Reviro os olhos e noto quando todos sorri para mim.
— Tudo bem, o que devo comprar para manter o pequeno? — Por mais que desejasse ser pai, na verdade, não fazia a menor ideia de como cuidar de uma criança.
Olho para o pequeno que boceja no meu colo e deita a sua cabecinha cheirosa no meu peito.
— É garotão, será apenas nós dois! — Sussurro, enquanto a pediatra prepara uma lista de coisas que precisarei para ficar com ele até que a sua mãe possa realmente cuidar dele.
Renan AndreolloAntes que pudesse sair da sala onde estavam examinando o Ravi, pego a lista que a pediatra preparou e vejo que havia coisas demais, não que fosse sair caro, mas comecei a pensar em por que teria que ter tudo aquilo.Não acredito que a mãe desse pequeno demorará a acordar, olhando para tudo o que havia na lista, como poderei explicar o motivo de ter comprado um berço e brinquedos para o bebê que nem é meu.Mas concordo com a pediatra, deixar o pequeno Ravi nas mãos do conselho tutelar no dia de natal não parece certo, mesmo que não seja parente desse pequeno anjinho, ele merece estar sendo bem cuidado com exclusividade e prioridade, farei isso até que a mãe dele nos dê algumas explicações.Saio da sala de exame com a lista em mãos, enquanto segurava o corpinho sonolento do pequeno de cabelinhos escuros e olhos azuis contra o meu corpo, via que ele estava quase dormindo. Balancei um pouco até que ele realmente dormiu, estava curioso para saber o que estava acontecendo co
Renan AndreolloTodos na sala ficam em silêncio incrédulos com o que havia acabado se ouvir, todos naquela sala sabia sobre o meu desejo de ser pai e principalmente com a minha vida estava andando atribulada com o divórcio em meio de uma briga desnecessária.Não posso sair da cirurgia assim, tenho que esperar pelo menos o Maurício terminar de fazer o reparo no figado. Olho para o Ravi que estava com os olhos cheios de lágrimas e esticando o bracinho na minha direção.Meus olhos caem sobre a mãe inconsciente e lágrimas escorrem pela lateral de seu rosto, me deixando ciente que a sedação dela estava diminuindo rápido demais, pego a seringa com as medicações para aumentar o período de sedação e olho para o Mauricio que estava com o bisturi elétrico fora da cavidade abdominal.— Pode ir lá, damos conta aqui e tenho certeza que a Thalita não se importará de ficar no seu lugar. — Ele termina de falar olhando para a colega de profissão que tentava acalentar o garotinho choroso.Antes de leva
Mary Pape Gatilhos de abuso psicológico, violência doméstica e uso de drogas ilícitas. Não suporto mais! É tudo o que me vem a mente olhando para o Donald, que mais uma vez chega em casa e começa a usar suas porcarias na mesa do jantar, sem se importar com o Ravi que estava em seu cadeirão jantando. Não consigo ficar afastada para fazer qualquer outra coisa, já que tenho pavor de que Donald machuque nosso próprio filho. Hoje foi um dia difícil, quando ele chegou em casa irritado com alguma coisa, descontou a sua fúria em mim, sinto dores em cada parte do meu corpo, e dessa vez tenho certeza que ele conseguiu quebrar o meu pé, não consigo apoiar no chão. Observo enquanto ele usa a última carreira de pó e se ergue da mesa. Mas para o meu desespero, vejo a sua aproximação, tento me esquivar do seu agarro, mas o primeiro tapa forte o suficiente para me derrubar no chão, o sabor de ferrugem preenche toda a minha boca. Coloco as duas mãos na frente do corpo para implorar que ele não fi
Mary Pape Meu corpo está doendo, do topo da cabeça até a sola do pé. Sinto um desconforto enorme no meu peito, forçando que se expanda e contraia conforme a sua vontade. Não consigo abrir os olhos, os sinto com um peso enorme forçando que me mantenha de olhos fechados. Porém, podia ouvir e sentir o toque de outras pessoas no meu corpo, ouvia a conversa de todos eles ao meu redor, sabia que o natal já havia passado e que eles estavam se programando para o ano novo essa noite. Por suas conversas, sábia que um tal de Andreollo e Gagnon estavam patrocinando a diversão deles para essa noite, estava achando divertido o entusiasmo que todos estavam essa noite, mas queria saber sobre o Ravi, elas normalmente sempre falam sobre meu pequeno. “Ele é um médico bonito, mas sei lá…” — Uma delas dizia. “Veja como ela chegou, talvez encontre paz agora, ainda mais se aceitar a segurança que pode receber” — Estranhamente elas hoje resolveram falar em códigos. De alguma forma sei que Ravi estava s
Renan Andreollo Manuela conseguiu realmente tudo o que precisava, como já havia conseguido falar com Lev, sabia que ele carregaria a minha irmã em qualquer loucura que estivesse fazendo. Eles são a minha única família e sabia que por minha felicidade ele fariam de tudo por mim. Principalmente me ajudar a cuidar desse anjinho que nem a mim pertence. No fim do meu plantão fui até a UTI onde a mãe do Ravi estava, para que ele pudesse dar um beijo em sua mãe. Precisarei pensar em como cuidar desse pequeno nas horas que estiver em alguma cirurgia. Ao entrar na UTI, Ravi que já estava acordado reconheceu a sua mãe, o segurei mais apertado no meu peito e deixei que ele beijasse o rosto de sua mamãe. — Não podemos demorar pequeno, ou a tia ali brigará comigo. — Sorrio um pouco mais divertido olhando para a enfermeira da UTI. Me aproximo do ouvido da mãe do Ravi e sussurro ao seu ouvido, até porque não preciso de mais ninguém criando fofocas com meu nome pelos corredores do Hospital Gene
Renan AndreolloSou um médico há muitos anos e a privação de sono é algo que me acompanha desde a época de faculdade, para mim não seria algo demais ficar acordado enquanto organizo as coisas para mais tarde.Tenho certeza de Maurício e Manuela irão convidar muito mais pessoas que apenas os nossos amigos de plantão e particularmente gosto de cada um deles, desde as enfermeiras que participam das cirurgias como dos fisioterapeutas que entram apenas para regular os respiradores.Aproveito que Ravi estava dormindo e desço com a minha sorella para poder organizar a árvore e pedir para a empregada de casa preparar algumas coisas para a nossa ceia.Pego meu celular e vejo que meu aplicativo de mensagem Smoke estava com dois grupos criados e que fui adicionado, um se chamava.Boletim esposa de Renan. Reviro os olhos, isso é arte de Angela, a enfermeira da UTI que deve estar de plantão hoje, mas, na verdade, nem me importo muito, gostei de saber que todos torcem por minha felicidade.Natal de
Renan AndreolloEm poucas horas a minha casa estava totalmente decorada com muitos enfeites natalinos, embaixo da árvore estava com mais caixas de presente do que a que estava no shopping com um modelo do papai Noel para tirar fotos. Queria muito ter uma foto assim com o Ravi, mas acho que já estou fazendo mais do que a mãe dele aceitará.Quando meus companheiros de plantão chegaram na minha casa o meu celular começou a apitar e com curiosidade apertei para ver o que estava acontecendo e para a minha surpresa o grupo de notícias da mãe do Ravi estava enchendo de mensagens.Boletim esposa de Renan: A futura senhora Andreollo, teve a sua sedação diminuída, diminuímos os parâmetros da ventilação mecânica para ver como está o seu nível de consciência, para o anestesista de plantão, achou satisfatório os estímulos causados.Ela está ativa e reativa, com reflexos em boas condições, funções fisiológicas presentes e acreditamos que no ano novo ela já estará acordada para celebrar o novo ano e
Mary PopeUma semana depois que acordei e conheci o homem maravilhosos que vem cuidando de Ravi, a cada visita que recebo meu pequeno está usando uma roupinha diferente, com cheiro de limpeza e sem contar que ele está sempre feliz.As enfermeiras que estão cuidando de mim sempre me tratam com muito respeito e após verem o Ravi correndo pela UTI todo elétrico em direção de Renan, acredito que devem imaginar que posso ter algum envolvimento com esse médico todo charmoso que está me visitando todo dia.Estava finalmente livre de todos os dispositivos que me conectavam aos vários medicamentos que estava tomando nos últimos dias. Além disso, estava fazendo acompanhamento com uma psicóloga já que entrei com um carro no saguão em um hospital, causando alguns machucados.Mas eles estavam mais preocupados com o fato de que pudesse ser um risco para o Ravi e via a preocupação de todos em relação ao meu filho. Conheci a pediatra que estava cuidando do meu pequeno e pelo que disse causou um peque